A oferta de pacotes de internet fixa com franquia de dados poderá encarecer o serviço e limitar o acesso dos usuários no país. Segundo o especialista em propriedade intelectual e direito digital Maurício Brum Esteves, as operadoras querem impor limites de navegação porque precisam reduzir o uso da internet no Brasil.
“Elas constataram que as pessoas têm utilizado mais a internet, que está ficando sobrecarregada. Ao impor o limite de dados, elas querem literalmente tirar algumas pessoas da internet, que são aquelas pessoas que não vão conseguir pagar.”
Para Esteves, a necessidade de estabelecer limites de navegação para os usuários é resultado da falta de investimentos no setor. “Na medida em que não se investe e as pessoas demandam mais, é natural que a banda fique sobrecarregada e é natural que se precise impor um controle”.
Esteves avalia que a limitação de dados não seria problema se o consumidor tivesse a opção de contratar uma quantidade grande de dados por um valor razoável. Mas, na opinião do especialista, a franquia oferecida pelas operadoras será “irrisória e caríssima”. “O problema é que a limitação de dados vai acabar sendo cara e vai ser uma forma de limitar os consumidores”, acrescentou.
O professor Marco Aurélio Campos Paiva, que dá aulas de telecomunicações e redes no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, considera que a adoção de franquias para a internet fixa é um retrocesso, principalmente porque vai estabelecer uma limitação digital para os usuários. “Caso seja adotado pelas empresas, será um grande prejuízo não só pela questão financeira para o usuário, como na própria tecnologia, porque vamos ficar limitados digitalmente”, avaliou.
Outra consequência, segundo Paiva, será a limitação de acesso de estudantes a cursos de ensino a distância, que dependem da internet. “Para o aluno pode ser um fator limitante, ele precisa fazer as aulas online, precisa fazer download de arquivos, exercícios. Vai aumentar o seu consumo, e dependendo da banda que ele tenha, o pacote será gasto muito rapidamente”, destacou.
Para o professor, as empresas pretendem adotar a franquia de dados por causa da falta de infraestrutura de telecomunicações adequada no Brasil. “Nossa estrutura de telecomunicações ainda é muito limitada, as operadoras investiram pouco. Se tivéssemos toda uma infraestrutura de telecomunicações melhor, ou seja, fibra óptica cortando o país de Norte a Sul, Leste a Oeste, não teríamos essa limitação”, analisou.
Já o presidente da consultoria Teleco, Eduardo Tude, diz que a oferta de pacotes de internet com franquia vai possibilitar que o consumidor faça uma adequação da quantidade de dados contratada com o seu consumo. “Há quem consome muito, outros que consomem pouco. Então, está na hora de ter essa tarifação por pacotes, como vemos em vários países.”
Tude avalia que o crescimento do consumo de internet no Brasil é um dos fatores para que as operadoras adotem um novo modelo de vendas. “A banda larga fixa está virando o serviço principal das empresas e o consumo de dados está crescendo muito, com um aumento de quase 50% por ano. Então, não dá para manter o preço com esse aumento”, disse. O consultor lembra que quando o governo lançou o Plano Nacional de Banda Larga, em 2010, foi possível oferecer pacotes a preços populares porque havia uma cota de dados associada ao plano.
Em nota, a operadora Vivo, que pretende começar a oferecer pacotes com franquia, explicou que o volume de tráfego da rede cresce exponencialmente no Brasil e no mundo. “Cada byte que circula na rede consome capacidade e tem custo que compõe o valor das mensalidades dos planos praticados ao cliente, hoje aplicados de forma igual para todos, seja qual for o volume de dados consumido por mês”. A empresa nega que pretenda implantar o modelo de franquia para restringir o acesso a serviços de streaming ou de qualquer outro tipo.
Consumidores
Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), as operadoras não apresentaram justificativas técnicas para inclusões ou reduções de franquias de dados nos novos planos. “Ao adotarem essas medidas, as operadoras elevam seus preços sem justa causa, detém vantagem excessiva nos contratos, limitam a competição e geram aumento arbitrário de lucro”, disse o pesquisador em telecomunicações do instituto, Rafael Zanatta.
A entidade ingressou com uma ação civil pública contra as operadoras Claro, Net, Oi e Telefônica. O objetivo é impedir a suspensão do serviço de internet, que, segundo o Idec, é uma importante ferramenta de acesso à informação, reconhecido como direito fundamental e essencial para o exercício da democracia e da cidadania, “não devendo, portanto, prevalecer as alterações desejadas pelas operadoras”.
Para a Proteste Associação de Consumidores, mesmo que as empresas ofereçam aos consumidores ferramentas para medir o consumo e saber quando a franquia está acabando, como determinou a Anatel, isso não é suficiente. “A questão não é o direito de ser avisado sobre a proximidade do esgotamento da franquia, o problema é adotar a franquia, que a Proteste julga indevida porque viola leis existentes”, disse a coordenadora institucional da Proteste, Maria Inês Dolci.
A Proteste também entrou com uma ação judicial para impedir as operadoras de limitarem o acesso à internet por meio de franquia, tanto em celular, tablets e outros dispositivos móveis quanto em conexões fixas e lançou uma petição online contra o limite de uso de dados de internet dos serviços de banda larga fixa, que já tem mais de 150 mil assinaturas.
Uma petição online no site da Avaaz contra o limite na franquia de dados da banda larga fixa já alcançou 1,6 milhão de assinaturas e a página do Movimento Internet Sem Limites já tem mais de 460 mil seguidores em sua página do Facebook.