Brasília – As famílias brasileiras estão cortando um dobrado para manter as contas em dia. Com a inflação alta e o desemprego batendo à porta de muitos lares — 1,5 milhão de trabalhadores com carteira assinada foram demitidos nos últimos 12 meses —, um exército de brasileiros está engrossando a lista de inadimplentes. E nada está contribuindo mais para esse preocupante movimento de calote do que o aumento dos preços controlados pelo governo, mais precisamente, da gasolina e da energia elétrica, que, juntas, vão ter tirado R$ 121,4 bilhões da renda dos trabalhadores somente neste ano. Um tarifaço e tanto.
Pelos cálculos do Banco Central, o aumento médio do preço da gasolina em 2015 será de 17,6%. Como o combustível movimentou quase R$ 135 bilhões no ano passado, com a venda de mais de 44,3 bilhões de litros no ano passado, o reajuste total equivalerá a R$ 23,8 bilhões. No caso da conta de luz, com aumento médio de 52,3%, R$ 97,6 bilhões a mais sairão do bolso dos brasileiros. Dados da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) indicam que os consumidores gastaram R$ 186,7 bilhões no ano passado com energia.
O mais preocupante, destacam os especialistas, é que novos reajustes estão por vir, especialmente na eletricidade. Os aumentos contratados estão relacionados à decisão da presidente Dilma Rousseff de intervir, em 2012, nas tarifas de energia. A promessa da petista era de redução média de 20% na conta de luz. Para isso, baixou uma medida provisória, a 579, que acabou virando lei. O problema é que o país enfrentava, já naquele momento, uma escassez de chuvas. Os reservatórios caminhavam para os menores níveis da história.
Para garantir que as tarifas não subissem às vésperas da eleição presidencial e não pressionassem a inflação, Dilma obrigou o Tesouro Nacional a subsidiar os consumidores. Quando Joaquim Levy chegou ao Ministério da Fazenda mudou completamente a política. Em vez de o governo arcar com os custos extras da energia, transferiu a conta para os consumidores. O mesmo foi feito com os combustíveis. A Petrobras, que já havia acumulado mais de R$ 60 bilhões em prejuízos com o represamento dos preços, passou a ter maior liberdade para remarcar seus produtos. Passou a vigorar o que o ex-ministro da Fazenda chamou de “realismo tarifário”.
Não à toa, a venda de combustíveis registrou queda recorde de 7,1% em agosto, 8,5% em setembro e 11,4% em outubro, em relação a iguais meses de 2014, mostra a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entender de economistas ouvidos pelo Estado de Minas, a conta é simples: se os preços sobem e os rendimentos das famílias não acompanham, não há outra saída a não ser reduzir o consumo.
O presidente da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), Paulo Miranda Soares, é claro. “Em qualquer área do varejo, quando há oferta de produtos com preços mais baixos, a tendência é de se vender mais. Se os preços sobem, o faturamento diminui. Os recentes reajustes afastaram o consumidor dos postos de combustíveis”, explica. Soares destaca que, historicamente, as vendas de combustíveis estão atreladas ao movimento do Produto Interno Bruto (PIB, a soma da produção de bens e serviços do país).
DOSE DUPLA Gerente de regulação da Safira Energia, Fabio Cúberos alerta, que, no caso da energia elétrica, o rombo estimado com base nas projeções de reajustes do Banco Central é otimista. “O cálculo do BC é apenas uma média. Muitas distribuidoras promoveram reajustes bem maiores do que 52%, resultado não só da crise hidrológica, como diz o governo, mas também do represamento provocado pela mudança do marco regulatório do setor de energia”, explica.
Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, afirma que erros de gestão do governo têm parcela de 11% no tarifaço de energia. “Ao não fazer leilões e ou oferecer preços baixos, afastando comercializadores de energia dos pregões, o governo provocou a descontratação das concessionárias. Elas foram obrigadas a comprar eletricidade no mercado de curto prazo, o que resultou nos empréstimos bilionários que os consumidores vão pagar todos os meses na conta de luz por quatro anos”, diz.