O diretor de Regulação do Banco Central, Otavio Damaso, destacou nesta segunda-feira, em audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF), que as legislações estaduais sobre depósitos judiciais e as iniciativas ainda em tramitação nas assembleias legislativas preveem regras que geram maior risco aos bancos depositários, quando comparadas à legislação federal (Lei Complementar nº 151, de 2015), e sugere uma legislação única sobre o tema. Entre os vários problemas apontados por Damaso, o principal é a ausência de regra clara e explícita de que a responsabilidade do banco depositário é limitada à disponibilidade de recursos no fundo de reserva.
Pontos de preocupação
Sobre o tema, o primeiro ponto de preocupação apresentado hoje pelo diretor foi a formatação dos fundos de reserva. Damaso lembrou que esses instrumentos visam a mitigar riscos e assegurar recursos disponíveis suficientes para honrar a restituição aos depositantes quando for determinado pela autoridade julgadora. "Nesse contexto, registra-se que há caso de regramento legal estadual que autoriza a constituição de fundos de reserva em porcentual inferior ao de 30%, estabelecido pela Lei Complementar 151. Além disso, nem sempre as regras de recomposição dos fundos de reserva são claras, e garantem restituição tempestiva aos depositantes. E, na prática, o relato comum é de que não são plenamente efetivas", disse.
O diretor enfatizou que até mesmo o mínimo de 30% pode não ser, pela ótica prudencial, necessariamente adequado e suficiente. Isso porque, de acordo com ele, os valores dos depósitos referentes a cada processo variam muito. "Há situações em que um único caso representa montante expressivo do total de depósitos, e o desfecho de um único processo pode demandar recurso que supera 30% do total dos depósitos. Em síntese, quanto menor for o fundo de reserva, maior será o risco de que o particular vitorioso em processo administrativo ou judicial não receba imediatamente o recurso que lhe cabe. E este fato pode gerar conflitos de diversas naturezas nas relações entre depositantes, bancos depositários e o ente federado", destacou.
O segundo ponto de preocupação apontado por Damaso foi sobre a extensão da transferência de depósitos judiciais a processos em que o ente federado não figura como parte. Ou seja, a transferência de depósitos referentes a processos que envolvem única e exclusivamente terceiros. "Nesses casos, a probabilidade de o ente federado, ao final do processo, permanecer com parte dos recursos arrecadados é zero, pelo simples fato de que ele não faz parte da lide. Logo, sempre terá que devolver a totalidade dos valores, pois estará se apropriando, ainda que com amparo legal, de recurso que não lhe competirá em hipótese alguma", argumentou. Situações como essas, deveriam, conforme o diretor, contar com regras ainda mais rigorosas para fazer frente a futuros pagamentos.
O terceiro ponto apresentado está relacionado à própria multiplicação de legislações distintas sobre depósitos judiciais. "A multiplicidade de legislações pode tornar complexo o controle operacional e processual realizado pelos bancos depositários, gerando, consequentemente, aumento do risco legal", considerou. Além disso, ele salientou haver notícia de casos de interpretação controversa sobre a prevalência do arcabouço legal federal ou estadual. Isso, segundo Damaso, amplia a insegurança jurídica dos bancos responsáveis pela gestão dos depósitos judiciais. Ao mesmo tempo, continuou, controles mais complexos e riscos mais elevados resultam em custos adicionais, inclusive provisões para potenciais contingências.
O quarto ponto, sobre a responsabilidade do banco depositário, foi considerado o mais importante por causa da ausência de regra clara e explícita sobre o tema. "Isto é, a demanda por resgate limita-se à parcela mantida no banco oficial e aos montantes restituídos ao fundo de reserva pelo ente federado. A falta de certeza de que, em hipótese alguma, o banco depositário será obrigado a pagar ao depositante, na ausência de recurso no fundo de reserva ou de transferência desse recurso pelo ente federado, impõe riscos ao banco", afirmou, citando entre os riscos o de liquidez, legal, de imagem e, no limite, até de insolvência.
Esses riscos, lembrou o diretor, são tipificados e tratados no âmbito da regulação prudencial para os bancos que operam no Sistema Financeiro Nacional (SFN) e a probabilidade de ocorrerem impõe às instituições financeiras requerimentos prudenciais adicionais, como aumento da disponibilidade de ativos líquidos para fazer frente a desembolsos previstos e potenciais no curto ou médio prazos, em detrimento da alocação em empréstimos, financiamentos ou outras aplicações; constituição de provisões para contingências, com efeitos no resultado e no patrimônio do banco; e aumento do capital regulatório, para manter o nível de operação frente aos riscos assumidos pelo banco.
"Tais requerimentos são necessários para manter o bom funcionamento não só do banco individualmente, mas de todo o sistema financeiro. E o seu não cumprimento sujeita o banco e os seus administradores a sanções previstas na regulação bancária", resumiu. Ele salientou ainda em seu discurso inicial que é preciso ter em vista ainda o risco de um banco público estadual ser obrigado a pagar a um terceiro valor devido pelo ente da federação que é o seu controlador.