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Estado de Minas

Brasileiros fazem mais bicos no Natal para enfrentar a crise

Depois dos tempos de bonança, aumento do desemprego e a inflação alta elevam demanda por serviços eventuais


postado em 16/11/2015 06:00 / atualizado em 16/11/2015 08:59

 Com a possibilidade de dobrar o rendimento, limitado à aposentadoria, na pele de Papai Noel, José Luis levou o traje para a costureira Vera Lúcia fazer reparos (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Com a possibilidade de dobrar o rendimento, limitado à aposentadoria, na pele de Papai Noel, José Luis levou o traje para a costureira Vera Lúcia fazer reparos (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
No dicionário, ao menos formalmente, a palavra bico está associada à extremidade da boca das aves e de outros animais. Para o brasileiro, o significado pode ser completamente distinto, aquele próprio de um trabalho remunerado, além do emprego habitual. Depois de longo período de calmaria no mercado de trabalho, os efeitos da crise econômica impulsionaram a procura por esse tipo de ocupação. Para fechar as contas no zero a zero, pelo menos escapando do vermelho, vale ser garçom, segurança, motorista, porteiro, confeiteiro e até Papai Noel numa época tradicionalmente mais aquecida para o comércio.

A semelhança com o bom velhinho favorece José Luís Santos, que estica a renda de aposentado, dando vida ao personagem. A empregada doméstica Maria Silva Santos, de 53 anos, também aproveita a chegada do Natal para complementar o orçamento.

Depois que a filha adoeceu, ela se matriculou num curso para aprender a fazer bolos. Aprendeu a receita de um bolo inglês que os moradores de Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, passaram a degustar graças aos trabalhadores da extinta mina de Morro Velho. Com as encomendas, Maria conseguiu pagar o tratamento. Batizado de “queca” (tradução aportuguesada da palavra inglesa cake), o quitute feito com frutas cristalizadas e regado com conhaque é apreciado nas ceias de Natal e ano-novo.

A procura dos clientes deu frutos e fez Maria manter a produção caseira, agora para aumentar os rendimentos. Hoje, são 150 clientes fixos na agenda da doméstica. “Com o dinheiro das quecas já troquei o piso da minha casa também. Neste ano, quero aumentar a cozinha e fazer o reboco das paredes”, diz. O desejo é de que as encomendas não fiquem restritas a dezembro. “Penso em fazer quecas o ano todo, mas precisaria de um freezer para comportar as encomendas. Quem sabe não uso o dinheiro para isso?”, afirma.

A alta da inflação neste ano contribuiu para que os trabalhadores não conseguissem fechar acordos salariais com ganho real. A consequência direta é a queda nos rendimentos reais. Em agosto do ano passado, o rendimento real médio do brasileiro era de R$ 2.289,79; neste ano, caiu para R$ 2.189,69. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) subiu 8,52% de janeiro a outubro, percentual mais alto desde 1996.

O professor Marcio Pochmann, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que, apesar de não haver medição rigorosa sobre os trabalhos eventuais no Brasil, é “bastante provável” que o bico tenha perdido importância na última década com o bom desempenho do emprego e dos rendimentos. Nos últimos seis anos até 2014, o país apresentou as menores taxas de desemprego da história da economia.

A taxa de desemprego saiu de 5,3% da População Economicamente Ativa (a PEA é o conjunto de pessoas que estão trabalhando e de quem procura emprego) em dezembro de 2010 para 4,3% em dezembro de 2014. O resultado tem como base a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, referente às seis maiores regiões metropolitanas do país – de São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife e Salvador.

Com a inversão da curva neste ano – o desemprego foi de 7,6% na média do país em setembro último –, associada à turbulência na economia e aos efeitos da baixa criação de postos de trabalho, é possível perceber “a volta de um fenômeno conhecido dos brasileiros”, diz Pochmann. Segundo ele, é possível identificar dois tipos de ‘bicos’: “Alguém ocupado que busca uma atividade adicional ou o desempregado sem fonte de renda que busca estratégia de sobrevivência”, afirma o professor. Em abril deste ano, pesquisa divulgada pelo Instituto Data Popular indicou que as pessoas da chamada Classe C, que ascendeu ao consumo nos últimos anos, voltaram a fazer bicos, diante da crise econômica. O levantamento mostrou que 42% das famílias dessa faixa de renda desempenham atividades eventuais para esticar a renda.

Festas multiplicam os ganhos

Com a proximidade do Natal, centenas de aposentados são procurados para se fantasiar de Papai Noel em festas de fim de ano. O bico garante bom rendimento para os contratados, inclusive bem superior ao teto da aposentadoria. Isso porque, segundo o proprietário da empresa de eventos Abracadabra, Anésio Júnior, é difícil encontrar pessoas que se encaixam no perfil do bom velhinho.

“Papai Noel é um personagem característico. Não há um número grande de pessoas com esse perfil. Muitas vezes as empresas querem contratar, mas já não há mais profissionais disponíveis”, afirma o empresário, ressaltando que o contrato pelo dia de trabalho pode chegar a R$ 1,5 mil, enquanto o valor mensal é negociado.

Aos 70 anos, José Luís Santos aproveita a semelhança da densa barba branca e do sorriso com a figura lendária, além do estereótipo da personagem. Ele tem mais de 1,80 metro, pesa 85 quilos e mantém barba e cabelos brancos. Em novembro e dezembro, consegue mais que dobrar o valor da renda proveniente da aposentadoria. Contratado pela Abracadabra, ele faz entre 20 e 30 apresentações no período em eventos corporativos, shoppings centers e outros espaços.

“Faço a alegria da criançada”, brinca. “As crianças não dão trabalho. Às vezes, o problema são os pais, que querem que o filho faça pose para tirar foto mesmo sem que ele queira”, diz. Mas não são apenas os pequenos os interessados em conhecer o bom velhinho e ganhar presente das mãos de José Luís. Ele conta que mulheres também fazem fila para bater fotos com o Papai Noel, e faz questão de que elas passem no salão de beleza antes da sessão de fotografias.

Sob o efeito do corte nos ganhos salariais, a faturista Paula Melo Santos passou a fazer bicos nos fins de semana em bufês. A cada festa ela recebe entre R$ 100 e R$ 130 para trabalhar como garçonete. “É uma forma de complementar a renda. Sem esses biquinhos, muitas vezes a conta fecha no vermelho. Eles ajudam muito”, afirma Paula.

Ela seguiu os passos do marido, que, desde o ano passado, faz trabalhos eventuais para aumentar os rendimentos. Mesmo com a crise, a expectativa dos dois é de que aumentem as contratações até o fim do ano para festas de formatura, eventos corporativos e as datas comemorativas. Em outubro, de acordo com Paula, a demanda foi maior do que meses atrás. “Se conseguir muitos eventos, dá até para programar uma viagem. Coisa que só com o salário não daria para fazer”, afirma.

Para facilitar o contato entre empregado e contratante, interessados movimentam até mesmo as redes sociais. No Facebook, são muitos os grupos em que são anunciadas vagas para garçons, mágicos, promotores de vendas, seguranças e fotógrafos, entre outras ocupações oferecidas em eventos.

COMO VIVEM  

Vínculos de trabalho  dos brasileiros

49,9%
trabalham com carteira assinada no setor privado

8,4%
trabalham sem registro nosetor privado

19,5%
trabalham por conta própria

4,1%

são empregados


Fonte: IBGE


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