Rio, 25 - A indexação, os problemas climáticos nas lavouras e o aumento de impostos para compensar a queda na arrecadação de Estados e municípios devem pressionar mais a inflação deste ano do que a alta do dólar e a derrocada das expectativas a reboque da decisão anunciada na quarta-feira, pelo Comitê de Política Monetária de manter a taxa básica de juros em 14,25% ao ano.
A avaliação de especialistas ouvidos pelo Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, é de que a deterioração em curso no mercado de trabalho e o cenário de recessão na economia podem frear uma contaminação maior dos preços via expectativas e câmbio.
"Acho que subir juros agora para conter a inflação não muda nada. A inflação de 2015 foi causada por uma correção de preços administrados e choque de alimentos provocado por problemas climáticos. Os bens duráveis, que sofrem impacto da desvalorização cambial, tiveram variação muito baixa, com pouco repasse da alta do dólar", opinou o economista Luiz Roberto Cunha, decano da PUC-Rio.
Cunha espera que a inflação arrefeça para 7% ou 8% em 2016, após o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ter encerrado 2015 aos 10,67%. Segundo ele, a persistência inflacionária virá de contratos indexados à inflação passada, como aluguel, plano de saúde e reajustes de mensalidades escolares, além de novos choques de alimentos prejudicados pelo excesso de chuvas e alta de impostos como IPI e ICMS.
"E se demorar muito para ser votada a volta da CPMF, pode ser que o governo tenha que apelar para um aumento da Cide sobre os combustíveis", alertou o economista da PUC.
O superintendente adjunto de Inflação do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), Salomão Quadros, também espera um IPCA menor em 2016, mas ainda muito impactado pela indexação. "A inflação do ano passado está se transmitindo para este ano com força maior do que se imaginava para um cenário de recessão. Em algum momento vai parar, mas não sabemos quando", avaliou Quadros.
O economista do Ibre/FGV acredita que ainda haja espaço para alguma contaminação de uma nova rodada de valorização do dólar em relação ao real, sobretudo nos preços de alimentos. Ele citou as altas nos produtos derivados de soja, trigo, milho e carnes em 2015, quando o real se desvalorizou quase 50% em relação à moeda americana. Agora, Quadros espera algum repasse para os bens duráveis, represados até então pela demanda reprimida.
"O mercado de trabalho está se deteriorando rapidamente, mas ainda tem ambiente para repasse, é preciso se deteriorar mais ainda. Houve uma piora na qualidade da ocupação, com corte de vagas formais, mas as pessoas estão conseguindo se realocar de forma mais precária (na informalidade). A perda líquida de vagas ainda é pequena. A renda diminui um pouco, mas o trabalhador ainda tem algum rendimento", justificou Quadros.
A economista-chefe da consultoria Rosenberg Associados, Thaís Zara, prevê que a taxa de desemprego alcance 12% no País no primeiro semestre. A expectativa da consultoria também é de que o freio na inflação venha do aumento na fila do desemprego, mas a indexação forte deve manter a resistência de preços nos próximos meses.
"É complicado, porque você vai ter o repasse da inflação passada, o impacto do aumento no salário mínimo. Mas em algum momento a gente espera que tenha essa contribuição (do desemprego) para a desaceleração da inflação", confirmou Thaís. A Rosenberg manteve a expectativa de alta de 8% no IPCA de 2016 e avanço de 5,5% na inflação de 2017.