Em meio ao aperto econômico em que vivem os brasileiros, entrou em vigor, ontem, com a publicação no Diário Oficial da União (DOU), a Medida Provisória 719, que permite a trabalhadores do setor privado contratarem crédito consignado (descontado diretamente do salário) usando como garantia até 10% do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). A intenção é reduzir o risco na concessão de crédito aos empregados da iniciativa privada e, dessa forma, ampliar a capacidade de endividamento do consumidor, uma vez que esse tipo de empréstimo tem juros menores. Porém, para especialistas, a abertura pode ser o “céu” para quem está no aperto e também o “inferno” para quem já tem dívidas e poderá ficar ainda mais endividado.
A medida, editada em março deste ano, seria votada no Senado no início de agosto, porém foi antecipada e, na segunda-feira, aprovada. Quando foi criada, ainda no governo de Dilma Rousseff, o Ministério da Fazenda, na época comandado por Nelson Barbosa, afirmou que ela viabiliza reduções nas taxas de juros cobradas de trabalhadores do setor privado na tomada de empréstimos. No documento, o governo ressaltou que a urgência e relevância da proposta se justificariam em “razão da necessidade de alterar a composição do conjunto de operações de crédito das famílias de forma a minorar tempestivamente as consequências negativas da atual redução da atividade econômica.”
Além de permitir que trabalhadores do setor privado contratem crédito consignado usando até 10% do FGTS como garantia, o texto possibilita a contratação de empréstimo dando como garantia até 100% do valor da multa rescisória, no caso de dispensa sem justa causa. As taxas de juros médias do crédito consignado estão entre 25% e 30% ao ano no setor público e para os aposentados. No setor privado, no entanto, por causa da alta rotatividade, as taxas estão em torno de 41%. Com o novo tipo de garantia, o objetivo é reduzir a cobrança de juros.
“É uma medida que vem reforçar o aperto pelo qual o brasileiro está passando”, comenta o professor de Finanças do Ibmec do Rio de Janeiro, Gilberto Braga. Ele diz que, atualmente, com a crise econômica, há muitas pessoas endividadas, e quem está no limite poderá ampliar a capacidade de endividamento. “O FGTS vai ser usado como garantia. Então, se ela deve quantias altas pode usar essa abertura para quitá-las e reestruturar a vida financeira. E isso pode ser entendido como a salvação para quem quer organizar o que deve”, comenta. Porém, Braga ressalta que para aqueles que vivem na corda bamba, o endividamento pode aumentar. “Embora o crédito consignado tenha taxas de juros mais baixas, a pessoa pode entrar em uma bola de neve.”
E esse é o receio do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que encaminhou, esta semana, um ofício à presidência do Senado para solicitar atenção máxima para a norma. Segundo explica a economista do Idec, Ione Amorim, quem ganha com a medida é o sistema financeiro. “Estamos vivendo um momento muito delicado no país. O FGTS é um direito do trabalhador e ele vai pagar juros para ter acesso sobre a quantia”, afirma. Ela diz que a finalidade do fundo é de cunho social e de dar uma assistência ao consumidor em um momento de dificuldade. “Quando essa finalidade é quebrada pelo mercado, que estimula esse trabalhador a ter mais dívida, é preocupante. Se ele pudesse sacar 10% do FGTS para quitar o que deve, seria um benefício. Mas dá-lo como garantia e pagar juros sobre ele é perigoso”, alerta, acrescentando ainda que nem sempre o empregado é demitido sem justa causa, podendo ficar sem direito à quantia do fundo.
Tanto Amorim quanto Braga recomendam cautela para quem pretende usar o fundo como garantia de um empréstimo consignado. Para ela, em tempos de desemprego, o melhor é não mexer nesse benefício. “Como a medida ainda prevê como garantia os 100% do valor da multa rescisória, que equivale a 40% do total do fundo, é arriscado o trabalhador ser mandado embora e ter que usar o dinheiro para quitar dívidas”, avisa.