Constrangido e com a voz embargada, C.M.R, de 51 anos, deseja boa-tarde ao motorista e trocador, e, dentro do ônibus, pede por socorro: “Preciso de um emprego. Para quem puder me ajudar, está aqui o meu currículo”, diz, ao entregar nas mãos de cada passageiro que lhe escuta a sua esperança. Há dois meses sem conseguir trabalho nem bico em Belo Horizonte, C.M.R esconde da sua mulher o que faz todos os dias, das 8h às 17h. “Para ela, estou com alguma ocupação. Mas ela nem imagina que estou na rua pedindo emprego”, diz. Sem nenhuma oportunidade em vista, ele volta para casa com uma caixa de leite ou uns trocados, doações que ganha por quem se solidariza com a situação. “É muito ruim, me sinto humilhado com tudo isso. Mas não estou vendo saída”, lamenta.
C.M.R trabalhou por 14 anos na empresa automotiva Fiat, em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Lá foi cozinheiro industrial. Em 2011, foi demitido. Depois conseguiu emprego em restaurantes da cidade, porém, com a crise econômica, C.M.R só encontra as portas fechadas. “A maioria dos restaurantes onde trabalhei fechou por falta de demanda. Está praticamente impossível encontrar uma ocupação”, reclama. O homem tem uma filha de 5 anos e engrossa o reflexo mais cruel da crise na economia: já são 9,6 milhões de desempregados no país.
Ciente de que o mercado não está favorável, ele levanta todos os dias e vai à Defensoria Pública imprimir currículos, e não gasta por isso. Procura uma vaga de cozinheiro em jornal e pelo caminho dispara seu histórico profissional por onde passa. Nele, C.M.R escreve, além das últimas experiências, ser um profissional com capacidade de comunicação, responsável e dedicado. “Quando aparece uma oportunidade, a empresa não quer contratar porque moro no Barreiro e são necessários dois ônibus de ida e dois de volta. Hoje (ontem) mesmo, fui ao Belvedere e perdi a vaga porque o contratante não quis pagar quatro passagens”, lamentou, destacando que o salário de um profissional como ele não passa de R$ 1,2 mil e que, com a situação, tende a diminuir.
Outro empecilho, segundo C.M.R é a idade. “As vagas que aparecem são para pessoas de 25 a 35 anos. Ninguém quer contratar alguém mais velho.” Outra dificuldade encontrada no mercado por C.M.R é a estratégia dos empregadores em ficar com o empregado por 89 dias. “O contrato de experiência é de 90 dias. Eles mandam embora antes para não efetivarem o profissional. Você chega em um restaurante e o dono já reclama que o movimento está fraco e que vai demitir”.
ESCONDIDO A história de C.M.R já chegou nas redes sociais, por meio de uma passageira de um ônibus. Ao receber seu currículo, a mulher publicou no Facebook o pedido de socorro do cozinheiro. Assustado quando informado pela reportagem que o seu histórico profissional estava na rede, C.M.R teve medo da sua mulher descobrir. O problema, segundo ele, é que ele esconde dela essa sua rotina de pedir emprego no transporte público da cidade. Por isso, não deixou ser fotografado e nem autorizou a divulgação do seu nome completo.
Ele conta que a mulher trabalha cuidando de crianças, mas ganha cerca de R$ 500. Para ela, o marido arranja um bico a cada dia. Por isso, chega em casa com leite e trocados. “Na verdade, sempre que estou pedindo a alguém um emprego, as pessoas se solidarizam e me dão dinheiro. Mas não quero viver assim, minha mulher vai ficar triste demais. Quero trabalhar”, implora. Ontem, durante a sua passagem por um ônibus na capital, o Estado de Minas acompanhou a abordagem do cozinheiro. “Conheço uma pessoa que teve restaurante em BH, mas fechou as portas. Talvez ela, por ser dá área, possa ajudá-lo. Por isso, peguei o currículo dele”, comentou a passageira e oficial de Justiça, Simone Amélia, revelando não ser a primeira pessoa a quem vai ajudar a achar um emprego este ano.
Enquanto isso...
..cresce o medo do desemprego
Pesquisa divulgada ontem, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que o índice que mede o receio de perder o emprego subiu 4,1% em março, na comparação com dezembro do ano passado, e 7,8% ante março de 2015. Este é o pior dado registrado na série histórica desde julho de 1999. A CNI usa o resultado médio da pesquisa feita em 2003 para estabelecer uma base fixa de 100 pontos. Seguindo esse parâmetro, a média histórica do medo do desemprego é de 88,7 pontos, mas a deterioração do mercado de trabalho no país levou o resultado da pesquisa a 106,5 no mês passado. Foram ouvidas 2.002 pessoas em 142 municípios entre os dias 17 e 20 de março.