Brasília – O governo esperava ter finalmente um dia de alívio ontem, mas o mercado recusou-se a seguir esse script. Apesar de o governo ter conseguido que o Congresso Nacional confirmasse vetos presidenciais, evitando forte elevação de gastos públicos, a moeda norte-americana atingiu R$ 4,146, novamente um recorde desde o lançamento do real, em 1994 – na segunda-feira, a divisa já havia batido a máxima histórica. O problema é que o mais importante dos vetos, o do aumento salarial do Judiciário, segue sem ser avaliado. E continuam ainda fortes as dúvidas quanto à capacidade de aprovar outras medidas de controle dos gastos públicos.
A alta de 2,28% no dia ocorreu mesmo com intervenções do Banco Central. Nos três pregões desta semana, a valorização do dólar foi de 4,72%. No ano, acumula 55,87% e em 12 meses, 72,15%. Isso ocorreu apesar de intervenções do Banco Central (BC) no mercado, por meio de dois leilões de linha e um de swap cambial. Hoje de manhã haverá novo leilão de swap, no valor de US$ 1 bilhão. É uma alta que afeta a vida de todas as pessoas, não apenas as que vão viajar, pois há custos em dólar embutidos em praticamente todos os produtos do dia a dia, a começar pelo pãozinho, que usa trigo, e a lâmina de barbear.
Foi bem além do dólar o mau humor do mercado ontem. A Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) caiu 2% e os juros futuros dispararam. O risco Brasil medido pelo CBS subiu para 476 pontos, o que representa uma alta de 135% no ano.
Para vários analistas, o real está sofrendo uma ataque especulativo e a moeda norte-americana caminha rapidamente para R$ 5,00. Após o fechamento do mercado, a divisa continuou a ser negociada no chamado after market, atingindo R$ 4,18. “Essa crise é sistemática e falta credibilidade fiscal. O dólar vai ficar estável quando acabar as incertezas”, afirmou o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
Na avaliação de Freitas, ex-diretor do BC, a volatilidade é resultado da falta de confiança de que o governo consiga a aprovação do pacote fiscal, o que poderá elevar fortemente a relação entre a dívida bruta e o Produto Interno Bruto (PIB). Isso faria crescer fortemente as dúvidas quanto à solvência do país.
O BC e o Tesouro Nacional farão também uma operação conjunta para segurar o valor dos títulos públicos com juros préfixados. Os juros para janeiro de 2019 foram negociados na BM&F a 16,92%, bem acima dos 16,22% da terça-feira. Até os juros para 2021 estão altos: 16,80%, em comparação com os 16,14% da véspera.
O derretimento do real nesses últimos dias, na avaliação de da economista Monica Baumgarten de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e diretora da consultoria Galanto/MBB, em Washington, é reflexo dos problemas internos e não externos, como o governo tenta justificar. “Esse último movimento do dólar, rompendo a barreira dos R$ 4, mostra claramente que o mercado está testando o Banco Central para ver até quanto ele deixa o câmbio ir”, afirmou.
Reservas Na avaliação de Monica, o país está sofrendo um ataque especulativo diferente porque o país tem pouco mais de R$ 370 bilhões em reservas. “Não é igual ao que ocorreu na década de 1990, quando o país não possuía reservas e tinha um problema sério que era o câmbio fixo. Agora, o câmbio é flutuante e o país tem reservas, mas ele precisa tomar cuidado para usá-las”, destacou.
A economista alertou porém, para o fato de que as reservas tendem a ser insuficientes caso o país opte por segurar a cotação da moeda norte-americana por meio da venda direta de reservas. “O problema atual do Brasil está relacionado com a falta de rumo fiscal e político. Se o BC resolver usar parte das reservas para controlar essa desvalorização do câmbio, ele vai fracassar. O mercado está testando o BC até onde ele pode ir”, alertou.