O desemprego, conhecido pelos especialistas como uma causa extraordinária, ou de menor peso entre os motivos que levam o consumidor ao endividamento, vem crescendo rapidamente sua participação nas contas em atraso do brasileiro e já é apontado como principal motivo da inadimplência. A perda da renda está se aproximando de causas bem conhecidas, como a bola de neve, provocada pelo descontrole do orçamento doméstico diante de juros estratosféricos do cartão de crédito e do cheque especial.
Segundo mapeamento realizado pelo Siscom, instituição especializada na recuperação de crédito, com um milhão de inadimplentes em sua carteira, historicamente o desemprego era apontado por 15% dos consumidores como razão principal para o endividamento, agora, já é citado por 48% dos inadimplentes como principal motivo para a ciranda de dívidas. O percentual é 20% superior ao mesmo período do ano passado.
O encarecimento de contas básicas, como energia elétrica, água, telefonia e supermercado, somado à perda do emprego, empurra o consumidor para uma série de dívidas que, por consumirem grande fatia da renda, podem se tornar impagáveis. “Muitos consumidores acabam priorizando as contas básicas e atrasando, por exemplo, o pagamento do cartão de crédito, que tem juros altos”, diz Satoshi Fukuura, presidente da Siscom.
Ele reforça que o desemprego pressiona de forma bastante forte a inadimplência de bens como automóveis e imóveis. “A decisão de compra foi feita em um momento onde todos trabalhavam e o desemprego de um membro da família causa um grande impacto na capacidade de pagamento.” Segundo o Siscom, o número de endividados no setor de veículos cresceu 7% em relação a junho de 2015 e a falta de pagamentos relacionados à área de imóveis registrou alta de 66%, empurrados pelo desemprego.
Lillian Salgado presidente do Instituto Nacional de Defesa Coletiva (INDC) explica que a demissão, assim como doenças graves, são conhecidos como causas que impactam o orçamento de forma extraordinária, no entanto, o seu peso cresce nesse momento, empurrado pela crise. “O desemprego somado a falta de critério de bancos para conceder o crédito é uma combinação perigosa para o consumidor”, alerta.
A especialista lembra que a renda, por força de lei, não pode ser comprometida em mais de 30% com o crédito consignado e outros 5% com cartão de crédito, mas é comum o brasileiro ter outros empréstimos que devoram o salário, tornando em pouco tempo as dívidas impagáveis. “Para uma família de baixa renda, que recebe de um a dois salários mínimos, o ideal é que ela não comprometesse mais de 5% de seu salário com prestações.”
Salário comprometido
Em tempos de crescimento do desemprego, levantamento do Siscom mostra que o brasileiro inadimplente chega a comprometer 70% do seu orçamento com o pagamento de contas, o que é um percentual muito alto e pode impedir que o consumidor encontre novamente o equilíbrio. A saída é a retomada do crescimento do país. “Sozinho, o consumidor não consegue resolver sua questão financeira. Ele deve aproveitar a crise da economia para conversar mais com a família para que juntos encontrem alternativas.”
Lillian Salgado defende que a modificação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), em discussão em Brasília, deve beneficiar o brasileiro, dificultando o superendividamento. “O Código deve limitar o comprometimento da renda. Hoje, o que ocorre é que esse teto vale para o consignado (empréstimo com débito em folha), mas existem outros empréstimos tomados pelo consumidor que tornam dívidas impagáveis”, afirma.
Segundo dados da Serasa Experian débitos atrasados com bancos e cartão de crédito representaram 27,2% do valor total da inadimplência, em março de 2016, e mantêm o segmento em primeiro lugar no ranking dos mais afetados. Em março de 2015, o percentual de participação era de 30,7%. Dos 239 milhões de dívidas atrasadas do país, registrado em março de 2016, o segmento de água, energia elétrica e gás, surpreendeu. O segmento representava 17,9% deste total, a mais alta participação alcançada pelo setor desde junho de 2014, quando o levantamento passou a ser feito pela Serasa Experian. Em março do ano passado, as dívidas no setor somavam 15,1% do montante.