Alfenas, Aerado, Fama e Três Marias – Embaixo da plataforma construída para receber pescadores, vacas, bodes e galinhas tomam lugar de peixes. Sem barcos, lanchas nem jet skis atracados, píeres mais se parecem esqueletos ao ar livre. Na área usada para banho, só restaram as orientações para evitar acidentes e afogamentos. Já não há mais tanta água naquele que já foi considerado o “Mar de Minas” e, enfrentando o terceiro ano consecutivo de seca, o Lago de Furnas, que está 12 metros abaixo do nível máximo, retoma a paisagem pastoril e vai se despedindo de turistas.
No segundo dia da série de reportagens Seca + Crise, o Estado de Minas mostra o impacto da estiagem em balneários tradicionais do estado e na piscicultura, que estão entre as principais atividades econômicas nas regiões de Furnas e Três Marias. Na Região Central do estado, o mar de água doce vai sendo ocupado pelas grandes margens de lama e terra seca, espantando o turismo náutico, que desde a década de 60 movimenta o balneário. A represa de Três Marias está com 14% de sua capacidade e até o fim do ano a expectativa é que o volume do lago atinja 8%. No entorno do lago, a estiagem espanta também o tradicional turismo da pesca. Todos os córregos, riachos e veredas secaram.
Criado em 1963 para gerar energia elétrica, Furnas, o maior lago de Minas, banha 34 municípios, mas o impacto é sentido principalmente no Sul do estado. “O turismo foi muito sacrificado e reduziu em mais de 50% no Sul de Minas. Várias pessoas tiveram que mudar de atividade”, afirma o secretário-executivo da Associação dos Municípios do Lago de Furnas (Alago), Fausto Costa, que também preside o Comitê de Bacia Hidrográfica de Furnas.
Foi a proximidade da água que levou o gaúcho Severino Martini a comprar, há 30 anos, o Restaurante do Juquinha, às margens do lago, em Alfenas. De 2013 para cá, o reservatório afastou 2,5 quilômetros do estabelecimento, deixando uma paisagem árida e prejuízo. “Antes era um mar de água, hoje é um mar de mato”, resume o comerciante, que desconfia que o problema também tem relação com a gestão da hidrelétrica de Furnas. Os turistas sumiram e o faturamento caiu de 60% a 70%, segundo o comerciante, que também teve que fechar seu pesqueiro, onde recebia até 100 clientes por dia para pegar tilápia e tucunaré.
O prejuízo de Valéria Vieira, dona da Pousada do Porto, em Areado, chega a 80%. A pousada era procurada principalmente por estar na beira do lago. Este ano, a água secou de vez. “Em 2010, foi a primeira vez que secou. Agora está repetindo mais forte. O turismo aqui não tem incentivo, seria interessante, por exemplo, fazer um turismo do café”, afirma a empresária. Em Varginha, as águas do lago também secaram e sobrou apenas o leito do Rio Verde. O novo ambiente levou os barcos e turistas. “As notícias que a gente ouve não são animadoras. É rezar para chover e economizar energia e água”, diz Fausto.
Mar de prejuízo Dono de uma náutica em Fama, Kléber Valério é o único que permanece no ramo de barcos no município, um dos principais balneários do Sul do estado. “Tinha 118 embarcações. Agora, são 32 e este fim de semana foi o último do ano para descer barco, pois a água está quase no leito do rio”, conta Kléber. Junto com a água, o dinheiro sumiu e a renda da família caiu 60%. “Agora, é botar os dois pés no chão. Pelo menos eu tenho dois tratores para encarar uma roça”, diz, já traçando alternativas. Em nota, a usina de Furnas informou que o nível do reservatório é definido pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e que o objetivo prioritário da represa é a geração de energia elétrica.
No lago de Três Marias, o nível da represa cai de forma assustadora. A vazão superior a 500 metros cúbicos por segundo forma grandes bancos de terra seca que vão ocupando a paisagem do circuito turístico, famoso pelos esportes náuticos e pela pesca. A expectativa é que até dezembro o nível da represa fique abaixo dos 10%. Com a temperatura ultrapassando os 30 graus, o setor hoteleiro viu o turista sumir em uma das melhores épocas para o lazer. “Nossa ocupação caiu perto de 40% desde dezembro do ano passado”, calcula Lucas Daura, dono do Hotel Grande Lago e do hotel-fazenda Mar Doce, entre os maiores empreendimentos da região.
Preocupação No balneário Grande Lago, a água que chegava praticamente na porta agora requer do hóspede uma caminhada. Os clientes da cidade e de regiões vizinhas que frequentavam a represa principalmente nos fins de semana também sumiram. “O que mais nos preocupa é a incerteza”, diz Lucas. No terceiro ano consecutivo de estiagem acima da média histórica, o empresário decidiu pisar no freio e aguardar. Ele está com o projeto pronto para construção de uma área de piscina em seu empreendimento, com investimentos na ordem de R$ 350 mil. “Decidi esperar.” Lucas lembra que o nível de água na represa ainda é suficiente para a prática de esportes como Jet ski e pesca. “Mas quem convence o turista?”
O prefeito de Três Marias, Vicente Resende, diz que a região vive o seu momento mais crítico, pois todos os córregos e veredas secaram. No ano passado, o turismo na região amargou queda de 70%. Agora para tentar reverter o quadro o município investe em outras vertentes. “Estamos incentivado encontros de aeromodelistas, motociclistas, criando ações diferenciadas”, diz o prefeito.
Lago vazio nos clubes
Luiz Ribeiro
Francisco Sá – O abastecimento humano, a produção de alimentos e a geração de energia são alguns dos setores mais conhecidos que sofrem com os prejuízos provocados pela crise hídrica. A falta d'água também atinge em cheio o lazer. Por conta dos efeitos da estiagem, os frequentadores de clubes recreativos construídos perto de reservatórios de usinas hidrelétricas, como as de Furnas e Tres Marias, viram a água ficar distante ou inacessível para eles. Em outros locais, lagoas em áreas de clubes secaram completamente, como se verifica no Norte de Minas.
O Country Clube Lagoa da Barra surgiu em função da lagoa de mesmo nome, na região de Rio Verde, Francisco Sá – embora a sede administrativa do clube fique situada em Montes Claros, onde residem os seus cerca de 1,5 mil sócios. A Lagoa da Barra ocupava uma extensão de mais de cinco hectares (50 mil metros quadrados) e era uma das principais fontes dos sócios e frequentadores do clube, que ali pescavam e admiravam a natureza. Em virtude da estiagem, o lago secou completamente. No espaço seco permanece uma espécie de píer, que dá uma dimensão do volume de água que existia no local. Hoje, o chão que era coberto pela água está totalmente rachado.
O presidente do Clube Lagoa da Barra, Deusdete Rodrigues Badaró, lamenta: “Hoje, infelizmente, está tudo seco”. A lagoa é formada pelas águas das cheias do Rio Verde Grande. Ela secou completamente no ano passado e a lagoa permaneceu vazia neste ano. “O rio não teve mais enchente capaz de levar água até a lagoa”, diz o presidente do clube. O Rio Verde, afluente do Rio São Francisco, também secou completamente.
Com a estiagem prolongada, a lagoa do clube campestre Pentáurea, situada na região de mesmo nome, no município de Montes Claros, também secou. A lagoa era usada como opção de pescaria para os sócios do clube. O presidente do clube, Altamiro Ferreira, diz que, além de reduzir as opções de lazer para os sócios, o secamento da lagoa trouxe perdas para o clube, que captava água no local para molhar jardins e os gramados dos seus campos de futebol.