Apesar da forte desvalorização do real frente a outras moedas, o impacto da oscilação cambial deve ser mais contido em produtos da cesta natalina. Com a proximidade do período festivo, a maior parte das encomendas já foram feitas. Detalhe: em agosto, quando o dólar estava ainda abaixo de R$ 3,50. Além disso, com o consumo em baixa, comerciantes dizem não ter espaço para repassar os novos valores do dólar integralmente, sob o risco de encalhe das mercadorias.
Desde o primeiro dia do ano, o dólar valorizou-se 47,58% ante o real. Apesar do avanço, de R$ 2,69 para R$ 3,97, o sócio da Casa do Vinho André Martini afirma que o repasse foi bem menor, “de 10%, 15%, mas bem longe de 50%”. Com o corte da margem de lucro, alguns produtos, segundo Martini, estão com preços similares aos de lojas de Miami. “Se aumentar o preço, não consegue vender. Fosse para repassar o impacto cambial deste ano, os preços estariam insustentáveis”, afirma. A oscilação do euro, para ele, chega a ser tão ou mais relevante, devido à encomenda de vinhos europeus. Em janeiro, a moeda era cotada a R$ 2,94. Nessa semana, o câmbio comercial estava em R$ 4,45.
Varejo
Na ponta da cadeia de importação, os varejistas ficam sem muita alternativa de planejamento. O vaivém do dólar dificulta a tentativa de se fazer previsões. “A mercadoria está com um preço hoje, outro amanhã”, reclama o gerente do Império dos Cocos, no Mercado Central, Alexandre Pereira Cândido, sobre os valores cobrados pelos importadores de damasco, nozes, avelã, amêndoas e outros itens típicos do Natal.
Ao longo da semana, alguns importadores inclusive suspenderam suas tabelas de preços devido às rápidas elevações do câmbio. “Fosse para usar o valor máximo que o câmbio atingiu essa semana, teria que remarcar alguns produtos em até 25%”, afirma. Mesmo com a perda de valor do real, a banca tem mantido os preços. “O bacalhau ainda está com preço da Semana Santa”, afirma Cândido.
Logo ao lado, no Empório Ananda, a alta de alguns preços induz o cliente a considerar que o aumento abrupto é generalizado. O quilo da amêndoa custava R$ 74,80 no Natal passado, segundo o site Mercado Mineiro. Hoje o mesmo produto custa R$ 99 (32,35% a mais). Por outro lado, o damasco que custava R$ 44,80 sai por R$ 47 (4,91% de alta). Segundo o proprietário da loja, Geraldo Henrique Campos, o comportamento do cliente é de questionar os preços, mas, ao pesquisar, acaba por retornar para comprar. “Todo o preço que se põe o freguês fala que subiu muito”, afirma o empresário, pouco esperançoso com as vendas de fim de ano.
Especulação
Outra possibilidade para os importadores seria aguardar mais tempo para fazer o pedido em vista da perspectiva de recuo da moeda norte-americana. “Especular é um risco”, diz Martini. Ele cita o exemplo de um cliente que comprou todos os itens de Natal ainda em junho. Com 90 dias para pagar, ele esperou até o último dia para quitar o débito. Por azar, no dia (quinta-feira), o dólar atingiu o maior patamar da história frente ao real, o que forçou a pagar R$ 4,17. “Não é possível saber para onde o dólar vai. Não há uma diretriz por parte do governo”, afirma o empresário.
No caso do setor de bebidas alcoólicas, essa não era uma oportunidade. Isso porque, em dezembro, entra em vigor a nova fórmula de cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A expectativa é de aumento do custo desse tipo de produto. Portanto, mesmo em caso de queda do dólar, o ganho poderia ser absorvido pelo aumento da tributação.
Cotação recua mais
A ação conjunta do Banco Central e do Tesouro para dar liquidez aos mercados de câmbio e de juros conseguiu trazer os preços e taxas de volta à "normalidade", na avaliação de analistas ouvidos pela reportagem. Segundo eles, porém, a tendência de alta continua, pressionada pelas incertezas políticas e a crise fiscal e econômica no país. O dólar à vista, referência no mercado financeiro, fechou ontem em baixa de 3,49%, para R$ 3,974 na venda. Na semana, no entanto, a moeda acumulou alta de 1,46% – a sexta semana seguida de avanço. Já o dólar comercial, utilizado em transações de comércio exterior, recuou 0,39% no dia e subiu 0,35% na semana, para R$ 3,976.
O BC realizou ontem dois leilões de novos contratos cambiais, que movimentaram juntos cerca de US$ 1,971 bilhão. A operação equivale a uma venda futura de dólares. A autoridade também deu sequência à sua atuação diária para estender o prazo de papéis já existentes, que girou US$ 443,1 milhões. A intervenção teve reforço de empréstimos de até US$ 1 bilhão com compromisso de recompra em 4 de janeiro de 2016. O objetivo é dar liquidez aos mercados: ou seja, mostrar que haverá compradores e vendedores a qualquer preço que os ativos atingirem, reduzindo a volatilidade das cotações.
A autoridade monetária tem atuado em conjunto com o Tesouro, que anunciou na quinta-feira o lançamento de um programa de leilões diários de títulos públicos. “A ação coordenada do BC com o Tesouro trouxe o mercado de volta à 'normalidade', corrigindo distorções no preço do dólar e das taxas de juros futuros, que foram alvo de muita especulação nos últimos dias”, disse Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Banco Mizuho do Brasil.
“Apesar da ação conjunta do BC e do Tesouro ter ajudado a corrigir distorções do mercado, o cenário continua o mesmo: sem melhora nos cenários econômico, fiscal e político. Por isso, dólar e juros devem voltar a subir, embora as intervenções inibam um movimento especulativo tão forte quanto estávamos vendo”, afirmou Rostagno.