O chef de cozinha João de Souza Oliveira está prestes a perder seu direito de sócio dependente do Minas Tênis Clube. Em fevereiro do ano que vem, ele completa 30 anos, idade-limite para filhos homens ou enteados usufruírem da cota do titular sem pagar nada a mais. A regra, que está prevista nos estatutos dos tradicionais clubes de Belo Horizonte, também vale para mulheres que se casam em qualquer idade. “Frequento o clube de segunda a domingo e acho um absurdo. Eles (o clube) deveriam criar uma cota para quem já é sócio desde novo com um valor acessível. Há cotas vendidas no mercado por até R$ 40 mil”, reclama.
Uma advogada, que preferiu não se identificar, também não concorda com o regimento interno dos clubes. “É um retrocesso e preconceito de gêneros. O estatuto pressupõe que um homem de 30 anos é capaz de se sustentar e adquirir nova cota. Já a mulher precisaria do pai até a idade de se casar e depois do marido, o que não é verdade”, reitera. A psicóloga Júlia Gallo, de 31, reclama do preço elevado da cota. “Nessa idade, nem todo mundo pode desembolsar um alto valor por um título. Causa-me estranheza perder o direito de frequentar o clube se eu me casar”, reitera.
Segundo especialistas, pesquisar e consultar antecipadamente o estatuto de cada clube antes de adquirir uma cota é a melhor maneira de não cair em pegadinhas e de não ter surpresas futuramente. Em tempos de aperto financeiro, manter a mensalidade em dia impede a suspensão ou cancelamento da cota. Em alguns clubes da capital, a tolerância é de 15 dias de atraso. Depois desse prazo, o sócio fica impedido de frequentar o clube. Atrasos superiores a 12 meses levam à suspensão do título e, consequentemente, à perda do investimento.
REVISÕES O porta-voz do Minas Tênis Clube, Eduardo Mineiro, confirma essa tendência. Ele explica que as regras do estatuto do clube chegaram a ser revistas há 10 anos – antes, o sócio dependente perdia o direito aos 24 anos. “Mudou o perfil da família brasileira, os filhos estão saindo mais tarde de casa, nada mais justo que a mudança no estatuto”, disse. No entanto, Mineiro defende que, se não tiver limite, o clube, que hoje conta com 73 mil sócios, fica intransitável. “Vira um negócio sem fim, e o nosso objetivo é manter um número estável de associados”, resume. Ele explica que, apesar da norma, muitas sócias não comunicam à secretaria quando se casam. “Não há uma fiscalização rígida nesse sentido, portanto, a regra acaba não funcionando 100% na prática”, reconhece.
No Pampulha Iate Clube (PIC), filhos homens maiores de 28 anos pagam 30% da taxa de condomínio. “As mulheres casadas precisam comprar uma nova cota, negociada a R$ 3,6 mil mais a taxa de condomínio de R$ 360”, diz o presidente do clube, Antônio Eustáquio da Rocha. Segundo ele, essa limitação ocorre desde quando o clube foi fundado, há 55 anos. “Há clubes que cobram de dependentes a vida inteira. Isso depende de cada estatuto”, disse. “São 12 mil sócios e tem que haver essa limitação”, reforça.
No Iate Tênis Clube, também na Pampulha, o dependente de até 25 anos paga R$ 82 de mensalidade e, a partir dessa idade, R$ 123 mensais. No Clube do Cruzeiro, o dependente de até 21 anos e que estiver cursando faculdade durante um período de cinco anos é isento da mensalidade. Já no Jaraguá Country Club, depois de 18 anos, é cobrada uma taxa de R$ 22,50 até os 29 anos; acima de 30, o valor passa para R$ 56,25. De 18 a 24 anos, se estudar, é isento, e se se casar, tem de sair da cota. No Labareda, do Atlético Mineiro, filhos maiores de 21 anos pagam 30% do valor da mensalidade.
Marcelo Barbosa, coordenador do Procon Assembleia de Minas Gerais, afirma que, nesses casos, não há relação de consumo e, portanto, se o sócio dependente se sentir lesado por alguma norma do estatuto, deve solicitar ao conselho do clube uma assembleia para que o caso seja levado em votação. “Cada clube tem seu estatuto, mas os sócios devem se submeter às regras e seguir o que está previsto”, disse. No entanto, ele explica que, em caso de normas abusivas, de caráter discriminatório, o fato pode ser levado à Justiça. “Nesses casos, cabe uma ação judicial, mas o ideal é que a insatisfação seja levada antes para o conselho de cada clube”, disse.
Inadimplência suspende cota
Em tempos de inflação em alta e desemprego em crescimento, manter as contas em dia tornou-se um desafio. Na capital, o atraso de pagamento de contas por mais de 90 dias chegou a 7,7% no mês passado, segundo pesquisa divulgada na semana passada pela Federação do Comércio do Estado de Minas Gerais (Fecomércio-MG). Ficou 1,1 ponto percentual acima do registrado em julho. Foi o pior resultado desde dezembro de 2009.
“No período de férias e inverno, a inadimplência quase dobra e atinge cerca de 7% ante os 4% em períodos normais”, explica o presidente do PIC, Antônio Eustáquio da Rocha. Mensalidades com atrasos superiores a 90 dias levam ao cancelamento da cota. “Por força do estatuto, o sócio perde seu direito e precisa renegociar o débito para voltar a frequentar”, explica.
No Minas Tênis Clube, o índice de inadimplência é quase zero, em torno de 0,6%. Segundo o gerente administrativo do clube, Marcos Magalhães, a baixa taxa decorre de dois motivos: “Depois de 15 dias de atraso, o sócio perde o acesso ao clube. Com 12 meses, perde o título da cota”. No entanto, o gerente afirma que casos de perda do título são raros por conta do bom valor de mercado da cota patrimonial, em torno de R$ 25 mil hoje. “Quem está inadimplente por um período de um ano, geralmente vende a cota, e o novo sócio assume as taxas de condomínio. Não há grandes perdas”, explicou.
Segundo a coordenadora do Procon de Belo Horizonte, Maria Lúcia Scarpelli, nenhuma atitude pode ser tomada sem que haja conhecimento prévio do sócio. “Só tem valor o que está no estatuto. Fora dele, o caso deve ser levado para assembleia”, explica. Ela reitera que, quando um sócio se associa, ela está sendo conivente com as cláusulas e decisões do estatuto do clube. “Ler um contrato ou o estatuto antes de assiná-lo é a melhor forma de garantir os seus direitos e de ter a certeza do que está sendo contratado”, conclui.