Mais de uma década atrás, a Vasp deixava de voar. Com o fim das atividades, dezenas de aeronaves que por anos cortaram os céus brasileiros foram depositadas nos pátios dos principais aeroportos do país. Sem operar, as carcaças se transformaram em sucata até uma decisão conjunta para leiloá-las. Aos poucos, as primeiras das 27 unidades ganham cara nova, mas, desta vez, com finalidade muito diferente. Antigos Boeings são transformados em restaurantes, boate ou mesmo servem apenas como atrativo para visitantes.
Em investimento inusitado, centro comercial desenvolvido com contêineres marítimos terá boate dentro de um Boeing 737. A casa noturna no avião está prevista para ser entregue em 60 dias. Inaugurado em dezembro, o shopping localizado em Contagem já está em fase de expansão. A próxima etapa é o lançamento da boate dentro da aeronave, que, pelo projeto, inicialmente, seria um parque de diversões.
Além da área interna da aeronave, contêineres serão posicionados nas proximidades para compor um cenário que retrate um hangar. No espaço, haverá um lounge conectado à parte interna da boate, onde funcionará a pista de dança com piso retrô. Ainda será erguido um palco para shows sobre um contêiner. A boate, que se chamará Journey Club, terá capacidade para 300 pessoas. Além do Boeing, um helicóptero que serviu na Segunda Guerra Mundial também vai compôr o espaço kids.
A proposta inicial do empresário era transformar o espaço em um shopping de veículos novos, que deveria reunir diversas concessionárias de automóveis nacionais e importados em um mesmo espaço. O local teria até mesmo área para test drive. Mas a ideia foi modificada. O avião também teria outra finalidade. Seria um playground para crianças.
Com o leilão das 27 aeronaves – 26 Boeings e um Airbus –, classificadas como sucata depois de a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informar que não poderiam mais alçar voo, foi arrecadado R$ 1,9 milhão. O montante serve para o pagamento de credores da extinta companhia aérea.
ENTRE OS MAIORES Ao ver uma reportagem na televisão sobre o leilão, o empresário Thiago Oliveira pensou em comprar uma das aeronaves depositadas nos “cemitérios” nos quais foram transformados os pátios de oito aeroportos. Ele até foi ao leilão, mas não fechou negócio. Saiu de lá com o contato de um empresário proprietário de um DC-8 que estava em Viracopos, em Campinas (SP). Por valor mantido em segredo, ele fechou o negócio.
O avião, bem maior que os Boeings 737-200 da Vasp, será transformado em um restaurante na entrada de Poços de Caldas, no Sul de Minas. “Será o maior avião-restaurante do mundo”, garante Oliveira, que, inclusive, já protocolou o suposto recorde no Guinness Book. O livro vai conferir a veracidade da informação. Ele diz ter pesquisado sobre um empreendimento semelhante no Reino Unido, mas com um Boeing 737-200, e outro no Canadá, onde está instalado um McDonald’s. “Meu pai visitou um em Santa Catarina, mas lá só cabem 10 pessoas”, diz ele. O restaurante mineiro terá capacidade para 300 pessoas sentadas, sendo 90 dentro da aeronave e o restante em uma área externa.
“Era para ter inaugurado no ano passado, mas tive que mudar para uma área maior para caber tudo. Ainda este ano o espaço entra em funcionamento”, afirma Oliveira. O novo lote fica na entrada de Poços de Caldas, com área de 22 mil metros quadrados. O foco do negócio serão os turistas em visita ao Sul de Minas. Segundo ele, por fim de semana, entre 2 mil e 4 mil pessoas visitam a cidade, vindas de São Paulo e outros municípios próximos.
Em Nanuque, no Vale do Mucuri, o empresário Tadeu Milbratz orientou um funcionário a fazer lances para uma das aeronaves da Vasp. Com a grande concorrência, a opção restante foi uma unidade que se encontrava em Manaus (AM), distante 4,5 mil quilômetros da cidade mineira. Autorizado pelo patrão, o rapaz comprou a unidade por R$ 84 mil. Mal sabia ele que se iniciava ali um outro investimento para transportar a carcaça.
Até chegar ao destino, foram 10 meses entre o planejamento logístico, o desembaraçamento e o transporte de fato. Ao todo, foram 20 dias entre o percurso de barco até Belém e o rodoviário até Minas Gerais. O custo:
R$ 150 mil, quase duas vezes o valor do Boeing. Apesar de a distância ser muito maior, o gasto de Milbratz foi menor que o de Thiago Oliveira para transportar o DC-8 de Campinas para Poços de Caldas. O empresário contratou 11 carretas para transferir o cargueiro, ao custo de R$ 230 mil. A explicação está no tamanho: o DC-8 tem 45 metros de comprimento contra 30 metros do Boeing 737-200.
Apaixonado por aviação, Milbratz também é piloto. A aeronave deve servir de chamariz para visitantes de um centro comercial que ele pretende montar em uma fazenda de 1.200 hectares que fica às margens da rodovia que corta Nanuque. Um projetista foi contratado para elaborar a planta. A proposta é negociar lotes do terreno onde podem ser instalados um posto de gasolina, um restaurante e outros serviços apropriados para uma parada rodoviária. “É como se fosse um presente para a cidade”, afirma.
A única dúvida de Milbratz era sobre a manutenção ou não da pintura original com as cores da Vasp, mas, depois de consultar amigos, ele parece decidido a manter o logotipo. Para ele, poderá ser uma forma de manter viva a história da companhia.
Saiba mais
Altos e baixos da Vasp
Fundada em novembro de 1933, pelas mãos de 72 empresários, inicialmente a Viação Aérea São Paulo (Vasp) faria duas rotas ligando cidades do interior de São Paulo e outra com destino a Uberaba. Pouco tempo depois, no que seria a primeira crise financeira da empresa, o governo paulista adquiriu 91,6% das ações da companhia. Até a década de 1980, a estatal figurou entre as maiores empresas de transporte aéreo do país, mas, com o alto custo de operação, o governo paulista decidiu privatizá-la. Nas mãos do empresário Wágner Canhedo, a Vasp voltou a crescer, inclusive com rotas para o exterior. Mas a empresa não resistiu aos novos concorrentes que surgiram em meados dos anos 1990 e, em 2005, fez seu último voo em intervenção federal em razão de dívidas trabalhistas e fiscais. A falência da empresa foi decretada em julho de 2008. O leilão das aeronaves serviu para quitar parte de seus débitos.