Que a água é essencial à vida ninguém duvida, mas a crise hídrica pela qual atravessa Minas Gerais tem mostrado como ela também é vital à economia. Do turismo à indústria, a estiagem corta o estado de norte a sul e, somada à recessão que o país enfrenta, está secando o bolso de empresários, produtores rurais e comerciantes. Café, leite, peixes, hortaliças, mineradoras, tecelagens, metalúrgicas, usinas de açúcar, entre outros setores. Difícil escapar dos efeitos da falta da água, que não escolhe setor. No terceiro ano consecutivo com chuvas abaixo da média histórica, produtividade, investimentos e, consequentemente, o faturamento das empresas e a renda das famílias também ficam abaixo do esperado. Para mostrar essa situação, repórteres do Estado de Minas percorreram municípios em várias regiões do estado, como Machado, Varginha, Abaeté, Três Marias, Morada Nova de Minas, Montes Claros e Franciso Sá. A realidade da estiagem nesses lugares é contada na série de reportagens “Seca + crise”, que o EM publica a partir de hoje.
A estiagem elevou o custo da energia em até 50% para alguns segmentos da indústria, que paralisaram cerca de 80% da produção, como os produtores de ferroligas do Norte do estado. Eletricidade e a alta do dólar pressionam os insumos. A seca coincide ainda com a pouca disposição da população para o consumo. Como efeito do encolhimento da demanda no mercado interno, os investimentos retraíram das pequenas até as grandes fábricas. Além de reduzir a produção, as indústrias mineiras já estão sendo orientadas para considerar nos seus planos a perspectiva de racionamento de água como uma realidade e não mais apenas uma possibilidade. E o fantasma do desemprego ronda o setor.
A agropecuária, que sofre os efeitos diretos das mudanças climáticas, é um dos primeiros setores a sentir o baque da falta de chuva. O café e o leite, dois dos principais esteios da economia do estado, se curvaram à seca. Maior produtor de café do mundo, Minas Gerais registra quebra de pelo menos 30% na produção no estado em relação ao esperado, de acordo com o Centro de Comércio de Café do Estado de Minas Gerais (CCCMG). Se considerado os últimos dois anos, a queda na produção supera os 20%. Este ano, a produção foi de 21,9 milhões de sacas, contra 27,7 milhões em 2013. A estiagem é tanta que o Sul de Minas, região propícia para o cultivo do grão e onde estão os maiores cafeicultores mineiros, começa a conviver com problemas típicos do Norte do estado.
A pastagem prejudicada e a desaceleração da demanda impactam a produção de leite em Minas, maior bacia do país. Com a produção de 9,5 bilhões de litros (26% do percentual nacional), depois de uma década de crescimento contínuo, a expectativa da indústria leiteira é de uma retração de até 2% em 2015. Parece pouco, mas a queda reverte um forte ciclo de alta, que nos últimos 10 anos viu o consumo de leite e derivados avançar 50% entre os brasileiros. No Norte de Minas, as perdas na atividade leiteira somam R$ 400 mil por dia. Se considerada a agricultura, as estiagens dos últimos três anos na região acumulam prejuízos de R$ 2 bilhões, segundo estimativa da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-MG), em Montes Claros.
Pescado míngua e turistas somem
Do pasto e da lavoura para os rios e lagos, a seca atingiu diretamente a piscicultura. Maior produtor de pescados no lago de Três Marias, no município de Morada Nova de Minas, a mortalidade dos peixes é medida em toneladas. Na ponte sobre o Rio Sucuri, onde está um braço da represa, a água deixou de correr por completo, só ficou a terra seca. A estiagem transformou os piscicultores em nômades, realidade também presente no Lago de Furnas, que banha 34 municípios mineiros. De tempos em tempos, eles são forçados a migrar com seus tanques em busca dos pontos mais profundos da represa.
A estiagem aliada ao crescimento do desemprego afeta também o turismo. No tradicional Lago de Três Marias, no Rio São Francisco, as lanchas e jet skis sumiram. O movimento do turismo caiu 40%. No Lago de Furnas, também conhecido como o “Mar de Minas”, há lugares que estão mais para sertão. Em cidades do Sul do estado banhadas pela represa, o turismo despencou 50%. No Norte de Minas, até as lagoas em áreas de clubes secaram completamente. (Com Luiz Ribeiro e Marta Vieira)
80%
É o corte na produção dos fabricantes de ferroligas no Norte do estado, afetados pela estiagem que elevou o custo da energia elétrica em até 50% este ano e pela recessão econômica
Análise da notícia
Urgência e sabedoria
Pedro Lobato
Em meio à recessão que vem frustrando a retomada da atividade econômica no país (o Produto Interno Bruto deve recuar 3% este ano e pelo menos 1% em 2016), tudo o que a economia mineira não precisava em 2015 é de uma seca. E, desta vez, não se trata de uma estiagem qualquer, daquelas que costumam frequentar o Norte do estado. A reportagem mostra que a falta d'água afeta também o Sul de Minas e impede a cafeicultura – tradicionalmente poderosa em Minas – de ganhar com alta do dólar. Depois de elevar o custo da energia, a seca promete mais estragos e sugere que indústrias e agronegócio não descartem, em seus planos, a hipótese do racionamento. A combinação crise seca certamente não poupará o emprego, fazendo desse o seu lado mais perverso. Por isso mesmo, tem de ser enfrentada com urgência, mas com sabedoria. A precipitação que desmonta ativos não é boa conselheira.