Brasília – Enquanto a economia patina, a inflação sobe e a bolsa de valores desaba, o Tesouro Direto bate recordes em número de cadastros de pessoas físicas e está em vias de superar pela primeira vez na história a base de investidores da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa). Os dados de setembro ainda não foram divulgados, mas, considerando a média de novos entrantes dos últimos cinco meses, de 13.055, o total de cadastrados chegará a 565.221, volume acima da base de investidores no mercado de ações, que somaram 558.759 no mês passado.
Na avaliação de especialistas, o perfil do investidor brasileiro, que é conservador e avesso a riscos, é um dos fatores desse aumento da procura pelo Tesouro Direto, que tem oferecido rendimentos mais atraentes que os da poupança e de vários fundos de investimento. “Esse movimento é natural devido à conjuntura atual. A bolsa está em queda e ninguém sabe direito o que vai acontecer com a situação política que está travando a economia. Com o rebaixamento do país, as incertezas aumentaram. Os especialistas já estão orientando os investidores para não aplicarem em fundos de ações”, explica o economista e especialista em finanças pessoais Fabio Gallo, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ele destaca que o aumento da procura pelo Tesouro Direto reflete bem o perfil do investidor brasileiro, que é conservador.
Nos últimos cinco anos, enquanto a caderneta teve alta de 37,93% e a Bovespa recuou 45,06%, os títulos do Tesouro indexados à taxa básica da economia (Selic), conhecidos como LFT e considerados os mais conservadores para o investidor, tiveram alta de 46,48%. Já os papéis públicos indexados à inflação (Tesouro IPCA), com vencimento em 2035, tiveram valorização de 20,87% no mesmo período, conforme um levantamento feito pelo economista Alexandre Cabral, da NeoValue Investimentos. No entanto, esses valores não incluem os descontos do Imposto de Renda, que varia de 15% a 22,5%, dependendo do prazo da aplicação, nem as taxas das corretoras, que vão de zero até 2% sobre a operação, itens que podem comprometer o rendimento total se o investimento for de curtíssimo prazo (seis meses a um ano).
Cabral lembra que o pequeno investidor que perdeu nos últimos anos, principalmente, com ações que viraram pó, como a da OGX, não quer saber de voltar para essa modalidade de risco. “O Tesouro Direto pode ser conservador, mas está pagando, em média, 15% de juros nominais ao ano. A bolsa sequer consegue isso atualmente, e, com a Operação Lava-Jato, a Petrobras, que é uma das principais ações listadas, só ajuda a derrubar ainda mais o Ibovespa”, destaca. O Ibovespa fechou na sexta-feira em 47.363 pontos, bem distante do recorde de 20 de maio de 2008, de 73.516 pontos.
O gerente de relacionamento institucional da dívida pública do Tesouro, André Proite, evita adiantar os números de setembro, pois eles devem ser divulgados na segunda metade de outubro, mas reconhece que, pela média dos últimos meses, é possível esse aumento expressivo da base, superando a da Bovespa. A seu ver, há um aumento expressivo na procura pelo Tesouro Direto desde março, quando a instituição resolveu modernizar a marca e remodelar os programas, a fim de facilitar o entendimento do investidor.
Só em agosto, foram 15.187 novos clientes cadastrados, a melhor marca registrada pelo órgão. “O Tesouro Direto é uma forma de democratizar o acesso do pequeno investidor aos títulos públicos, com taxas semelhantes aos que os grandes investidores encontram”, destaca Proite. Ele informa que “haverá novidades no programa em 2016”, mas não adiantou quais.
Mudanças deixam modalidade atrativa
Com as mudanças recentes, ao invés da sopa de letrinhas dos títulos, o Tesouro Direto fez um reagrupamento em três categorias: 1) indexados à inflação – Tesouro IPCA+, que paga em média 7,5% de juros ao ano além do índice de preços; 2) Tesouro prefixado, que paga taxa de 14% a quase 16% anuais, dependendo do vencimento; 3) pós-fixado indexado à taxa básica de juros – Tesouro Selic. É possível ainda escolher se o pagamento dos juros será semestral para os papéis prefixados ou indexados ao IPCA, algo que os especialistas desaconselham porque haverá a perda acumulada dos juros ao longo da vida do título e o valor a sacar no final será o mesmo de face do títulos, mais o juro do último mês. “Esses papéis são aqueles com os antigos cupons, que vale a pena apenas para quem está aposentado e quer complementar a renda. É preciso lembrar que, nesse papel, o imposto acaba sendo mais alto também”, explica o economista Alexandre Cabral, da NeoValue Investimentos. Para ele, o principal atrativo desses títulos é que eles pagam, em média, 7,5% ao ano de juros além da inflação, com baixo risco, é um dos destaques do Tesouro Direto. “Não existe melhor investimento no momento. Mas é importante saber escolher o prazo certo do vencimento, pois, se precisar vender antes, é possível ter perdas e não ganhos”, alerta.
Simplicidade Fabio Gallo, professor da FGV, lembra que, para comprar títulos do Tesouro, o investidor precisa se cadastrar em uma corretora. “O produto está ficando mais simples”, disse. Cabral diz que orienta seus alunos a investirem no Tesouro Direto. “É impossível orientar uma cesta de investimento sem esse produto”, diz ele, acrescentando que já começou a comprar papéis indexados à inflação para sua filha de três anos.
Mas, apesar do número recorde de cadastros, o Tesouro Direto ainda não é muito disseminado para o pequeno investidor. André Proite, gerente de relacionamento institucional da dívida pública do Tesouro, reconhece que há ainda uma barreira para uma maior popularização nas agências bancárias.