Empreendedorismo, trabalho como autônomo, bicos. Contra o paradeiro do mercado de trabalho, o jeito é enfrentar a crise por conta própria.. Na linguagem popular, o recurso é se virar. Com a desaceleração consistente da atividade econômica milhares de brasileiros passaram a buscar a opção, em boa parte marcada pela informalidade, para equilibrar as despesas. Nos últimos três anos terminados em fevereiro último, a categoria dos trabalhadores por conta própria foi a única que avançou entre os grupos analisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Pesquisa Mensal do Emprego (PME).
No país, são 4,5 milhões atuando por conta própria, de um total de 22,555 milhões de pessoas que tinham trabalho em fevereiro. Enquanto vagas se fecham e contratações caem em todo o país, o conta própria garante à família alguma fonte de renda. Efeito da crise no mercado de trabalho, desde 2014 a atividade vem crescendo entre a população ocupada.
O mercado de trabalho encolheu 9,3% na Grande BH durante os últimos três anos e a ocupação se precarizou, afinal, o número de empregados com carteira assinada caiu 11,7%. As dificuldades cresceram também para os trabalhadores mais desprotegidos, aqueles sem registro formal. Esse grupo diminuiu 22,2% e o dos empregadores ficou 21,4% menor. “Certamente o avanço da atividade por conta própria está associado a uma dificuldade do mercado. O trabalhador está enfrentando um tempo maior de procura por emprego e a renda está caindo. O panorama se mostra mais grave que um simples ajuste”, avalia Antonio Braz de Oliveira e Silva, analista do IBGE em Minas.
HABILIDADE NA CRISE Segundo o especialista, a atividade por conta própria caracteriza-se pelo trabalho feito por aqueles que não são empregadores e nem empregados. Esse é o caso do biólogo Matheus Vespúcio, de 28 anos. Em dezembro do ano passado, ele decidiu empreender por conta própria. O mercado de consultorias ambientais em que atuava desacelerou e Matheus viu na onda da food bike, a comida de rua oferecida em charmosas bicicletas, uma fonte de renda. “A crise colaborou para que eu descobrisse uma habilidade que não sabia que tinha”, observa Matheus.
O biólogo montou a Tiki bike, que vende chupe-chupes e sucos naturais. Ele desenvolveu também a versão alcoólica do produto para venda em eventos. Desde dezembro, Matheus vem conseguindo equilíbrio financeiro do negócio, mas percebeu que neste início de ano tem precisado oferecer mais o produto, participando com maior frequência de espaços de eventos para fazer girar a mercadoria e manter a contabilidade em dia.
O biólogo empreendedor vende sucos naturais, a exemplo das bebidas feitas de mexerica, amora com laranja e morango com maracujá a R$ 5 e os chupe-chupes a R$ 3. Ele mesmo compra, higieniza e prepara as frutas, assim como as bebidas e gelados que depois são vendidos, também por ele, nas praças da cidade. Satisfeito com os resultados que tem alcançado com sua bike, Matheus é um bom exemplo do conta própria. No futuro, pensa em formalizar o negócio.
Entre 2010 e 2013, quando o mercado de trabalho estava aquecido, a atividade do conta própria cresceu menos. A taxa foi de 4,9% na Grande BH. No período, o mercado global de trabalho evoluiu 6,9% considerando-se o universo de ocupados àquela época. “O trabalhado com carteira assinada avançou 14,2%, o sem carteira caiu 16% e o de empregadores cresceu 17%”, aponta Braz e Silva, do IBGE.
Palavra de especialista
Miguel Foguel/pesquisador do Ipea
“O avanço do trabalho por conta própria é uma resposta ao atual momento da economia. As pessoas estão sendo desligadas de seus empregos, e não há crescimento das contratações. O conta própria é uma alternativa para auferir alguma renda. Ele pode ser um trabalho temporário ou evoluir para o empreendedorismo individual, por exemplo. Outra situação é aquela em que pessoas de uma mesma família, vendo o chefe do grupo perder o emprego ou a renda diminuir, buscam também alternativas e passam a desenvolver atividades para melhorar essa condição. Em um curto prazo, o movimento é positivo para a economia, já que as pessoas estão conseguindo ter alguma renda. A longo prazo, é preocupante. A ocupação que não está ligada a um trabalho inovador, por exemplo, mas requer baixa qualificação e pouco investimento na formação do trabalhador, pode criar a mais longo prazo um problema para o país, atuando como limitador do crescimento da produtividade.”
Demanda retraída exige mais esforçoAqueles que já estão tradicionalmente do segmento por conta própria também sentiram o aperto da economia e da redução do emprego e tiveram que se virar dentro do modelo. O músico Reinaldo Figueiredo, de 39 anos, atua em segmentos variados, mas a atividade principal desempenhada por ele sempre foi a de professor de guitarra, com o talento para ensinar crianças e adultos. Reinaldo se considera um bom termômetro da crise. Segundo ele, quando o orçamento aperta, as famílias tendem a cortar as aulas de música para manter outras despesas, como a escola particular.
A demanda de aulas era ativa de 2008 a 2013. A partir de 2014, contudo, o mercado piorou. Apesar da crise, Reinaldo é otimista e está se reinventando em várias áreas. Como professor ele se prepara para lançar aulas virtuais pela internet. Pretende vender conteúdo em vídeos e, também, dará aulas on-line. “Esse é um projeto antigo. Como a crise reduziu a demanda por aulas, consegui usar o tempo disponível para investir no projeto.”
Com a alma criativa característica do conta própria, Reinaldo atua, ainda, como fotógrafo. Outra face de empreendedor é a participação dele em programas de aventuras, até mesmo como integrante da equipe de um protagonista do Discovery channel. Para incrementar a renda, ele se cadastrou no site Rent a local friend, para atuar como uma espécie de guia turístico, ou como o próprio nome diz, um amigo alugado para o turista em BH.