Brasília – O cartão de crédito pode ser um aliado no consumo, desde que utilizado de maneira consciente. Na atual crise econômica, o uso da ferramenta deve ser ainda mais comedido para evitar o endividamento — principalmente em relação ao uso da função saque, avaliam especialistas. Nessa modalidade, é cobrada uma tarifa por saque, além de taxas de juros. Alguns bancos equiparam esses encargos aos do crédito rotativo, mas há casos em que os valores são ainda maiores, chegando a superar os 1.000% ao ano.
É o caso de alguns cartões do Santander. O Custo Efetivo Total (CET) no rotativo era de 628,02% ao ano até dezembro do ano passado em três cartões de crédito oferecidos pela instituição. Já na função saque, os encargos eram de 1.021,94%, os maiores do mercado, segundo estudo realizado pela Proteste Associação de Consumidores. Os juros cobrados por outros bancos, no entanto, também são exorbitantes.
As taxas cobradas pela Caixa variavam de 280,78% a 784,87% ao ano. Nos saques na função crédito os encargos cobrados pelo Banco do Brasil eram os mesmos do rotativo, que vão de 154,63% a 627,28%. No Banco de Brasília (BRB), a incidência era de 62,89% a 464,20%. Os juros do Bradesco chegavam a 712,30%.
Embora a Proteste ainda não tenha atualizado a pesquisa, a técnica da entidade Renata Pedro não descarta que esses encargos tenham aumentado, uma vez que são alinhados com os juros do rotativo. “As tarifas variam de acordo com o relacionamento entre cliente e instituição financeira. É possível que, para determinado consumidor, o valor seja menor. Mas pode ser que, na média, tenha subido”, pondera.
O diretor-executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), Miguel Ribeiro de Oliveira, sustenta que a alta nas operações de saque já é uma realidade, uma vez que os juros do rotativo atingem há meses consecutivos os maiores patamares históricos. E têm espaço para aumentar ainda mais. “Juros altos são estímulo para a inadimplência. Em um ambiente maior de risco, os bancos elevam os encargos. A tendência é de um cenário de taxas recordes”, ressalta.
Com o país se encaminhando para uma das maiores recessões da história – que pode, para alguns analistas, superar o encolhimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 4,3% registrado em 1990 –, o desemprego continuará subindo a níveis nunca antes observados, gerando queda nos rendimentos das famílias e piorando as condições para o pagamento de dívidas.
Não usar
Entre os especialistas, a melhor das recomendações em relação ao saque no cartão de crédito é uma só: evitar a modalidade. Para Ione Amorim, economista e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), realizar a operação só é compreensível em situação de extremo desespero financeiro ou total desconhecimento sobre os encargos cobrados na função. “A segunda hipótese é bem mais provável de ocorrer no Brasil. A bancarização nos últimos anos aconteceu fortemente com a expansão do uso dos cartões de crédito favorecidos pelos programas sociais”, ressalta.
Para Oliveira, da Anefac, não há dúvidas de que consumidores estão sacando com a ferramenta de plástico em função do desaquecimento econômico. “Há, sim, um pouco de desconhecimento. Mas é inegável que, na atual conjuntura, as pessoas estão fazendo o possível para pagar as contas”, destaca. Sobretudo pelo impacto provocado na retirada de valores, Ione acredita que os consumidores de baixa renda sejam as principais vítimas das operações. Ela calcula que um saque de R$ 100 no cartão de crédito gera um saldo adicional médio de 26% com encargos e tarifas. Assim, seria cobrado na fatura pelo valor retirado uma quantia de R$ 126,15.
A operação é menos indicada até mesmo em relação a outras modalidades de crédito. Já as taxas cobradas no saque acontecem no ato. A cada retirada, incidem encargos de financiamento calculados e cobrados do dia da retirada do valor até a data do vencimento da fatura – período que pode chegar a 40 dias –, mais Imposto sobre Operações de Crédito (IOF) e cobrança de tarifa por saque feito. No rotativo, os juros só incidem quando o consumidor paga o mínimo, parcela, ou simplesmente não paga a fatura. No cheque especial, os encargos incidem somente pelo número de dias em que a conta-corrente fica descoberta. Com uma taxa média de juros de 126,1% ao ano, o crédito pessoal é uma opção melhor para quem deseja saldar uma dívida, independentemente do valor.