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Estado de Minas

Com vendas minguando, produtores de goiabada cascão veem estoque aumentar

A incerteza sobre o futuro do doce tem unanimidade entre os doceiros de São Bartolomeu, que relembram com saudosismo os anos em que era difícil desgrudar a barriga do tacho, tamanha a procura pelo doce


postado em 18/10/2015 06:00 / atualizado em 18/10/2015 07:26

"Não consigo vender. Ninguém compra mais goiabada cascão, nem turista, nem morador", reclama Galdino (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A.Press)

Em São Bartolomeu, Galdino Geraldo Pimenta, de 72 anos, não sabe o que fazer com os 2,5 mil quilos de goiabada cascão que estão guardados em caixas de madeira  num dos quartos da casa em que mora no distrito de Ouro Preto. “Produzi em abril, mas não consigo vender. Ninguém compra mais goiabada cascão, nem turista, nem morador”, lamenta. Filho da terra da goiabada, ele recebeu o tacho centenário como herança dos avós. Desde menino, ele se dedica à arte de fazer o doce, com raízes no século 19. “Já cheguei a vender 500 quilos em um mês, recebia encomendas de vários lugares de Minas e do Brasil, mas, este ano, a coisa está deseperadora. O tombo foi de mais de 80%”, desabafa.

Galdino faz parte de um grupo estimado em 20 doceiros do vilarejo que vendem a iguaria na sede do município histórico. Na tentativa de driblar a redução dos negócios, o produtor reduziu o preço do quilo da goiabada de R$10 para R$ 8, mas não foi suficiente. A incerteza sobre o futuro do doce tem unanimidade entre os doceiros da região, que relembram com saudosismo os anos em que era difícil desgrudar a barriga do tacho, tamanha a procura pelo doce.

“Vendíamos bastante. E depois que o modo de fazer a goiabada recebeu o título de Patrimônio Imaterial do Município, em 2008, a procura aumentou mais ainda”, comenta, com saudades, Vicente Quirino Fortes, de 80 anos, dos quais 70 dedicados ao tacho. Famoso doceiro da região, ele recorda os bons tempos do turismo movido a todo vapor no começo dos anos 2000. “A gente vendia cerca de 500 quilos de goiabada por semana. Vendíamos no atacado tanto para Belo Horizonte, quanto para Ouro Preto e região. Vinham caminhões buscar a nossa produção”, recorda.

A fama foi crescendo pela cidade a ponto de Vicente ter que dividir as atividades como juiz de paz no cartório local com o comércio da goiabada em barra. Neste ano, entretanto, ele estima um recuo de 70% dos negócios e há dias em que não vende uma barra sequer. “Recebíamos gente de todos os lados, que vinha raspar até o tacho. Mas a crise refletiu para todo mundo”, diz.

Tanto Vicente como Galdino contam que o que pesou nessa tradição foi o custo de produção da iguaria. Com o clima seco, as goiabeiras não dão frutos e, assim, obrigam os produtores a comprar a matéria-prima de terceiros. O preço da caixa com 20 quilos da fruta subiu de R$ 16, que os doceiros pagavam no início do ano, para os atuais R$ 26. Além do aumento de 62%, o açúcar também encareceu. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítistica (IBGE), os preços de açúcar e derivados aumentaram 6,57% nos últimos 12 meses. “O grande problema é que, somado à alta dos preços, o povo brasileiro está sem dinheiro. Antes um turista vinha aqui e comprava 10 barras de goiabada para levar para casa, e hoje, quando aparece algum visitante, leva apenas uma, e a menor delas”, compara Vicente, que vende meio quilo da iguaria a R$ 6.

Com as vendas minguando, a produção também vai definhando. Galdino Pimenta, por exemplo, não pode voltar a produzir sem primeiro desovar o estoque de 2,5 mil quilos de goiabada armazenados em casa. Vicente Quirino decidiu produzir aos poucos e diz temer que a tradição chegue ao fim. “Com essa crise, estão todos desanimados. Até a nova geração, que tem visto o sufoco e o trabalho que temos, não está interessada em aprender. Se não houver uma melhora, não sei o que será dessa guloseima”, avisa.



FIM DA TRADIÇÃO

Essa dúvida foi resolvida a duras penas pela família de Eci Maria Fortes, de 75 anos, que neste ano abandonou o tacho. Ela e o marido Hélio Pimenta, de 76, conhecido como Neneco, viviam do comércio da iguaria em São Bartolomeu, e chegavam a vender 75 mil quilos por ano. “Vinha gente do Rio, São Paulo e Belo Horizonte. A gente virava a noite para dar conta das encomendas”, lembra Eci, com orgulho. Ela diz que, desde o ano passado, a procura diminuiu. “Em 2014, até vendíamos alguma coisa. Mas, este ano, só vendemos seis barras depois do começo da safra, em fevereiro”, conta, sem conseguir esconder a tristeza por ter abandonado o ofício que aprendeu menina.

O tacho de 101 anos da família de Eci está encostado ao fundo da casa, assim como os equipamentos que auxiliavam o casal na fabricação do doce. “Se comprassem, haveria quem fizesse. Há goiaba no pé. A fruta nunca faltou no nosso quintal, mesmo com esse clima,  mas não há mais quem compre, e, para nós, esse prazer chegou ao fim”, desabafa Eci. (LE)


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