Brasília – Matheus Oliveira Tzemos nasceu em 2010. Os pais do menino, Carolina e Maurício, haviam traçado um futuro de muitas conquistas para ele. Os sonhos de ver o garoto se transformar em um profissional respeitado, com renda suficiente para dar uma boa vida à família que ele construirá, estavam embalados pelo longo período de avanços que o Brasil viveu desde o início dos anos 2000. Matheus, por sinal, nasceu no ano em que o país registrou a maior taxa de crescimento em duas décadas e meia, de exatos 7,6%.
Quando o menino completou um ano, em 2011, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Brasil, ou seja, toda a produção de bens e serviços dividida pela população, atingiu um recorde: US$ 12.551. Tudo levava a crer que o país caminharia célere para se tornar, em 20 anos, a quinta potência do planeta. Bastaram, porém, quatro anos para que os pais de Matheus se dessem conta de que a trajetória do garoto não seria tão fácil e cheia de oportunidades como o imaginado. O Brasil, num curto espaço de tempo, hipotecou o futuro do garoto e de milhões de brasileiros, como mostrará uma série de reportagens que o Estado de Minas publica a partir de hoje.
Em vez de continuar crescendo e enriquecendo, o país regrediu. O PIB per capita fechará 2016 em US$ 7.619, queda de 39,3% ante o pico de 2011. Na prática, Matheus e todos os brasileiros ficaram mais pobres. As projeções indicam que, somente em 2029, isto é, dentro de 18 anos, o Brasil retornará aos níveis de renda do primeiro ano de mandato da presidente Dilma Rousseff. Bem antes, em 2020, o PIB per capita brasileiro será superado pelo dos russos (US$ 12,2 mil), dos chineses (US$ 12,1 mil) e dos mexicanos (US$ 11,6 mil). “Ao optar por atalhos, o país comprometeu as futuras gerações”, diz o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper.
O Brasil apresenta hoje um quadro perverso para uma economia que precisa, desesperadamente, de crescimento econômico para distribuir renda e reduzir desigualdades sociais ainda gritantes: inflação alta, os maiores juros do mundo, desemprego e rombo nas contas públicas . “Os dados são alarmantes”, reconhece Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos. Para ela, os desarranjos econômicos são tão fortes, que mesmo programas bons e importantes, como o Bolsa Família, perdem a eficácia. “Com inflação alta, não há programa de transferência de renda que se sustente”, assegura.
“Infelizmente, não temos no Brasil políticas de médio e longo prazos. Tudo o que os governos fazem visa garantir votos para as próximas eleições”, sentencia o estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno. A miopia que leva ao imediatismo custa caro. Em 2014, o governo optou por acelerar os gastos para esconder os sintomas da doença. Marcos Lisboa ressalta que o governo quis injetar tanto ânimo à economia, por meio da proliferação de incentivos, que perdeu o controle dos programas. “Não se sabe o que é bom, quem são os beneficiados, nem o que funciona”, critica.
O resultado do descontrole está nas contas públicas. Apesar de o país arrecadar quase 36% do PIB em impostos — nível comparável ao de países com renda elevada e qualidade de vida impecável —, o Tesouro Nacional registrou dois anos seguidos de déficit. Apenas em 2015, o buraco foi de R$ 120 bilhões, o correspondente a 2% do PIB. “Isso é o que podemos definir como o resumo da ineficiência”, destaca Ruy Coutinho, presidente do Instituto Brasileiro dos Executivos de Finanças (Ibef). “Temos um Estado perdulário, inchado, que não serve a população a contento. União, estados e municípios estão simplesmente quebrados.”
Efeitos drásticos nas periferias
“É decepcionante ver que tudo o que planejamos para o nosso filho corre o risco de ficar nos sonhos”, afirma Carolina, mãe de Matheus, que está desempregada. “Sou da geração que nem sequer sabia o que era inflação e que acreditava que as oportunidades que meus pais não tiveram chegaram, enfim, para a minha geração”, complementa Maurício, o pai. Para eles, é dramático saber que o futuro ficou para depois.
Para Luciano Rostagno, do Banco Mizuho, é inaceitável que esse quadro se mantenha por muito mais tempo. “A sociedade precisa se libertar da cultura do assistencialismo, não pode mais acreditar que Estado bom é Estado gastador”, diz, não sem razão. No Chile, país vizinho, para se chegar a um posto de comando na administração federal os candidatos são obrigados a passar por um processo seletivo realizado por um conselho de especialistas, o Sistema de Alta Direção Pública, criado em 2003.
Isso vale, inclusive, para as empresas estatais. Tal processo diminuiu o poder de políticos de nomearem protegidos para a administração pública chilena. No Brasil, a farra continua. Há mais de 22 mil cargos comissionados, o triplo do observado nos Estados Unidos.
Não por acaso, pela primeira vez em mais de uma década, Rostagno aposta na volta do crescimento da pobreza no Brasil, país que já foi exemplo mundial de combate à miséria. Ele entende que a situação tende a ficar pior nas periferias das grandes cidades, estimulando o aumento da violência, que afeta, sobretudo, a população jovem masculina.