Em Várzea da Palma, no Norte de Minas, cidade de pouco mais de 30 mil habitantes, o Sistema Único de Saúde (SUS) recebeu uma corrida de centenas de novos clientes. No período de um ano entre setembro de 2014 e o mesmo mês deste ano, 1,7 mil moradores do município deixaram de ser usuários de planos de saúde privados, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O universo de clientes encolheu 40% na comparação com a antiga carteira de 4,3 mil usuários atendidos pelas operadoras privadas em 2014. Como Várzea da Palma, diversas cidades de Minas Gerais estão sentindo na saúde pública os efeitos do desemprego e da recessão no orçamento das famílias.
Um dos efeitos do avanço da procura pelo SUS, somado à queda na arrecadação municipal, é o crescimento das filas de espera para procedimentos médicos como exames e cirurgias. “Com a crise que atingiu as indústrias de ferroligas (antes uma grande empregadora), perdemos quase 80% dos postos de trabalho, foi uma demissão em cadeia que começou nas fábricas mas acabou atingindo todos os setores da economia local”, explica o prefeito de Várzea da Palma, Eduardo Morais.
Em todo o país e de forma mais expressiva no Sudeste, 164,4 mil brasileiros cancelaram o convênio médico, nos últimos 12 meses. O movimento é explicado pelo freio da atividade econômica, que deve encolher 3,5% esse ano. Como os planos coletivos respondem por mais de 80% dos contratos do setor, as demissões levam à perda do plano de saúde, incluído como benefício trabalhista pela maior parte das médias e grandes empresas. A baixa no mercado de trabalho e o orçamento familiar mais apertado têm feito os usuários trocarem o serviço co-participativo do plano médico (sistema em que o beneficiário divide a conta, pagando parte do valor dos procedimentos) pela gratuidade do setor público.
Os planos médicos vinham registrando no país uma trajetória de crescimento associada ao bom desempenho do mercado de trabalho. A retração de 2015 reverte ciclo de uma década de alta. Em Várzea da Palma, os novos clientes ajudam a pressionar a conta da saúde. Segundo o prefeito Eduardo Morais, o maior peso é sentido na demanda por exames e medicamentos, que, segundo ele, cresceu mais de 50%. “Não conseguimos pagar laboratórios e farmácias, por isso, estamos negociando com esses fornecedores. As demissões em três grandes fábricas da região pioraram muito o cenário.” Segundo Morais, o sistema está deficitário em pelo menos R$ 500 mil ao mês.
A perda de arrecadação diante da retração da atividade econômica impõe desafios aos gestores dos serviços públicos. Apesar de o SUS ter sido criado para atender toda a população, perto de 25% dos brasileiros têm plano de saúde. Em cidades como Belo Horizonte, o percentual supera os 50%. Na capital, nos últimos 12 meses, 79 mil usuários deixaram de ter um convênio médico.
Em Ipatinga, no Vale do Aço, o secretário municipal de Saúde, Eduardo Penna, aponta que o movimento de usuários de planos de saúde tem sido percebido no sistema público de duas formas. “Existem aqueles que perderam o plano, mas também aqueles que têm o convênio, mas não estão fazendo uso, preferem o SUS para não pagar a coparticipação do plano.”
A demanda por medicamentos e exames na saúde pública de Ipatinga cresceu até 15% neste ano e, com a queda da arrecadação, a receita investida pelo município subiu da proporção de 22,9% para 25%. “Como não nos cabe fazer análise de quem tem plano ou não, estamos investindo em ferramentas de gestão como a classificação de risco, mas, ainda assim, existe um aumento da fila de espera”, observa o secretário.
BUSCANDO SAÍDAS Betim, na Grande BH, é considerada cidade-polo da saúde, já que atende a população de 91 municípios do entorno. O secretário municipal de saúde Rasível dos Reis, diz que a receita nominal proveniente da arrecadação do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) caiu R$ 84 milhões de janeiro a novembro. Embora não tenha mensurado o aumento da demanda, o secretário diz que é perceptível a pressão nas unidades de atendimento médico.
Um bom termômetro da nova realidade está nas duas maternidades de Betim. “Muitas grávidas relatam que fizeram o pré-natal pelo plano de saúde, mas agora vão ter o filho nas unidades do SUS.” O número de partos nas duas maternidades públicas cresceu aproximadamente 20% neste ano, passando de 500 para 600 procedimentos mensais. “Vivemos uma asfixia. Além da crise na economia, há uma redução de 20% na disponibilidade dos leitos privados para o SUS.”
Itabira, na Região Central de Minas, foi o segundo município mineiro com maior saldo negativo no emprego (diferença entre as contratações e demissões) em outubro, de acordo com os dados mais recentes do Ministério do Trabalho e Emprego. Na cidade, considerada polo regional, a cena se repete. O prefeito Damón Lázaro de Sena diz que é perceptível a migração de desempregados para o SUS em um movimento que vem ocorrendo ao longo do ano. A prefeitura vem equacionando o atendimento, apesar da crise, porque acatou a demanda reprimida e investiu na saúde, buscando também os financiamentos disponíveis por meio do estado e da União.
“Temos o ônus de ser uma cidade-polo de atendimento, mas agora estamos também tentando buscar o bônus”, reforçou. Na Prefeitura de Belo Horizonte, nenhum porta-voz foi encontrado para comentar o tema. A Secretaria Municipal de Saúde informou em nota que a demanda da saúde pública é estável na capital.
O POVO FALA
Você consegue arcar com as despesas do seu plano de saúde?
Adélia Martins Dias,
Prestadora de serviços gerais, 53 anos
“Não. Tinha um plano de saúde porque a empresa pagava para os trabalhadores. Agora, troquei de emprego e não tenho mais o plano. Uso o SUS, perto de casa, e estou satisfeita.”
Roseli de Araújo
Cuidadora de bebês,45 anos
“Não. Tive que cancelar o plano de saúde porque a mensalidade subiu muito. Passou de R$ 300 para mais de R$ 600. Além disso, estou desempregada. Neste ano, o mercado de trabalho caiu muito, não está havendo oferta de emprego e, por enquanto, estou usando a saúde pública.”
Raquel Gonçalves
Enfermeira, 32 anos
“Sim. Tenho um plano relativamente barato, que custa R$ 100, mas o convênio da minha mãe encareceu muito. No último ano, passou de R$ 420 para R$ 650. Os filhos tiveram que se unir para pagar a mensalidade, cada um contribui com uma parte do valor.”