A decisão do juiz da Vara Criminal de Lagarto (SE), Marcel Maia Montalvão, determinando o bloqueio por 72 horas do WhatsApp, desagradou os consumidores em Belo Horizonte. O bloqueio representa prejuízo para quem usa o aplicativo para fechar negócios. É o caso do motofretista José Eduardo de Freitas, de 41 anos, e da empresária Tatiana Barreto Milagres, de 42. “Tenho o número do WhatsApp no site da minha empresa. Várias pessoas me adicionam para fechar negócio. É um prejuízo financeiro grande”, afirma Tatiana, que é proprietária da Coffee Break BH. Ela estima prejuízo de R$ 3mil se ficar três dias sem usar o aplicativo.
José Eduardo calcula que o prejuízo pode chegar a R$ 2 mil. “Trabalho com encomendas para bancos e cartórios. Também faço entrega de produtos cosméticos. O WhatsApp é uma ferramenta importantíssima para mim. Sem ele deixo de pegar vários serviços”, diz o motofretista. Na tarde de ontem, ele pôde parar para descansar, pois o número de pedidos caiu. “O cliente passa para outro motofrentista, que esteja mais perto”, diz. Sem o WhatsApp a alternativa foi ligar para os clientes para saber se precisavam de algo, o que tem custo maior.
O bloqueio do aplicativo foi considerado excessivo por muitos consumidores. “A decisão da Justiça é arbitrária. Há outras alternativas para conseguir a informação”, afirmou Lisâneas Álves Deslandes, de 43. Ele soube que ficaria sem o serviço horas antes, quando recebeu mensagem pelo próprio aplicativo informando da decisão da Justiça. “Baixei o aplicativo tem pouco tempo, cerca de oito meses. Estava fora da praça e não sabia. É muito bom. A comunicação é mais rápida e é gratuito”, pontuou ele, que trabalha como corretor de seguros. Bacharel em direito, no momento, estuda para concursos públicos. “É um ótimo meio de comunicação. Tão bom que tive que sair de alguns grupos para conseguir estudar”, relata.
MUDANÇAS As amigas Larissa Rodrigues, de 18, e Larissa Milagres, de 19, também lamentaram a decisão da Justiça de Sergipe. “Essa decisão prejudica todo mundo”, afirmou Larissa Milagres. Da outra vez que o WhatsApp foi bloqueado, em dezembro do ano passado, ela baixou o Telegram para que pudesse se comunicar com amigos e familiares. “Usava o WhatsApp até para estudar. Quando faltava à aula, pedia a um colega que fotografasse o conteúdo e enviasse pelo aplicativo”, diz Larissa Rodrigues. As duas torcem para que a liminar seja derrubada antes das 72 horas, como ocorreu da primeira vez que o aplicativo foi suspenso no Brasil. “Da outra vez, o bloqueio não chegou a um dia”, afirmou.
O Tribunal de Justiça de Sergipe informou que o juiz atendeu a uma medida cautelar ingressada pela Polícia Federal, com parecer favorável do Ministério Público. O juiz alegou que o Facebook Brasil, que é dono do WhatsApp, não atendeu a determinação judicial de quebra do sigilo das mensagens do aplicativo para fins de investigação sobre crime organizado de tráfico de drogas, na cidade de Lagarto.
ENTENDA O CASO O WhatsApp está suspenso no país até as 14h de quinta-feira caso não haja alguma decisão judicial contrária a esse bloqueio. Ele foi determinado pelo juiz Marcel Maia Montalvão, da Justiça de Lagarto, cidade do interior de Sergipe, por 72 horas, contadas a partir das 14h de ontem, em todo o território nacional. O juiz é o mesmo que há dois meses mandou prender o vice-presidente na América Latina do Facebook, proprietário do aplicativo, Diego Jorge Dzordan, por não informar dados de conversas no WhatsApp para uma investigação sobre a atuação de uma quadrilha interestadual de tráfico de drogas.
Por meio de nota, o WhatsApp alega que as mensagens não são arquivadas e que por isso não teria como atender à determinação judicial. “Esta decisão pune mais de 100 milhões de brasileiros que dependem do nosso serviço para se comunicar, administrar os seus negócios e muito mais, para nos forçar a entregar informações que afirmamos repetidamente que nós não temos”, afirmou o aplicativo.Já o Tribunal de Justiça e Sergipe (TJSE) alega, por meio de uma nota, que a suspensão está baseada em artigos da Lei do Marco Civil da Internet, o que é contestado por entidades de defesa do direito do consumidor e por especialistas na legislação que rege a web. A decisão gerou revolta entre os usuários e a página do TJSE chegou a ser retirada do ar por hackers em represália ao bloqueio.
GARANTIAS DO CONSUMIDOR Para a Proteste, associação de defesa dos direitos dos consumidores, a decisão fere duas garantias que são pilares do Marco Civil, a neutralidade da rede e a inimputabilidade, ou seja, os provedores de conexão não podem responder por atos pelos ilícitos praticados por terceiros. “Independentemente do motivo, é ilegal e pune os usuários sob todos os aspectos”, avalia Maria Inês Dolci, coordenadora da Proteste.
Segundo ela, esse entendimento faz parte do Marco Civil e estabelece que devem ser considerados a natureza e a gravidade da infração ao determinar uma sanção. Para ela, o Facebook, que tem escritório e representantes no Brasil, poderia ser responsabilizado diretamente pelo descumprimento da ordem judicial com pagamento de multas diárias e outras sanções, mas sem a penalização do consumidor.
O advogado e especialista em direito digital, Alexandre Atheniense, alega que esse bloqueio está previsto no Marco Civil e que o juiz não deve ter se convencido de que o WhatsApp realmente não tem como fornecer essas informações. Segundo ele, essa é mais uma queda de braço entre o Facebook e a Justiça Brasileira. Também especialista em direito digital, o advogado Rafael Maciel, disse que o Marco Civil não determina o arquivamento das conversas e sim o registro das conexões, o que torna impossível que a empresa cumpra a determinação.