Não será fácil. O presidente em exercício Michel Temer tentará apresentar em prazo recorde uma proposta para fixar a idade mínima para a aposentadoria, atingindo trabalhadores que estão na ativa. A regra já foi instituída em boa parte do mundo para fazer frente a longevidade e parece irreversível, mas preocupa porque pode afetar principalmente aqueles contribuintes que começaram a trabalhar muito cedo. Em média o brasileiro se aposenta aos 54 anos de idade e uma regra que estendesse a aposentadoria para os 60 anos até os 65 anos, faria o tempo de trabalho crescer perto de 10 anos.
Além do debate se acirrar sobre uma regra de transição que preserve aqueles que começaram a trabalhar muito cedo, antes mesmo de completarem 18 anos, e que agora vão enfrentar a mudança das regras do contrato, a idade mínima também vai desafiar o brasileiro a ficar mais tempo ligado ao mercado de trabalho formal, contribuindo para a Previdência Social, o que para muitos não é uma tarefa fácil.
“A sociedade contemporânea, atualmente, vive o fenômeno da fragilização da segunda metade da carreira. Esse problema somado a idade mínima coloca em risco a aposentadoria dos idosos do futuro, de quem tem hoje 20, 30, 40 anos. Uma reforma da Previdência deveria considerar as metamorfoses do mercado de trabalho”, diz Jorge Felix, especialista em economia da longevidade e pesquisador do tema na PUC-São Paulo.
Felix aponta que o mercado de trabalho é uma variável vital no estudo das mudanças previdenciárias. “As empresas demitem cada vez mais funcionários com 45, e 50 anos que acabam se tornando empreendedores, consultores, trabalhadores precarizados de várias formas. A primeira providência que tomam, os de mais baixa renda, é interromper a contribuição à previdência.
“O resultado disso, com base em outros países pesquisados pelo especialista, é que o trabalhador, aos 60 anos, fica sem alcançar a elegibilidade para a aposentadoria, perdendo o direito e sobrecarregando a Assistência Social.” Dentre as discussões para reformar o sistema travadas em Brasília, uma estratégia seria compensar quem começou a trabalhar cedo. “Sem isso criaremos mais desigualdade social por meio do sistema previdenciário”, alerta o especialista
Wilton Cantão completou 57 anos este ano e se aposentou no mês passado. Ele começou a trabalhar antes da maioridade mas de contribuição à Previdência foram cerca de 30 anos. Wilton se sente aliviado por ter escapado de uma possível mudança das regras e ter conseguido se aposentar como motorista de ônibus e caminhões. “O mercado de trabalho não é fácil para quem tem mais de 45 anos, as empresas preferem os mais jovens. É difícil conseguir um emprego de carteira assinada quando se está mais velho.” Wilton recebe cerca de R$ 1,3 mil de aposentadoria, mas considera que o benefício não é suficiente. Seu plano é continuar a trabalhar por conta própria na zona rural, cultivando hortaliças.
NO MERCADO Dados do IBGE mostram que um a cada quatro brasileiros que se aposentam continuam a trabalhar para complementar a renda. Cerca de 20 milhões de beneficiários recebem um salário mínimo da Previdência Social. Segundo especialistas, como os benefícios no Brasil são muito baixos, a aposentadoria tornou-se uma complementação de renda.
Especialista em mercado de trabalho, o professor do Ibmec, João Bonomo, diz que historicamente as oportunidades para os idosos são restritas. Ele acredita que a reforma da Previdência é inevitável e que o mercado de trabalho se transforma a uma velocidade que nem todos conseguem acompanhar, o que deve acirrar as condições dos mais velhos, exigindo mais empenho. “Muitos idosos escolhem empreender porque esse é também uma alternativa mais viável que a do emprego formal.”
Aos 48 anos, a professora da educação especial, Rosa Seppe, está próxima de se aposentar, já que completou 28 anos de contribuição. Ela considera injusta uma regra que estenda a idade de trabalho para quem está prestes a se aposentar e também chama atenção para os desafios do mercado de trabalho. “Alguns setores absorvem a mão de obra dos mais experientes mas não são todos, a maioria prefere os mais jovens. O mercado de trabalho brasileiro cobra muito e oferece pouco, é a qualidade total sem condições correspondentes de trabalho”, criticou.
EXPERIÊNCIA Algumas variáveis impactam o trabalho dos mais velhos. Hegel Botinha, diretor da Selpe, consultoria em Recursos Humanos considera a idade mínima como um caminho sem volta: “países que já envelheceram como o Japão, gastam proporcionalmente o mesmo que o Brasil com o pagamento de aposentadorias.” Segundo ele, o idoso com qualificação e experiência são valorizados no mercado, no entanto, em épocas de crise econômica podem ser trocados por trabalhadores com salários menores.
O presidente do Sindicato dos Empregados no Comércio de Belo Horizonte e Região Metropolitana (SIC) José Cloves Rodrigues diz que o perfil do trabalho no comércio, grande empregador, tem se modificado, tornando o setor mais difícil aos mais velhos. “Aquele funcionário de carreira, que se aposentava no comércio está cada vez mais raro.” Segundo ele, a preferência é para a s faixas etárias mais novas de 25 anos a 40 anos. “Vemos com preocupação a idade mínima, porque atualmente o trabalhador já tem dificuldade s de atingir o atual patamar.”
Para Jorge Felix, a idade mínima pode não resolver a questão fiscal, mas tornar o sistema público pouco atraente. “O que beneficiaria os grandes bancos que ganham muito com a previdência privada, sistema que está em crise no mundo, sobretudo nos Estados Unidos.”
Iara Guimarães, agente de negócio, 33 anos, começou a trabalhar aos 14 anos e não se incomoda em estender sua estimativa de aposentadoria desde que o mercado de trabalho responda com a oferta de vagas. “Acho que o país precisa de trabalho, poderia funcionar em vários turnos e gerar emprego.”