O discurso ouvido nos últimos anos indicava a necessidade de formar mais engenheiros para suprir o crescimento do Brasil. O tsunami econômico que afligiu o mundo em 2008 por aqui foi classificado como marolinha dada a recuperação acelerada do país. Com investidores com os olhos voltados para cá, o desenvolvimento da infraestrutura era algo imprescindível. Tal cenário alavancou a demanda por novos profissionais em setores-chaves, como energia, construção civil, petróleo e gás e outros. Inúmeros projetos justificam os gastos. As projeções indicavam a necessidade de multiplicar o número de formandos. Dito e feito. Mas, no meio do caminho, um outro tsunami atingiu o país. Sob forte crise político-econômica, os investimentos se esvaíram, e junto a eles a demanda por engenheiros.
Depois de uma temporada de intercâmbio na França, Lorena Leocádio Gomes, de 25 anos, retornou ao Brasil em meados do ano passado para concluir os estudos de engenharia civil. A expectativa era conseguir emprego imediatamente, aproveitando a experiência na Europa, onde, ao longo de um ano e meio, ela estagiou em grandes construtoras. “Lá o estágio é full time. Não tem aula. Eu praticamente atuava como engenheira”, recorda. Como praticamente todos os contemporâneos saíam empregados como trainee, a expectativa era aproveitar uma seleção para conseguir o primeiro emprego. Mas a realidade foi diferente. “Quase nenhuma empresa abriu processo seletivo para trainee”, afirma ela, que, para piorar, observou colegas serem demitidos.
Em dezembro e janeiro, Lorena Gomes chegou a fazer entrevistas de trabalho, mas a crise explodiu antes de ela ter uma resposta. De lá para cá, ela tem buscado oportunidades, mas diz estar bastante difícil. “Mandei currículo para o Brasil inteiro e não consegui nada. Ninguém está empregando, todo mundo está é demitindo”, relata Lorena, que, diante da crise, estuda a possibilidade de até mesmo retornar à França. Para isso, precisa de uma empresa interessada em contratá-la.
PROPORÇÃO
A avaliação do presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (Crea-Minas), Jobson Andrade, é que houve uma “mudança no panorama” da economia brasileira, o que impactou nas contratações das empresas de engenharia. “O mercado de trabalho para engenheiros é proporcional ao ambiente da economia do país. O que ocorre agora? O Brasil atravessa duas crises: uma política e outra de gestão do Estado. Isso muda toda a perspectiva. Com a situação de insegurança, as empresas demitem o pessoal. E tem impacto direto nos salários”, afirma.
O engenheiro comenta que o fato de o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro ter quase quintuplicado de 2001 para cá alavancou a procura por engenheiros. “Se o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) não foi a maior maravilha do mundo, pelo menos gerou desenvolvimento”, diz. Além do programa, Copa do Mundo, Olimpíadas e outros eventos demandaram investimentos em infraestrutura.
Segundo Jobson Andrade, o crescimento médio projetado de 3%, 4% ao ano ao longo de três décadas demandaria mão de obra três, quatro vezes maior que a disponível uma década atrás, mas, com a mudança de perspectiva, há um efeito sobre o setor. “A empresa de engenharia presta um serviço. Para isso, tem um custo com pessoal alto. Se a curva de crescimento não voltar a mudar, tudo muda”, afirma o presidente do Crea-Minas sobre as contratações e a criação de novas faculdades, que, segundo ele, com menor demanda podem ver sua procura cair.
Em estudo coordenado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a projeção mais conservadora previa mais que dobrar a demanda por engenheiros entre 2010 e 2020. Para isso, o Produto Interno Bruto (PIB) do país deveria crescer 2,5% ao ano. No cenário mais otimista, com a economia crescendo 5,5% ao ano, a demanda seria 4,5 vezes maior. Nos últimos quatro anos, no entanto, a geração de riquezas cresceu a ritmo mais lento que o previsto, abaixo de 2%, e, neste ano e no próximo, a expectativa é por números bem piores.