Nem as longas filas da saúde pública, nem as altas mensalidades dos planos. As chamadas clínicas populares se expandem no vácuo deixado pelos dois sistemas de saúde, o público e o privado. Cobrando valores que começam em R$ 50 pela consulta médica e R$ 20 por exames, a exemplo do raio X, o negócio tem atraído novos investidores e se propaga por todas as regiões de Belo Horizonte. Com o espaço ocupado no caótico setor da saúde, elas já surgem até mesmo preparadas para prestar atendimento especializado em um só segmento, como a geriatria.
As consultas chegam a custar um terço do praticado, na média, pelo mercado, e para os exames, as diferenças são de pelo menos 20% a menor, dependendo da especialidade. Da região Centro-Sul ao Norte da capital, cresce a oferta dos serviços. Em áreas populosas da capital, como Venda Nova, mais de 10 clínicas abriram as portas no modelo popular. O público-alvo são clientes que perderam o plano de saúde, ou usuários do SUS que decidiram encurtar o caminho até o médico, pagando em dinheiro ou no cartão pelo atendimento particular.
Na última semana, com investimentos de R$ 2 milhões (contabilizando o imóvel), a Uniclínica Venda Nova abriu as portas na Rua das Gabirobas. São 700 metros quadrados de área construída, divididos entre recepção, 10 consultórios e espaço para exames. Um dos proprietários do empreendimento, o médico nutrólogo e clínico geral Octaviano Cruz, aponta que apesar da crise econômica o grupo espera o retorno da maior parte do investimento em dois anos.
As consultas na clínica custam entre R$ 70 e R$ 90. Os exames começam a partir de R$ 4, preço cobrado pelo hemograma, R$ 40 a mamografia e alcançam R$ 250, para uma endoscopia. “Não gostamos de dizer que nosso atendimento é só para as classes C e D, porque hoje, com o aumento do desemprego, percebemos que mesmo pessoas das classes B e A estão buscando alternativas mais baratas para cuidar da saúde”, diz Octaviano. Segundo ele, em uma região de grande concentração de residências, como Venda Nova, são mais de 1 milhão de possíveis usuários.
Desanimada, com dores que ela desconfiava serem provenientes de uma dengue, a vendedora Ludmila Jardim, de 31 anos, procurou a clínica popular atraída pelo preço. “Fui no SUS dois dias seguidos e esperei por 10 horas, mas não consegui atendimento. Decidi pagar R$ 70 para saber o que eu tenho e ver se melhoro”, afirmou. Ela conta que tem duas filhas e quando precisa de atendimento médico costuma levar as crianças em clínicas populares. Ludmila diz ter gostado do resultado.
Vanessa Andrade, de 25, era cliente de um convênio médico que fechou as portas no fim do ano passado. Desde então, ela vem usando o SUS. Na última semana, Vanessa, que é cuidadora de idosos, precisou fazer um ultrassom abdominal de urgência. Pelo SUS, precisaria esperar mais duas semanas. “Estava aflita demais e decidi fazer o ultrassom particular. Fiz uma pesquisa de preços e consegui o exame por R$ 80”, contou.
No Bairro Santo Agostinho, em Belo Horizonte, a +60 Saúde foi inaugurada por três médicos há um ano. A empresa, com espaços bem montados de atendimento, é focada na atenção integral ao idoso. Além da geriatria, inclui um cardápio de serviços contemplando praticamente todas as especialidades médicas de maior procura pela população. Não falta atendimento de fisioterapeutas, nutricionistas e fonoaudiólogos.
Os sócios Fernando Assunção, nefrologista, e Estevão Valle, geriatra, explicam que a ideia ganhou impulso depois que a clínica foi escolhida por uma instituição aceleradora de negócios sociais. O modelo recebeu aporte inicial de investimentos da ordem de R$ 150 mil. Ao todo, contando também os recursos próprios dos empreendedores do negócio, foram investidos cerca de R$ 800 mil.
Na +60 Saúde, as consultas com especialistas custam cerca de R$ 150. “Queremos trazer de volta para os pacientes o médico de referência, que tem uma demanda reprimida entre a população”, diz Fernando Assunção. A clínica também ocupa o espaço deixado pelo sistema de saúde. Jair Nunes, de 61, metalúrgico, é um dos pacientes que frequentam o local. “Prefiro pagar, o SUS demora muito. Como consulto a cada três meses, acho que vale a pena.Gosto do médico.” A aposentada Sonja de Oliveira, de 62, tem a mesma opinião. “O SUS é bom, mas demora. Aqui o preço é mais baixo.”
Há 15 anos no Centro da capital mineira, a clínica Prime Solidária cobra R$ 50 pela consulta com hora marcada e também faz exames. A diretora-geral, Rose Norberto, diz que a estrutura é sustentável, já que existe uma parceria com os médicos para a realização de trabalho social.
CUSTOS DILUÍDOS NAS EMPRESAS
Na defesa do consumidor, a coordenadora do Procon Municipal, Maria Lúcia Scarpeli, considera que a consulta médica de qualidade e bom custo representa uma opção a mais para a população. “É possível ter atendimento com preço mais baixo e de qualidade.” Na Associação Médica de Minas Gerais, Márcio Fortini, diretor de defesa do exercício profissional, explica que a cobrança é uma liberalidade do médico e reforça que todo atendimento deve ser feito dentro da ética médica, com qualidade e por profissionais capacitados. Segundo ele, a classificação de procedimentos médicos (CBHPM) traz como referência para consultas valores entre R$ 70 e R$ 100.
“Nosso objetivo é prestar atendimento classe A com preço D”, diz Octaviano Cruz , da Uniclínica. Segundo ele, o trabalho traz retorno aos médicos, já que os custos são diluídos pela estrutura da clínica e os valores populares são parecidos ou até melhores que a remuneração dos convênios.
Estevão Valle lembra que a população brasileira envelhece rapidamente e os cuidados preventivos serão mais demandados. Segundo ele, a meta da clínica, que atende também planos de saúde, com o pagamento feito por tratamento, e não por consulta, é abrir, a partir de 2017, unidades para idosos.
Enquanto isso...
… Atenção gratuita
Na Igreja Nossa Senhora do Carmo, na Região Sul de BH, o ambulatório médico funciona desde a década de 1950. Segundo o pároco Miguel Guzzo Coutinho, são feitas no local 18 mil consultas por ano, em diversas especialidades médicas: ortopedia, ginecologia, clínica geral, odontologia e dermatologia, entre outras. O serviços são prestados a pacientes de baixa renda, que devem comprovar essa condição. É cobrada uma taxa de R$ 20 e encaminhamentos para exames, por exemplo, são feitos ao SUS. “Pedimos comprovação de renda porque nossa demanda é muito grande, temos filas de espera. Como os médicos são ótimos, até mesmo pacientes que têm planos de saúde querem se consultar na paróquia”, afirma o padre. Ainda que contando com o trabalho voluntário dos profissionais da saúde na obra social da igreja, o ambulatório é deficitário, o que, entretanto, não impede que o atendimento continue firme, há mais de 60 anos, de segunda a sexta-feira, das 7h às 17h.