A crise da economia, que marcou 2015, adiou sonhos de consumo de brasileiros, independentemente do poder de compra. A inflação elevada, a grande valorização do dólar frente ao real, incertezas políticas e o orçamento cada vez mais apertado jogaram baldes de água fria nos planos de muitas famílias. Como a esperança, no entanto, renasce no ano novo, 2016 será um período para resgatar os desejos que ficaram guardados na gaveta. A reportagem do Estado de Minas foi às ruas e ouviu os relatos de pessoas de diferentes idades e profissões determinadas a lutar pelo sonho adiado. Quitar o financiamento da casa própria, conseguir um emprego, trocar o carro ou bancar uma boa educação dos filhos são alguns desses ideais em meio às previsões para um cenário conturbado, de novo, nos próximos meses. Não será tarefa fácil vencer o desafio, pois o novo ano chega com velhos problemas. Economistas de várias linhas de pensamento e o próprio governo preveem queda da produção de bens e serviços do país, medida pelo Produto Interno Bruto (PIB), de 1,9% – taxa projetada pelo Ministério da Fazenda – e os analistas de bancos e corretoras apostam em retração de 3% do PIB. A inflação deve ficar na casa dos 10% e o desemprego pode continuar a sua trajetória ascendente. “Mesmo assim, temos que acreditar que vai ser diferente. Neste ano, preciso de um emprego e da minha casa própria. São sonhos inadiáveis”, garante a auxiliar de serviços gerais Marta Rossene da Silva. E ela não está sozinha nessa determinação. Pesquisa realizada pela Fundação Ipead, vinculada à UFMG, em novembo passado, indicou que 30% das famílias de Belo Horizonte pretendem comprar roupas e calçados; outras 9% desejam serviços relacionados ao turismo e 7,1% querem a casa própria (veja o quadro).
Educação de qualidade
O sonho de consumo do gerente de operações da Orquestra Filarmônica Jorge Correia, de 50 anos, é, neste ano, ter condições de manter as duas filhas, Joana, de 9 anos, e Rosa, de 2, na escola particular. “Em 2015, mesmo com os preços tão altos no ensino privado, conseguimos mantê-las e, em 2016, temos que continuar. Fizemos as contas e percebemos que será apertado, mas vamos tentar”, conta Jorge, que também pretende trocar de carro. “Veículo não é mais luxo hoje em dia; é necessidade. Em 2015, não conseguimos trocar justamente por causa da crise econômica, mas, agora, é algo que não podemos adiar”, conta
Sair do aluguel
Em 2015, a médica Aline Evangelista, de 30, tinha o plano de trocar o carro, sair do aluguel e fazer uma viagem à Europa. O proprietário do imóvel onde Aline mora sinalizou aumentar o valor do aluguel. “Com a crise, consegui negociar esse aumento. Por outro lado, as coisas estavam caras demais e não consegui sair do aluguel, nem trocar o carro, nem viajar para a Europa”, diz. Neste ano, Aline vai se mudar para Brasília, onde pretende, enfim, comprar sua casa própria.
Viajar ao exterior
O médico Hugo Drumond, de 30, fazia uma viagem internacional uma vez por ano. Em 2015, programou viajar pela Europa e Estados Unidos; porém, com a desvalorização do real frente ao euro e ao dólar, os planos ficaram para 2016. “Tudo ficou muito caro, então, tivemos que ir para o Peru, na América do Sul, onde também a moeda local está valendo mais que a nossa”, conta. Em 2016, ele quer conhecer a Ásia. Para isso, e prevendo novas variações cambiais de desvalorização do real, pretende fazer mais plantões médicos e economizar.
Carro novo
Em 2015, o aposentado Leonardo Peixoto de Souza, de 61, programou a troca do carro Prisma, da Chevrolet, modelo 2009, mas recuou da decisão. “Com a crise, tive medo. Fiquei com receio de gastar um dinheiro e depois precisar dele”, confessa. Os efeitos do desaquecimento da economia falaram mais alto. “Investir nossas economias também ficou difícil. A poupança não rendeu nada e havia ainda as incertezas políticas”, avalia. O mais prudente, segundo Leonardo, foi enfrentar a retração econômica economizando. E foi assim que ele guardou o suficiente para, neste novo ano, realizar o desejo. “Já tinha em mente que queria fazer essa troca e, então, guardei o que tinha. Agora, em janeiro, vou realizar esse sonho de consumo, apesar de ainda estar com receio da situação econômica do país”, revela.
Trabalho e casa
Durante 2015, a auxiliar de serviços Marta Rossene da Silva, de 40, há um ano desempregada, buscou trabalho com carteira assinada e também um apartamento pelo programa Minha casa, minha vida. Com a alta do desemprego no país e os cortes nos programas sociais do governo federal, fruto da crise econômica, Marta não teve sucesso. “Não estou conseguindo nem um nem outro”, reclama. Ela conta que, desempregada, sonha em ter a casa própria e diz que os bicos que faz para sobreviver estão cada vez mais escassos. “Por isso, em 2016, quero lutar pela minha casa própria e pela minha carteira de trabalho assinada. São coisas inadiáveis.”
Pagar dívida
Com um apartamento adquirido por meio de empréstimo por 20 anos, Doralice Maria Ramos, de 51, pensava em quitar a dívida, algo em torno de R$ 50 mil, ainda em 2015. “As coisas ficaram caras demais e esse meu sonho foi adiado”,comenta. Doralice não acredita que em 2016 será um ano mais leve, porém, como quer quitar o financiamento do imóvel, pretende cortar gastos, um deles com a escola da filha. “Ela está tentando uma vaga na universidade federal para o curso de direito. E, se passar, já que o ensino é gratuito, vou economizar e poder quitar ou pelo menos pagar metade do meu apartamento”, diz.