A classe C, que ascendeu na pirâmide social e foi o motor do consumo, puxando o crescimento recente da economia brasileira, está agora reduzindo gastos, adiando e trocando seus sonhos de consumo. É preciso fazer girar o que perdeu uso em casa para ajudar a fechar o orçamento doméstico. No tempo livre, muitos estão dobrando a carga horária para colocar as contas em dia.
A ginástica para ajustar os gastos é uma adequação ao segundo ano seguido de recessão da economia brasileira, que fez o desemprego crescer, a renda cair e o custo de vida decolar. Além de trocar marcas mais caras no supermercado por produtos mais baratos, reduzir o lazer e os gastos com alimentação fora do lar, sair da escola privada para a pública, a classe C também está se virando com desapego: “A classe média está ajustando seu orçamento. Para isso ela troca o smartphone, aluga quartos, vende alguma coisa que tem em casa”, diz Renato Meirelles, presidente do Instituto Data Popular, especializado em estudos sobre a nova classe C brasileira.
Segundo o executivo, com renda familiar média de R$ 3 mil, e somando 54% da população brasileira, a classe C foi diretamente afetada pela recessão e, apesar da resistência, a queda de alguns milhões de brasileiros para a classe D já começou. Se o crescimento da inflação de serviços afetou menos a nova classe média, a alta de preços administrados, como a energia elétrica, teve grande impacto no orçamento. “A expectativa é de que o cenário piore ainda mais, antes de começar a melhorar”, diz Meirelles.
Magna Gonçalves foi dispensada do trabalho depois que o movimento de clientes despencou na revenda de carros onde trabalhava. “Antes eu trocava de celular igual troco de roupa, agora não faço mais isso. Quando estava trabalhando também comprei TV nova, liquidificador, comprava roupa nova, mas agora...”, lamenta. Magna queria comprar um smartphone com mais recursos e um sofá, mas seus planos estão congelados.
Na família do jardineiro e lavador de carros Tarcísio Santos, o automóvel é peça-chave. É com ele que Tarcísio leva e busca as crianças na escola, faz as compras da casa, vai e volta ao trabalho. No último ano, com a alta dos preços e dos juros para compras parceladas, ficou apertado manter em dia o padrão de vida e ainda a prestação do banco. Por isso, Tarcísio quer trocar o carro financiado, do qual cuida com muito capricho, por um modelo mais barato. “Queria vender o carro por um valor maior que o que eu já paguei para o banco.”
Há 20 anos atuando no setor automotivo com a venda de automóveis, Roberto Cândido é sócio-proprietário da Gameleira Veículos, instalado na Via Expressa, em Belo Horizonte. “Com a crise, as trocas cresceram demais e já representam 70% do movimento da loja.” Segundo ele, o maior interesse dos clientes é deixar o carro mais caro na revenda, levando para casa um modelo mais barato. “Para fazer dinheiro, as pessoas estão trocando o carro para levar a diferença.”
EXPULSOS DO PARAÍSO Estudo recente realizado pela empresa Tendências Consultoria estima que desde 2014 até o fim deste ano 3,5 milhões de brasileiros que ascenderam à Classe C devem retornar as classes D e E. Segundo a consultoria, em função da crise, a classe D/E deverá voltar a ser inflada em 4,7 milhões de famílias (de 2014 até 2017), o que anularia o processo de mobilidade social verificado entre 2006 e 2013, período durante o qual a classe D/E mostrou redução de 3,8 milhões de famílias. O estudo considera como classe C as famílias com renda mensal entre R$ 2.166 até o teto de R$ 5.223, sendo que os valores foram atualizados a preços de dezembro de 2015.