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Estado de Minas

Dólar abre mercados para o artesanato, mas falta apoio aos profissionais

Com valorização cambial, cresce a demanda pela arte popular produzida em Minas a um ritmo ainda modesto devido às dificuldades, que vão dos contatos iniciais aos embarques


postado em 30/11/2015 06:00 / atualizado em 30/11/2015 07:24

Segundo Odair Neves, que exportou bonecas de cabaça para a Espanha e os Estados Unidos, se não há assistëncia, medo é produzir, embarcar e não receber(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS )
Segundo Odair Neves, que exportou bonecas de cabaça para a Espanha e os Estados Unidos, se não há assistëncia, medo é produzir, embarcar e não receber (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS )

De um centro de distribuição distante 30 minutos da ilha de Manhattan, 2.500 panelas, formas para pizzas e outros utilitários feitos da pedra-sabão esculpida em Ouro Preto, na Região Central de Minas Gerais, foram levados a restaurantes e à prateleiras de lojas de suvenir e decoração em Nova York, Filadelfia e outros destinos de Nova Jersey, de janeiro a outubro deste ano. Na onda da recente valorização do dólar frente ao real, os embarques das peças da cidade barroca mais que dobraram em relação às 1,2 mil unidades que percorreram os mesmos caminhos nos Estados Unidos em 2014.

O câmbio estimulou o negócio, mantido a custa de muito esforço, mas ainda representa pouco, diante de uma outra dificuldade que os artesãos tentam vencer a duras penas: a falta de apoio para cruzar as fronteiras do país. Estudo realizado pela Associação Brasileira de Exportação de Artesanato (Abexa) sobre o perfil de 295 artesãos cadastrados no site da instituição desde julho passado mostra que só 39 experimentaram vendas externas, quer dizer, modestos 13% da amostra. Prova das dificuldades que eles enfrentam para pisar no exterior está em pelo menos outros quatro preocupantes indicadores, na avaliação da presidente da Abexa,Tânia Machado. Do total dos cadastrados, 154, ou seja, 52%, não emitem nota fiscal e embora 187 (63%) tenham site, só 26 desse grupo dispõem da página eletrônica em inglês.

O artesanato em pedra-sabão lidera as vendas restritas deste ano e que poderiam ser muito maiores de trabalhos artesanais exportados por meio do Mão de Minas, maior central de cooperativas de artesãos do país, com sede em Belo Horizonte. A receita apurada nas exportações nos primeiros 10 meses de 2015 foi de R$ 1,062 milhão.

A presidente da Abexa espera para este ano um balanço de R$ 1,5 milhão das vendas externas do artesanato de Minas. Se alcançado, o resultado significará mais de 50% de aumento frente à receita de R$ 1 milhão obtida no ano passado, tendo em vista o ganho não computado nesse percentual da conversão pelo câmbio, que em 2014 estava na casa de R$ 2,90, portanto bem abaixo do atual, de R$ 3,8234 pela cotação de sexta-feira.

A pedra-sabão tende a se manter na ponta, como ocorreu até outubro, seguida de utilitários de cerâmica em baixa e alta temperatura confeccionados em Belo Horizonte, tapetes de Rezende Costa, artesanato indígena de Tiradentes, luminárias de aço de Carangola, capas de almofada de Dom Silvério e móveis de madeira de Maria da Fé. “Persistência e insistência fizeram a pedra-sabão ganhar o espaço que tem hoje”,afirma Tânia Machado, sem a menor dúvida de quanto tornou-se essencial no Brasil o apoio ao artesão que tem trabalhos com qualidade para exportar.

“O artesão só tem condições de exportar de forma cooperativada. Ele não dá conta de custear as despesas da operação e do frete, que é pago adiantado, além de ter de vencer a burocracia na hora da venda e negociar com o importador”, afirma a presidente da Abexa. Diante de tantas dificuldades e do risco de o país perder as oportunidades já conquistadas com investimentos feitos em promoção comercial, a associação acaba de lançar um site com ferramentas para unir artesão e importadores.

Para reforçar essa assistência, a Abexa pôs no ar em julho o portal www.abexa.org.br, que abriga uma vitrine para divulgação dos trabalhos dos artesãos cadastrados, mantendo também um canal de comunicação entre eles e quem deseja comprar as peças. Um grupo de mais de três dezenas de mentores que se engajaram na iniciativa presta assessoria na formatação do negócio. Os artesãos contam, ainda, com a consultoria do Instituto Centro Cape – Centro de Capacitação e Apoio ao Empreendedor, responsável por executar toda a operação de exportações do Mão de Minas. A divulgação do artesanato brasileiro é feita com o uso da ferramenta do marketing digital e de anúncios no sistema adwords do Google.

Burocracia e desembaraço fiscal

A estrutura montada pelo portal da Abexa foi decisiva para o artesão Odair Neves, que, na semana passada, despachou para Miami 27 bonecas feitas de cabaça, resina, tecido, fibra de bananeira e coco. Mais do que a possibilidade de ser descoberto pelo importador, ele viu no apoio uma espécie de aval que deu a segurança que ele buscou – e não encontrou –, em experiências anteriores de exportação. “Foi um achado. O cliente viu meu trabalho no site e pouco tempo depois eu exportei, sem a insegurança que senti antes”, afirma.

Quase 500 esculturas que Odair faz no ateliê em Belo Horizonte foram adquiridas em 2012 pela rede espanhola de varejo El Corte Inglés. “Sem apoio, é muito complicado. Há toda a documentação que precisa ser desembaraçada”, observa. Concorda com ele o artesão Lucídio Malaguth Colares, que faz trabalhos artesanais há 27 anos em BH, usando pedras semipreciosas na produção de bijuterias. A alta do dólar proporcionou duas remessas neste ano, para Miami e Madri.

“Sem apoio na preparação dos documentos, da nota fiscal válida no exterior, as especificações em inglês que acompanham a mercadoria e os cálculos das taxas no fechamento do câmbio eu não conseguiria exportar”, diz Lucídio. Outra grande dificuldade para o artesão é fazer o contato com o cliente no exterior. Odair Neves acrescenta: “A gente produz e o medo é de enviar a peça e não receber.”

Para Lucas Corrêa, obstáculos começam no desconhecimento do processo de exportar(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Para Lucas Corrêa, obstáculos começam no desconhecimento do processo de exportar (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Maioria não sabe calcular os preços

A falta de conhecimento dos artesãos até mesmo para calcular o preço de exportação do trabalho feito no ateliê e a dificuldade de criar e manter um site em que as peças sejam divulgadas estão entre os principais problemas identificados pelo Instituto Centro Cape. O analista de exportação da instituição, Lucas de Melo Corrêa, tem se dedicado à assistência em toda a operação de embarque de peças produzidas em diversas cidades de Minas. “Muitas vezes, exportar é mais fácil que o artesão imagina, mas ele tem medo ou desconhece o processo”, afirma.

Potencial exportador, não há dúvida, o artesanato mineiro vem demonstrando. Lucas Corrêa observou nas vendas externas feitas neste ano até outubro dos trabalhos dos artesãos do Mãos de Minas uma demanda fora do normal dos utilitários em pedra-sabão, favorecida pela valorização do dólar frente ao real. A remessa de três toneladas preparada para despacho na sede do Centro Cape em BH há duas semanas foi a maior dos últimos seis anos para suprir as demandas de pequenos clientes, em geral conquistados em feiras no exterior.

As peças de decoração em cerâmica também despontaram, num universo de 250 unidades vendidas, frente a uma centena no ano passado. Há pouco mais de quatro meses no ar, o site da Abexa ajudou artesãos cadastrados a exportar para Dubai, França e Estados Unidos. Com base no perfil dos artistas cadastrados, a instituição verificou que 243, de um total de 295, não sabem calcular preços de venda para exportação, o que significa 82,3%. A renda é baixa para a maioria: 194 artesãos (65,7%) apuram até R$ 2.400 por mês. Mais da metade (164) trabalha sozinha.

Segundo a presidente da Abexa e do Instituto Centro Cape, o site já está sendo reformulado para servir a uma atenção mais dirigida, com o acompanhamento mais próximo das vendas dos artesãos. “Quem exporta tem melhor performance e se preocupa com cada detalhe da produção e do produto”, afirma. O site conta com 800 acessos por dia, entre artesãos, compradores nacionais e internacionais e gente interessada no tema.

Profissionalismo

A indústria já experimentada nas vendas ao exterior comprova que o negócio gera ganhos e perspectiva de crescimento também no mercado brasileiro, de acordo com Lucas Bassalo Siqueira, analista de negócios internacionais da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg). “Quando as empresas se adequam ao mercado externo, mesmo que a venda não se concretize, tendem a melhorar seu produto e se profissionalizam. Isso dá um crescimento também no mercado interno”, afirma.

O cenário para as exportações mineiras e brasileiras ainda é incerto, a despeito da valorização do dólar, tendo em vista a perspectiva de baixa expansão da economia mundial, estimada em 3%, no ano que vem, e a recuperação lenta dos Estados Unidos. Na avaliação de Lucas Siqueira, a alta da moeda norte-americana frente ao real tem proporcionado um pouco mais de ganho àquelas empresas que têm contratos de médio e longo prazo. Ele acredita que efeitos significativos só serão observados em 2016. O valor das vendas externas do Brasil de janeiro a outubro, que alcançou US$ 156 bilhões, caiu 16% frente ao mesmo período do ano passado. A receita de Minas somou US$ 18,6 bilhões, redução de 28% em idêntica base de comparação.

VITRINE BRASILEIRA


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