“E qual comerciante está conseguindo dormir nos dias de hoje? “, questiona o dono da empresa Mixcar, especializada em carros usados, Éder Eustáquio. Sofrendo com a queda de cerca de 80% nas vendas dos automotivos da sua loja, Éder é um dos muitos empresários que se frustra a cada venda não feita, com a redução no quadro de funcionários, com a loja vazia e os custos mais altos. O desencanto da categoria já ultrapassou o caixa, saiu por trás do balcão e virou, a cada dia, a nova companhia dos empresários.
E não houve um único caso. A retração econômica foi generalizada e atingiu todos os setores do comércio em Belo Horizonte em 2015. Os comerciantes não só deixaram de ganhar, mas registraram prejuízos, uma vez que tiveram que colocar em seus negócios o próprio dinheiro. “Para isso, a maioria pegou empréstimos em bancos e está endividada”, adianta o presidente do Sindicato do Comércio Lojista de Belo Horizonte (Sindlojas), Nadim Donato. O Sindlojas vai apresentar esta semana pesquisa feita no comércio da capital com todos os setores do comércio. “Não houve crescimento em nenhum deles”, antecipa Nadim, definindo os comerciantes atuais como sobreviventes. “Eles não têm como desfazer o negócio, não têm como vender, passar o ponto e carregar consigo famílias que dependem do seu trabalho”, justifica.
O Estado de Minas percorreu algumas lojas da cidade, onde, em anos anteriores, o comércio era pulsante, e ouviu alguns desses “sobreviventes”. Hoje, por trás das vitrines, há lojistas sem dormir, fazendo contas na ponta do lápis, e ouvindo o “fechar de portas” dos vizinhos ao lado. Apesar da preocupação com o bom atendimento como forma de segurar a clientela que não quer gastar e na tentativa de não mostrar a ela o quanto estão preocupados, a realidade escancara o desalento dos empresários.
“O ano de 2015 foi marcado por quedas nas vendas durante todos os meses e isso refletiu em um desânimo e uma falta de confiança no cenário político e econômico no país”, comenta a economista da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH) Ana Paula Bastos. Segundo ela, os micro e pequenos empresários, que estão sentindo mais a crise econômica, não estão vendo o capital entrar no caixa. “Sem lucros, muitos estão às voltas com a redução do seu quadro de funcionários e vendo a clientela perder o seu poder de compra. Somado a isso, eles não têm confiança no futuro, e estão travados”, afirma Bastos, que diz que o impacto psicológico que a retração tem causado na categoria é grande e preocupante.
No sábado retrasado, pela primeira vez na história do empresário Márcio Ernesto Soares e da sua mulher, Sirlei Maria, não houve vendas. “Trabalhamos normalmente, e não vendemos. Nunca passamos por uma experiência assim”, lamenta Márcio. Há 10 anos, ele e Sirlei estão na Savassi com a loja Mais Teen. Bem localizada, no coração da região, entre a Rua Alagoas e a Avenida Getúlio Vargas, eles cresceram o negócio há dois anos, mudando para uma loja com 50 metros quadrados. Mas veio 2015, eles não contrataram funcionários e se mantiverem no atendimento.“Com a baixa nas vendas, custo alto do aluguel, alta nas contas de energia, diminuímos nosso universo. E voltamos para o espaço de 25 metros quadrados”, conta Soares.
Assim, o casal passou a vender somente roupas femininas e, mesmo assim, o movimento não vai bem. “Em 2015, tivemos uma queda de 50% nas nossas vendas. E janeiro, ainda que seja um mês tradicionalmente ruim de vendas, está ainda pior”, comenta Soares, que diz não ter nem mais estoque de seus produtos. “Não pensamos em sair daqui”, garante, esperando dos órgãos públicos um maior investimento na região como forma de atrair a clientela. “Era preciso estacionamento para os clientes, estamos disputando com os shoppings”, diz.