Bem no momento em que cresce no país o número de endividados – ao menos 59 milhões – é cada vez mais comum aqueles que estão com o “nome sujo” sem saber. Em São Paulo, no fim de 2015, foi aprovada lei estadual que proíbe os órgãos de proteção ao crédito (Serasa Experian, SPC Brasil, entre outros) de negativar o nome de suposto devedor sem que ele seja notificado, previamente, por escrito. Ou seja, os birôs de crédito devem enviar uma carta com aviso de recebimento (AR) para o devedor, antes de incluí-lo na lista de inadimplentes. Em Minas, há o Projeto de Lei 1.193/2015, que trata do mesmo assunto e, no último dia 23, outra proposta, o PL 3.648/2016, anexado ao original, foi apresentado na Assembleia Legislativa de MG, também com o mesmo fim.
Em Minas, embora tramitando na Assembleia, o projeto já gera polêmicas. No início deste mês, o presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) de Itajubá, George Kallás, enviou ofício a todos os deputados estaduais mineiros solicitando apoio no arquivamento do projeto. Kallás defende ser um retrocesso ao sistema de concessão de crédito do país, pois geraria impactos negativos para o empresariado mineiro, “além de afetar tanto o consumidor inadimplente como aquele que busca crédito e está adimplente”, escreveu no ofício. Ele diz que, há 30 anos, os sistemas de proteção ao crédito (Boa Vista SCPC, Serasa e SPC Brasil) enviam comunicação de registro ao consumidor inadimplente, por meio de carta simples. E que o envio de correspondência com AR ao credor implicaria em um custo sete vezes maior.
CARTÓRIOS O Instituto de Protesto-MG (entidade que representa os cartórios de protesto em Minas) defende a entrada da lei em Minas. De acordo com um dos membros do órgão, Helton de Abreu, o comunicado prévio ao negativado já é previsto desde 1990 no CDC. Contudo, conforme ressalta Abreu, o CDC não deixa explícito que esse comunicado tem que ser feito de forma comprovada, ou seja, por meio de correspondência escrita. “Fizemos uma pesquisa e vimos que há mais de 670 mil ações de danos morais contra a Serasa Experian, sendo que a maioria é pela ausência de comunicação para os endividados”, comenta.
Abreu sustenta que os consumidores, além de lesados, vão ao judiciário alegando que não foram notificados. “Os órgãos de crédito dizem que comunicaram, porém, não têm prova disso. E o consumidor, além de não ser avisado, fica desprotegido quando não foi ele quem adquiriu a dívida”, diz. É o caso do Lucas Leão, que, ao saber que alguém tinha pegado seus dados, entrou em contato com a operadora, que confirmou a fraude. “Eles disseram que não fui avisado porque a pessoa que copiou meus dados deu outro endereço”, conta.
Sobre o custo para as empresas, Abreu diz que o Serviço de Proteção ao Crédito já cobra do empresariado R$ 12 por consulta ao nome do cidadão negativado. “O consumidor só sabe atualmente que está com o “nome sujo” quando faz uma operação de empréstimo ou financiamento. Defendemos, ainda, que a notificação que for enviada ao consumidor especifique um canal de atendimento cuja informação seja referente ao local onde ele pode buscar esclarecimentos. Da forma como tem sido feito hoje, o consumidor está desprotegido.”
DESNECESSÁRIO
O Superior Tribunal de Justiça já sumulou o entendimento de que o aviso de recebimento (AR) não é necessário. De acordo com Paulo Melo, diretor da Associação Nacional de Birôs de Crédito, há projetos de lei desse tipo tramitando em 13 estados e o único em que a lei está em vigor é em São Paulo. “Toda vez que há projetos que se preocupam com o consumidor é relevante, mas com esse propósito eles acabam causando outros problemas”, enfatiza.
Segundo Melo, o AR trouxe números preocupantes para SP como a queda no crédito, representando um montante R$ 4 bilhões a menos. “Por lá, o crédito cresceu 2,5 % enquanto, no país, foi de 3,4%”, compara. Ele diz que, com o AR, o processo leva mais tempo. “Os Correios tentam achar o devedor três vezes e ainda é necessária a assinatura dele na carta. Porém, em São Paulo, 40% estão voltando sem assinatura. Então, o credor, com menos informação, acaba restringindo o crédito. A restrição aumenta a taxa de juros do país”
Melo diz que, atualmente, em São Paulo, o AR custa R$ 8, sendo que a carta simples sai a R$ 1,40. “Além disso, a pessoa com dívida tem que ir ao cartório protestar e paga por isso, com taxas que variam de 15% a 20% do valor da dívida. Antes você recebia uma carta simples e negociava o que devia sem pagar.” Ele afirma ainda que, no estado de São Paulo, no ano passado, somente houve duas reclamações de não entrega da carta simples. “Há casos em que o consumidor não concorda com o que lhe cobram e casos em que há fraude de dados.” No entanto, ele reforça que as ações contra ausência de reclamação representam 0,001% do volume de carta simples enviadas pelo birôs de crédito. “Mesmo que esses projetos tenham a intenção de causar bem-estar, há prejuízos para o inadimples e adimplentes também”, afirma.
Na visão do advogado Rafael Dias Freire, não há dúvidas de que os custos com o AR onerariam excessivamente o procedimento de notificação. “E, no final, a conta é sempre repassada ao consumidor, seja mediante cobrança no ato de desnegativação, seja na falta de concessão de crédito no mercado ou, ainda, com o aumento de juros pelo próprio mercado, temeroso com a falta de fidelidade das informações fornecidas pelos birôs de crédito”, diz. Para ele, quem mais se beneficiaria com o AR será o consumidor inadimplente. “E o maior prejudicado é o consumidor adimplente, pois também arcará com a conta final resultante tanto da falta de pagamento quanto da irrealidade das informações repassadas ao mercado”, avalia.