A crise de expectativas que atingiu a economia não abalou a confiança dos casais no romance, mas os namorados estão mais precavidos em 2016 e colocaram limites às comemorações; muitos desistiram de presentear. Desta vez, os itens caros, como joias e viagens, foram trocados por jantares a preços mais modestos, passeios econômicos, e presentes sem tanto apelo, que, na média, não ultrapassam R$ 100.
Daniella dos Reis, contadora, e o bancário Paulo Henrique de Souza gostam de comemorar a dia dos namorados com romântico jantar japonês, ao custo de R$ 300, hábito mantida há cinco anos. Hoje, porém, eles vão quebrar a tradição e programaram um roteiro mais modesto para confirmar a data no calendário, mesmo em época de retração econômica. O menu japonês foi trocado por uma festa organizada pela igreja frequentada por Daniella e Paulo Henrique.
“Compramos com antecedência os ingressos para o jantar da igreja em homenagem aos namorados. A festa vai ter a participação de vários casais e custou R$ 80 para nós dois. Combinamos também não nos presentear, porque recentemente compramos um ar-condicionado para casa”, explica Daniella. Juntos há cinco anos, eles ficaram satisfeitos com o programa de custo mais baixo, mas o comércio varejista não aprovou.
As estratégias dos namorados brasileiros para fazer frente a instabilidade econômica não ajudam a melhorar os resultados do setor para o mês de junho. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mantém sua projeção de queda de 8,5% nas vendas neste mês, maior baixa desde 2004, quando teve início a série histórica de dados da instituição. Em Belo Horizonte, a Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL-BH) calcula que o presente vai ser magro, com o preço médio de R$ 88,50, valor 13% menor na comparação com o registrado no ano passado.
Em outros tempos, quando a economia brasileira experimentava momentos de pleno emprego, os empresários do setor automotivo Tobias Nunes e Morgana Nunes já se presentearam com joias, viagens e itens de maior valor. Neste ano, o dia dos namorados vai ser comemorado em um restaurante com padrão de preços mais baixo que o de costume. Os namorados pretendem gastar não mais que R$ 200.
O presente do casal será simbólico, para que a data não passe em branco. O ajuste faz parte da estratégia de Tobias e Morgana de fazer pequenos cortes no orçamento para enfrentar a crise econômica, que derrubou a renda, o emprego e o Produto Interno Bruto (PIB, o conjunto da produção de bens e serviços do país). Tobias explica que o casal adequou gastos do dia a dia e também refez planos, como as viagens de férias. “Antes saíamos de férias mais de uma vez por ano, agora, até a economia melhorar, vamos fazer só uma viagem.”
DO TOPO AO CHÃO Em 2008, as vendas do dia dos namorados chegaram ao topo e turbinaram o resultado de junho, que teve crescimento de 11%. O mês seguiu com resultados positivos até 2014, para cair 1,1% em 2015, com projeção de um freio forte, de 8,5% esse ano. Fábio Bentes, economista da CNC, diz que o Dia dos Namorados está entre os seis melhores momentos de vendas do ano para o comércio, mas que não vai alavancar o setor agora. Além da queda da renda do brasileiro, o economista lembra que o comércio tem no crédito o seu principal motor. “Os juros são os mais altos dos últimos cinco anos. Em média as instituições financeiras estão cobrando 70,8% ao ano, o que faz reduzir o consumo.”
Desde que se encontraram há nove anos, Amanda Muci e Tiago Dornela nunca deixaram de comemorar o dia dos namorados. Amanda é patologista clínica e Tiago, analista de sistemas. Como Daniella e Paulo Henrique, Tobias e Morgana, o casal está preocupado com o futuro e disposto a frear gastos. “Estamos vendo que os preços subiram muito. Há pouco tempo gastávamos R$ 50 na ida ao cinema, agora o programa com o lanche não custa menos de R$ 100.” Neste ano, eles combinaram frear as despesas, sem comprometer o romantismo. O jantar japonês vai ficar por conta de Tiago e Amanda lhe comprará um presente. “Vou gastar R$ 150 porque acho um valor mais adequado para o momento, mas poderia com certeza, gastar R$ 300 com o presente”, calcula Amanda.
Pessimismo domina entre lojistas
A maior parte dos lojistas que participaram da pesquisa da CDL-BH, o aumento do custo de vida levará os consumidores a gastar menos neste ano. Dos empreendedores do setor na capital consultados pela instituição no levantamento, 59,2% estão pessimistas com o desempenho do negócio motivado pelo Dia dos Namorados e projetam queda de quase 30%. Os otimistas somam 15,5% dos empresários e apostam em crescimento médio das vendas de 4,3%.
Guilherme Rebello e Salinas Bahia namoram há pouco mais de um ano. Embora o mau humor da economia tenha feito com que eles fizessem ajustes nas despesas e alguma contenção no orçamento, as medidas não impactaram os planos para o dia dos namorados e o casal faz parte de um grupo que se tornou pequeno neste ano. No sábado, os dois saíram para jantar e comemoraram antecipadamente a data com troca de presentes, sem cortes.
O casal planeja, hoje, um passeio na região de Nova Lima, na Grande BH. “Pode ser um almoço em Macacos”, comenta Guilherme. Ele calcula que o jantar e o almoço não devem custar menos de R$ 500. “No dia a dia estamos agindo com mais precaução, diminuindo um pouco as saídas, mas o dia dos namorados é uma data comemorativa e não pode passar em branco”, diz Guilherme.