Depois de quatro dias consecutivos de falhas no eSocial, o governo anunciou no início da noite de ontem o adiamento para o último dia útil de novembro (30) o prazo para pagamento do Simples Doméstico, que reúne em uma só guia os tributos FGTS, INSS, seguro contra acidentes, fundo compensatório para demissão sem justa causa e Imposto de Renda. Embora a Receita Federal do Brasil desde o início da semana tenha reconhecido falhas no sistema, o anúncio da prorrogação só aconteceu a dois dias do vencimento do prazo, que seria nesta sexta-feira, 6. Desde o dia 1º, o Simples Doméstico havia se tornado uma tormenta para empregadores de todo o país. Muitos estavam tentando emitir as guias até de madrugada. Até as 20h, o governo não havia divulgado a portaria com a decisão, que está publicada na edição de hoje do Diário Oficial da União.
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, havia admitido, mais cedo, na tarde de ontem, que a data poderia ser postergada. “Estamos esperando um posicionamento do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) para tomar as providências necessárias. Se for necessário adiar, a gente adia, porque é uma questão tecnológica”, disse Levy, antes da decisão final do governo. Durante o dia, o site do eSocial chegou a ficar totalmente fora do ar. Especialistas em direito tributário apontam a epopeia dos empregadores brasileiros como um “absurdo inconstitucional” e um desgaste para o governo.
De acordo com o último balanço, divulgado na terça-feira pela Receita Federal, apenas 13% dos 1,2 milhão de empregadores haviam conseguido gerar a guia para pagamento do tributo. Diante das dificuldades enfrentadas pelos empregadores para emitir o Documento de Arrecadação (DAE) do eSocial, a Receita pediu ao Serpro, responsável pelo sistema, que custou R$ 6,6 milhões aos cofres públicos, uma avaliação técnica definitiva sobre os problemas de instabilidade.
Os contribuintes terão agora até o último dia do mês para efetuar o pagamento referente à competência de outubro. A multa para quem não pagar o Simples Doméstico nesse prazo é de 0,33% ao dia. Para quem tem um empregado recebendo o salário de R$ 1 mil, a multa corresponde a R$ 0,92 ou a R$ 9,20 para um atraso de 10 dias. Para Maria Inês Murgel, coordenadora do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), a possibilidade de punir o contribuinte pelo atraso no pagamento do tributo doméstico seria um “absurdo e um abuso de poder.” Segundo ela, a cobrança seria inconstitucional, porque a lei não permite punir o contribuinte por uma falha que ele não cometeu. “A Receita deve adiar o prazo, mas no último minuto, o que só piora a falha e é irrazoável”, comentou a especialista pouco antes do anúncio oficial.
Até o fim da tarde, o analista de sistemas Leonardo Mesquita, empregador acompanhado pelo Estado de Minas desde a terça-feira, ainda não havia conseguido gerar sua guia de pagamento. Ele vem tentando há quatro dias, sem sucesso. Ontem, o analista repetiu o processo, com três tentativas de hora em hora. “A instabilidade está muito grande. A página do eSocial chegou a não abrir em determinados momentos. Dá para perceber que está havendo modificações no site, mas o sistema continua sem funcionar”, disse, por volta das 19hs.
Estresse
Na tarde de ontem, entidades de defesa do consumidor e contribuinte se posicionaram pela prorrogação do prazo de pagamento. O Instituto Doméstica Legal, que mantém um portal para prestação de serviços, anunciou que na sexta-feira entraria com uma ação coletiva na Justiça, pedindo a suspensão da multa. “Todo esse estresse está sendo um desgaste a mais para o governo, que já deveria ter anunciado um novo prazo de vencimento do tributo”, diz Mário Avelino, presidente do instituto. Segundo ele, o portal deve gerar a guia de mais de 5 mil empregadores, mas só conseguiu, por enquanto, concluir o processo para 15 deles. “Mesmo assim, porque uma funcionária do portal teve insônia e gerou algumas guias de madrugada, por volta das 2h.” Segundo o porta-voz do instituto, que é também analista de sistemas, o prazo para emissão das guias, a partir do dia 1º, foi curto para um sistema tão complexo.
Falhas em sistemas de software são consideradas previsíveis, diz o diretor de Marketing da Funsoft (Associação das empresas mineiras de software), Wilson Caldeira. Segundo ele, os testes eliminam falhas no sistema, mas só com a utilização em massa é que alguns problemas são descobertos. “Não há como simular o real. Todo sistema está sujeito a essas falhas. Quanto mais simples ele for para o consumidor, mais complexo para quem constrói.”
Protestos
A OAB também enviou pedido de prorrogação do prazo de pagamento dos tributos dos empregados domésticos aos ministérios da Fazenda e do Trabalho e Previdência Social. O ofício também foi encaminhado à Receita Federal. A Proteste – Associação de Consumidores também já havia se posicionado pela prorrogação do prazo.
No documento enviado pela OAB, o presidente do Conselho Nacional da entidade, Marcus Vinicius Coêlho, justificou a solicitação afirmando que os empregadores têm enfrentado “reiterados problemas” para acessar o sistema, fazer o cadastro e emitir o DAE do eSocial, conhecido como Guia Única do Simples Doméstico. “Não parece razoável a este Conselho Federal da OAB que os empregadores domésticos sejam penalizados em razão de falhas no sistema implementado pela Secretaria da Receita Federal, cujo prazo para emissão e recolhimento iniciou em 1º de novembro e expira no dia 6”, ressaltou o presidente do órgão.
ANÁLISE DA NOTÍCIA
O que era simples quase vira absurdo
Marcílio de Moraes
O governo foi forçado a adiar o prazo para pagamento dos encargos trabalhistas dos domésticos diante da impossibilidade de patrões imprimirem o documento de arrecadação. Simples assim? Não. Diante da insatisfação da população com o governo, da recessão que suga o bolso dos consumidores e da falta de perspectiva com o futuro da economia, o contribuinte brasileiro se viu exposto a uma sucessão de erros quase surreal da área econômica do governo. O cidadão que arca corretamente com seus deveres se viu pressionado por não conseguir cadastrar e pagar os direitos de seus empregados. Num país em que a sonegação e a informalidade impõe um alto custo aos contribuintes, o governo demonstrou insensibilidade com o cidadão. Pensou apenas na arrecadação e falhou exatamente no momento em que mais precisa de receita.
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, havia admitido, mais cedo, na tarde de ontem, que a data poderia ser postergada. “Estamos esperando um posicionamento do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) para tomar as providências necessárias. Se for necessário adiar, a gente adia, porque é uma questão tecnológica”, disse Levy, antes da decisão final do governo. Durante o dia, o site do eSocial chegou a ficar totalmente fora do ar. Especialistas em direito tributário apontam a epopeia dos empregadores brasileiros como um “absurdo inconstitucional” e um desgaste para o governo.
De acordo com o último balanço, divulgado na terça-feira pela Receita Federal, apenas 13% dos 1,2 milhão de empregadores haviam conseguido gerar a guia para pagamento do tributo. Diante das dificuldades enfrentadas pelos empregadores para emitir o Documento de Arrecadação (DAE) do eSocial, a Receita pediu ao Serpro, responsável pelo sistema, que custou R$ 6,6 milhões aos cofres públicos, uma avaliação técnica definitiva sobre os problemas de instabilidade.
Os contribuintes terão agora até o último dia do mês para efetuar o pagamento referente à competência de outubro. A multa para quem não pagar o Simples Doméstico nesse prazo é de 0,33% ao dia. Para quem tem um empregado recebendo o salário de R$ 1 mil, a multa corresponde a R$ 0,92 ou a R$ 9,20 para um atraso de 10 dias. Para Maria Inês Murgel, coordenadora do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), a possibilidade de punir o contribuinte pelo atraso no pagamento do tributo doméstico seria um “absurdo e um abuso de poder.” Segundo ela, a cobrança seria inconstitucional, porque a lei não permite punir o contribuinte por uma falha que ele não cometeu. “A Receita deve adiar o prazo, mas no último minuto, o que só piora a falha e é irrazoável”, comentou a especialista pouco antes do anúncio oficial.
Até o fim da tarde, o analista de sistemas Leonardo Mesquita, empregador acompanhado pelo Estado de Minas desde a terça-feira, ainda não havia conseguido gerar sua guia de pagamento. Ele vem tentando há quatro dias, sem sucesso. Ontem, o analista repetiu o processo, com três tentativas de hora em hora. “A instabilidade está muito grande. A página do eSocial chegou a não abrir em determinados momentos. Dá para perceber que está havendo modificações no site, mas o sistema continua sem funcionar”, disse, por volta das 19hs.
Estresse
Na tarde de ontem, entidades de defesa do consumidor e contribuinte se posicionaram pela prorrogação do prazo de pagamento. O Instituto Doméstica Legal, que mantém um portal para prestação de serviços, anunciou que na sexta-feira entraria com uma ação coletiva na Justiça, pedindo a suspensão da multa. “Todo esse estresse está sendo um desgaste a mais para o governo, que já deveria ter anunciado um novo prazo de vencimento do tributo”, diz Mário Avelino, presidente do instituto. Segundo ele, o portal deve gerar a guia de mais de 5 mil empregadores, mas só conseguiu, por enquanto, concluir o processo para 15 deles. “Mesmo assim, porque uma funcionária do portal teve insônia e gerou algumas guias de madrugada, por volta das 2h.” Segundo o porta-voz do instituto, que é também analista de sistemas, o prazo para emissão das guias, a partir do dia 1º, foi curto para um sistema tão complexo.
Falhas em sistemas de software são consideradas previsíveis, diz o diretor de Marketing da Funsoft (Associação das empresas mineiras de software), Wilson Caldeira. Segundo ele, os testes eliminam falhas no sistema, mas só com a utilização em massa é que alguns problemas são descobertos. “Não há como simular o real. Todo sistema está sujeito a essas falhas. Quanto mais simples ele for para o consumidor, mais complexo para quem constrói.”
Protestos
A OAB também enviou pedido de prorrogação do prazo de pagamento dos tributos dos empregados domésticos aos ministérios da Fazenda e do Trabalho e Previdência Social. O ofício também foi encaminhado à Receita Federal. A Proteste – Associação de Consumidores também já havia se posicionado pela prorrogação do prazo.
No documento enviado pela OAB, o presidente do Conselho Nacional da entidade, Marcus Vinicius Coêlho, justificou a solicitação afirmando que os empregadores têm enfrentado “reiterados problemas” para acessar o sistema, fazer o cadastro e emitir o DAE do eSocial, conhecido como Guia Única do Simples Doméstico. “Não parece razoável a este Conselho Federal da OAB que os empregadores domésticos sejam penalizados em razão de falhas no sistema implementado pela Secretaria da Receita Federal, cujo prazo para emissão e recolhimento iniciou em 1º de novembro e expira no dia 6”, ressaltou o presidente do órgão.
ANÁLISE DA NOTÍCIA
O que era simples quase vira absurdo
Marcílio de Moraes
O governo foi forçado a adiar o prazo para pagamento dos encargos trabalhistas dos domésticos diante da impossibilidade de patrões imprimirem o documento de arrecadação. Simples assim? Não. Diante da insatisfação da população com o governo, da recessão que suga o bolso dos consumidores e da falta de perspectiva com o futuro da economia, o contribuinte brasileiro se viu exposto a uma sucessão de erros quase surreal da área econômica do governo. O cidadão que arca corretamente com seus deveres se viu pressionado por não conseguir cadastrar e pagar os direitos de seus empregados. Num país em que a sonegação e a informalidade impõe um alto custo aos contribuintes, o governo demonstrou insensibilidade com o cidadão. Pensou apenas na arrecadação e falhou exatamente no momento em que mais precisa de receita.