O que Lucas, Renata, André, Sérgio, Daniela e Warley têm em comum? Eles são empreendedores brasileiros que, em plena crise, estão fora da curva que aponta para queda nos investimentos do país. Ao contrário, no meio da tormenta, estampam coragem para ampliar o negócio e estão confiantes mesmo em tempos de pessimismo.
Enquanto a economia desliza na descida, a crise se aprofunda e as famílias cortam suas despesas, esses empreendedores estão correndo na direção contrária. Pequenos ou com o caixa reforçado, em meio à recessão, eles estão assumindo riscos, investindo no próprio negócio, criando novos produtos. E mais: sonham com a expansão de novas unidades e se preparam para o momento da virada. A certeza que têm é de que toda crise um dia chega ao fim.
A casa tombada na Avenida Afonso Pena com Rua Santa Rita Durão, construída no estilo modernista, abriga agora um espaço dedicado ao coworking, ou trabalho compartilhado. A Guaja é um ambiente de trabalho descolado, onde desde profissionais e empresas ligadas a inovação e economia criativa até a turma de áreas tradicionais, como os advogados e engenheiros, podem usar a casa, por hora, por dia ou por mês, para trabalhar, fazer uma reunião ou treinamento da empresa, expandir o relacionamento ou descontrair. À noite, o espaço se transforma em bar e hamburgueria.
O arquiteto Lucas Durães, 27 anos, é o dono da Casa Guaja, projeto arrojado inaugurado na semana passada no Bairro Funcionários. A unidade representa a expansão do negócio iniciado há três anos, na Rua Guajararas, no Centro, quando Lucas ainda cursava a faculdade, mas que ficou pequeno para atender uma demanda crescente.
Com olhar aguçado para as tendências e faro para perceber o futuro, ele e a sócia Renata Alamy, de 39 anos, dividiram com parceiros o investimento de R$ 800 mil e não têm dúvidas de que vão atender a uma demanda do mercado. A expectativa é rever o investimento inicial em dois anos. “A economia criativa segue contra a maré. É em momentos de crise e desemprego que a curiosidade é aguçada. Ela é uma mola para a inovação”, avalia Renata Alamy. O negócio funciona também como uma embaixada ou lugar de apoio para hóspedes e anfitriões do site internacional de hospedagens Airbnb.
Pesquisador das tendências e aberto às novidades, Lucas explica que a Guaja é um café coworking, modelo híbrido que funciona ao mesmo tempo como café e serviços, inspirado em experiências que já existem na Europa. “Aqui as pessoas não pagam pelo que consomem, mas pelo tempo de permanência.” Ele explica que os frequentadores podem ainda participar de cursos ou propor parcerias para a casa, em segmentos que variam da tecnologia à tradução.
A casa de 480 metros quadrados reúne, em dois andares, salas de reunião, de trabalho, café e área externa. Os sócios acreditam que o investimento vá repetir em dose ampliada o sucesso da primeira unidade, que funciona no Centro.
Perspicácia apurada A previsão era de desaceleração na economia quando, no ano passado, o empresário André Ferreira, de 53, divulgou os seus planos de expansão para a loja Ideale, especializada em acabamentos para construção civil, no Bairro de Lourdes. Ele chegou a ouvir comentários pejorativos: “‘Você está louco?’ Me perguntavam alguns”. Com planejamento bem estruturado e reserva feita em tempos de crescimento, André foi adiante, deixando a loja mais espaçosa e moderna.
Depois da obra pronta, inaugurada em dezembro do ano passado, ele passou a receber elogios. A ampliação do espaço contou com investimentos na ordem de R$ 700 mil e reflete a confiança de André no mercado interno do país. Segundo ele, o investimento trouxe renovação para o negócio, que funciona há 12 anos atendendo a demanda de arquitetos, engenheiros e decoradores, o principal público do negócio. “Investimos também na especialização e melhoria do atendimento.”
Ele conta que aproveitou o melhor momento. “Fizemos a obra em um período de menor movimentação de clientes, trazendo menos transtornos.” O empresário, que divide o ano em três quadrimestres, acredita que, no fim de 2016, terá crescido 12%. “Já assisti a muitas crises, muitos altos e baixos. O país hoje não permite mais recessões tão longas, percebo que essa crise já começa a dar sinais de enfraquecimento.”
A atitude deixou o negócio duplamente preparado, para avançar durante a crise, já que muitos concorrentes deixaram o mercado, e ainda pronto para o momento da retomada do crescimento econômico.
Ele explica que, durante a recessão, também deu um segundo viés ao seu negócio. Reduziu custos, passou a utilizar o seu depósito na Grande BH também como ponto de venda de materiais para pequenas obras e investiu na geração de energia solar, que lhe rende economia de R$ 36 mil ao ano.
Foco no futuro
A loja na Avenida Nossa Senhora do Carmo, na Savassi, onde antes funcionava uma concessionária da GM, foi ocupada agora por uma unidade da Petz, rede paulista especializada na venda de produtos para animais de estimação. No fim do ano passado, o grupo também inaugurou uma unidade no Center Minas, Região Nordeste de Belo Horizonte. A rede paulista investiu cerca de R$ 6 milhões nas duas lojas, de aproximadamente 1,3 mil metros quadrados. Quem conversa com o dono da rede, o empresário Sérgio Zimerman, corre o risco de esquecer por alguns segundos que a economia brasileira está em recessão. Ele explica que o plano de negócios da empresa prevê a abertura de outras 12 lojas pelo país – sim, em 2016 –, o que vai totalizar rede de 46 unidades.
Zimerman explica que, neste ano, a Petz deve alcançar faturamento de R$ 500 milhões, cifra que podia ser maior se a recessão não tivesse freado o ritmo. “Vinhamos crescendo entre 30% e 35% ao ano, mas, em 2015, avançamos 18% frente a 2014.” Segundo o executivo, a rede trabalha com a perspectiva de retomada do crescimento em 2018, no entanto, o foco é aproveitar as oportunidades. “Conseguimos alugar um excelente imóvel na Savassi, onde por muitos anos funcionou um mesmo negócio. Provavelmente teríamos mais dificuldade em conseguir um bom ponto se a economia estivesse crescendo.”
A estratégia da Petz, segundo Zimerman, se baseia na renda disponível das famílias (que, no momento, está comprometida), na humanização dos animais de estimação, variável que está em excelente fase, com animais dividindo a cama com os donos, e ainda na informação do consumidor, que está em pleno desenvolvimento. “Nossa proposta é oferecer variedade de itens e serviços. Estamos muito satisfeitos com a receptividade e o mercado de Belo Horizonte.” A crise não refez as projeções da rede, que até 2020 tem o ambicioso projeto de figurar entre as cinco maiores operações mundiais do ramo.
Da demissão ao negócio próprio
Casal investe o dinheiro da indenização trabalhista para abrir scoiteria e já pensa em expandir o empreendimento
Desde 2010, Warley dos Reis, de 30 anos, esperava o momento certo para abrir o próprio negócio. Ainda na faculdade ele traçou um plano estratégico e, até o fim de 2015, foram mais cinco anos estudando o mercado, fazendo cursos no Sebrae, pesquisando fornecedores. Quando em outubro sua mulher, Daniela Reis, foi demitida da indústria metalúrgica onde trabalhava como assistente administrativa, o casal decidiu colocar o sonho em prática. Em janeiro, inauguraram a biscoiteria Platina, no Bairro Calafate.
O coach financeiro Ricardo Melo, especialista em finanças comportamentais e em estudos estatísticos da cência da probabilidade pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), diz que é verdadeiro o antigo conceito de que a recessão pode trazer boas alternativas. “Estudos mundiais mostram que grandes patrimônios começam a ser construídos em momentos de crise econômica, onde os investidores detectam novas oportunidades.”
Como no caso de Warley e Daniela, a chance pode ser a abertura de uma empresa. Outros podem preferir a compra de um imóvel, um negócio on-line, o mercado de capitais. “Nesse momento, as notícias gerais da economia vão dizer que a hora não é propícia, os amigos vão criticar, mas a percepção e a coragem do investidor fazem a diferença na história de quem constrói riquezas”, alerta o especialista.
Um ponto importante dessa conta é o limite entre o aventureiro e o empreendedor. O aventureiro, explica Melo, é aquele que não se prepara para um negócio. Recebe um recurso e considera que pode se tornar um investidor de forma intuitiva. Já o empreendedor estuda o negócio e o mercado, busca informações, se prepara, traça seu plano de ação e seus objetivos. “Ao definir o seu empreendimento, o investidor ainda promove um eficaz gerenciamento de riscos”, reforça o especialista.
Empreendedor é o que Warley e Daniela estão se tornando. “Esperávamos rever nosso investimento em seis meses, mas acho que vamos conseguir em cinco”, diz Warley. O negócio, que teve como principal aporte a indenização trabalhista de Daniela, começou com R$ 15 mil. O casal já foi sondado por dois empresários interessados em se associar a eles na expansão da biscoiteria.
Para Warley, um dos diferenciais do ponto de vendas foi a aposta em biscoitos para várias tribos, sem lactose, sem glúten, integrais, sem açúcar. “Agora, estamos em busca de um fornecedor para biscoitos orgânicos.” Otimista, o casal conta que até agora a crise que cortou o emprego não chegou ao negócio. “Vi essa crise como oportunidade, pesquisamos o ponto e percebemos que não teríamos concorrentes”, lembra Warley.
Caso 2016 se confirme como mais um período de recessão, o Brasil terá o pior triênio de sua história, só experimentado no início da década de 80. Márcio Salvato, coordenador do curso de economia do Ibmec, explica que, assim como o boom de crescimento chega ao fim, a recessão também termina, uma espécie de alívio em meio à queda da atividade econômica. Ele aponta que, mesmo em uma recessão profunda, alguns segmentos podem oferecer oportunidades, e mesmo em setores afetados pela recessão podem surgir oportunidades pontuais, o que favorece investimentos.
Daniela Reis diz que sentiu ter sido dispensada do emprego, onde já trabalhava há quase quatro anos, mas ao mesmo tempo se sente satisfeita por estar à frente do próprio negócio. “Estamos pensando em abrir uma segunda loja, em Contagem.