A sequência de reajustes aprovados desde o ano passado inaugurou um novo patamar de tarifa de energia elétrica no Brasil, num momento em que o poder aquisitivo do consumidor está em queda por causa da inflação e renda menor. Até julho, a maior tarifa residencial do País beirava R$ 600 o megawatt hora (MWh) e, dependendo das condições hidrológicas e de acordos em negociação, pode ultrapassar novas barreiras. Das dez maiores tarifas que já tiveram reajustes aprovados neste ano, apenas uma está abaixo de R$ 500 o Mwh.
Em dois anos, o preço da energia para os consumidores residenciais dobrou em algumas distribuidoras. Foi o caso da Copel, estatal do Paraná, cuja tarifa subiu 102,95%, de R$ 242,58 o MWh, em 2013, para R$ 492,31 agora. Só neste ano, a tarifa da empresa - que não quis falar sobre o assunto - subiu 50%. Parte do aumento, como ocorreu nas demais empresas, foi para cobrir o rombo de R$ 22 bilhões da Contribuição de Desenvolvimento Energético (CDE).
Em 2012, a MP 579, que antecipou a prorrogação das concessões de geração e transmissão de energia, reuniu uma série de custos de políticas públicas (subsídios) nessa conta para ser paga pelo Tesouro Nacional. Até o ano passado, o governo havia aportado R$ 21,6 bilhões para pagar todas as despesas embutidas nessa conta, como os subsídios para o Luz para Todos. Mas, com o ajuste fiscal em curso, o governo desistiu de bancar os custos e jogou a conta para a sociedade.
Na lista das dez maiores tarifas do País, uma parte das empresas foi duplamente punida pelo aumento da CDE. São distribuidoras menores, que compram energia de grandes concessionárias e não diretamente de geradoras. Nesse processo, elas absorvem o efeito direto da CDE e indireto por meio das tarifas cobradas das distribuidoras. É o caso da Companhia Força e Luz do Oeste, atendida pela Copel; e Nova Friburgo, pela Ampla. A tarifa das duas, administradas pela Energisa, subiu 85% e 61%, respectivamente.
Além das duas empresas, a Energisa tem uma outra concessionária na lista das dez maiores tarifas. Trata-se da Energisa Minas Gerais: o preço para o consumidor está em R$ 501,10.
O aumento das tarifas também é reflexo da crise hidrológica que atingiu o País nos últimos anos, reduziu o nível dos reservatórios e ajudou a afundar o plano do governo de diminuir o custo da energia. Em 2013, com a prorrogação das concessões, a presidente Dilma Rousseff forçou uma queda, em média, de 20% da tarifa. Mas, como algumas empresas não aderiram às regras de renovação das concessão, as distribuidoras ficaram sem contrato de garantia para atender 100% de seu mercado e tiveram de ir ao mercado à vista para comprar energia, com o preço em alta por causa da seca.
Para garantir o abastecimento da população, todas as térmicas foram acionadas e o custo bilionário foi repassado para o consumidor. Na semana passada, o governo autorizou o desligamento de 21 térmicas com custo acima de R$ 600 o MWh. Mas, por ora, a medida não significará recuo da tarifa de energia.
Na avaliação de especialistas, os consumidores ainda verão uma forte pressão sobre as tarifas, pelo menos, até o ano que vem. O presidente da comercializadora Comerc, Cristopher Vlavianos, observa que a alta da moeda americana terá reflexos para o consumidor, já que a energia da Hidrelétrica de Itaipu é cotada em dólar. No ano passado, nessa época do ano, a cotação estava em torno de R$ 2,30. Agora está em R$ 3,53.
O professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Adilson de Oliveira, afirma que há ainda outros riscos que rondam as tarifas de energia nos próximos anos. Uma delas é o acordo sobre o risco hidrológico, que é o déficit na geração de energia (chamado de GSF) e que tem provocado prejuízos bilionários para os geradores. O acordo está baseado em duas fases. A primeira delas envolve o período de 2015 e 2016, em que os geradores assumem o risco hidrológico do País. A segunda fase refere-se ao período pós-2017, em que o risco hidrológico será repassado para o consumidor - ou seja, por meio de aumento de tarifa.
Outro fator de risco, diz Oliveira, refere-se à queda do consumo verificada nos últimos meses. Como há previsão de entrada em operação de novas usinas, poderá haver ociosidade da capacidade instalada do País. "Se a economia não cresce, não há consumo de energia (o que está ocorrendo agora)."
Industrial. Da mesma forma que o residencial, o consumidor industrial também sofre o impacto da sequência de reajustes tarifários. A Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), que representa grupos como Alcoa, Gerdau, Braskem, Vale e Votorantim, entrou na Justiça para evitar o pagamento da CDE. "A grande indústria que consome muita energia e usa pouco o fio passou a pagar mais", afirma o presidente da Abrace, Paulo Pedrosa.