Passado um ano marcado por decisões políticas que se sobrepuseram à tentativa de adotar uma política fiscal rigorosa, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, saiu derrotado na luta que trava pelo ajuste mais rigoroso das contas públicas. No começo da noite de ontem, a presidente Dilma Rousseff enviou ao Congresso proposta de redução da meta de superávit fiscal de 0,7% para 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto, a soma da produção de bens e serviços do país) em 2016. O texto enviado ao Legislativo ainda prevê a possibilidade de o Executivo não fazer economia para pagar os juros da dívida em caso de frustração de receitas ou para abater despesas com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Segundo Levy, a forma de manutenção do atual patamar da meta é a aprovação no Congresso das propostas apresentadas pelo governo federal, entre as quais está o retorno da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). As mudanças no texto encaminhado ontem serão apresentadas no plenário da Câmara dos Deputados pelo relator do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Ricardo Teobaldo (PTB-PE). O líder do governo na Comissão Mista do Orçamento (CMO), deputado Paulo Pimenta (PT-RS), comentou que a proposta é defendida pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, e pela presidente Dilma Rousseff.
Com essa nova meta, o governo federal tem o compromisso de economizar R$ 24 bilhões e, os R$ 6,6 bilhões restantes, serão de competência dos estados e dos municípios. “Com essa mudança vamos preservar os benefícios do Bolsa Família”, disse Pimenta. O governo enviou a proposta do Orçamento de 2016 prevendo com R$ 28,2 bilhões para o programa social. Posteriormente, reduziu a dotação para R$ 28,1 bilhões, mas o relator-geral da proposta orçamentária, deputado Ricardo Barros (PP-PR), decidiu cortar o benefício para R$ 18,1 bilhões. O novo texto enviado ontem pelo governo reduz o superavit primário de R$ 43,8 bilhões para R$ 30,58 bilhões, 0,5% do PIB.
A decisão do governo de reduzir a meta de superávit em 2016 abriu nova crise na Fazenda e parte da equipe do ministro Levy já ameaça deixar a pasta antes mesmo do próprio chefe. Em férias desde o último dia 14, o secretário-executivo do ministério, Tarcísio José Massote de Godoy, confidenciou a amigos a disposição de pedir demissão assim que voltar do recesso. Além dele, o secretário do Tesouro Nacional, Marcelo Barbosa Saintive, está disposto a entregar o cargo ao chefe da equipe econômica.
Entre os auxiliares mais próximos do ministro da Fazenda há a avaliação o governo não se empenha em defender o ajuste fiscal e as medidas necessárias para reequilibrar as contas públicas. Eles reclamam do fogo amigo dos parlamentares governistas, sobretudo do PT, e da falta de sintonia com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que sempre faz propostas contrárias e entra em rota de colisão com a Fazenda.
Pode zerar
Na prática, a meta de superávit primário encolhe e fica estabelecida uma banda de tolerância para o pagamento dos juros da dívida, que varia de 0% a 0,5% do PIB. Desse valor, R$ 6,6 bilhões são obrigação de estados e municípios. O texto prevê que a flutuação ocorrerá para o pagamento de restos a pagar processados de investimentos, ações de vigilância sanitária, combate a endemias e reforço do SUS, ações de combate à seca, segurança hídrica e mitigação dos efeitos, além da recuperação de áreas afetadas por desastres.
O desconforto de Levy com a mudança da meta foi transmitido pela presidente da Comissão Mista do Orçamento (CMO), Rose de Freitas (PMDB-ES). Após uma audiência na Fazenda, ela afirmou que o chefe da pasta não foi consultado sobre a mudança da meta. “Eu só fiz uma pergunta para ele: se ele tinha participado de alguma reunião sobre mudança de superávit. Ele disse que não tinha participado de nenhuma”, afirmou a senadora.
TRADUZINDO
Superávit
» Receita superior à despesa, resultante de aumento da arrecadação ou de redução dos gastos
» É usado para o pagamento dos juros da dívida do setor público
» Serve de medida, portanto, do risco de o governo dar o calote nos compromissos com os credores
» Aos olhos dos investidores, quer dizer que o governo está sendo responsável em sua gestão
» Desafia, de outro lado, porque quanto maior for significa que o setor público está deixando de fazer investimentos e estes podem ser importantes para o desenvolvimento econômico e social do país
Déficit
» Nas finanças públicas, representa despesas que vão além da arrecadação
» Significa que o governo não terá sobra nas contas depois de pagar as despesas, inclusive os juros da dívida
» Quando ocorre, é entendido como sinal de confiança menor dos investidores na economia e risco de o país perder o grau de investimento, tipo de selo de bom pagador dado pelas agências de classificação de risco a empresas e nações
INFLAÇÃO E JUROS O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, negou ontem que a crise econômica brasileira seja uma “crise importada”. Em reposta a senadores na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), ele disse que é preciso avaliar a evolução do quadro internacional, mas também as complexidades do Brasil. Tombini voltou a dizer que o BC tem que continuar o trabalho de redução de inflação e fazer com que a alta de preços convirja para meta. O objetivo do BC, segundo ele, é não deixar o país passar de uma inflação de 6,5% em 2016 e trazê-la para 4,5% em 2017. O presidente do BC repetiu que a política monetária não busca compensar a sucessão de choques de custos que fizeram a inflação de curto prazo subir, mas sim conter a propagação disso. Sobre os juros, afirmou que “a taxa está no patamar em que está para trazer a inflação, que está em 10%, para baixo.”