Responsáveis por, na década de 1930, dar fama a cidades como Caxambu, São Lourenço e Poços de Caldas, no Sul de Minas, e Araxá, no Triângulo, os jogos de azar voltaram a ser assunto em tempos de crise. Com expectativa de serem votados como prioridade neste segundo semestre, tramita na Câmara e no Senado projetos de lei que propõem a liberação da jogatina no país. Cassinos, bingos, jogo do bicho e vídeo jogos podem ser liberados sob a justificativa de aumentar a arrecadação do governo em até R$ 20 bilhões por ano. Em Minas, empresários de cidades que antes recebiam turistas por causa dos cassinos enxergam a proposta como a salvação para a crise econômica que atropelou o turismo local, com queda de até 50% no movimento de alguns municípios. Mas há o temor de que os antigos hotéis mineiros tenham dificuldades de cumprir as exigências estabelecidas e, com isso, há o risco do interior mineiro ficar de fora dos roteiros dos jogos.
Atualmente, empresários estrangeiros do entretenimento já arriscam dizer que a abertura dos cassinos é uma questão de tempo e muitos já trabalham com a expectativa de que os empreendimentos sejam liberados no segundo semestre de 2017. Assim, empresários de Las Vegas já estão no país negociando possíveis parcerias para abertura de cassinos de luxo em alguns estados brasileiros, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Para Fabrício Murakami, diretor de operações do Betmotion – maior site de jogos e apostas on-line da América Latina –, o interesse dos investidores estaria mesmo nas cidades maiores. “O interesse é maior por locais onde haja uma maior circulação de pessoas. O projeto na Câmara ainda está em discussão, mas um dos pontos é que só serão permitidos dois cassinos por estado, onde haja mais de 25 milhões de habitantes”, comenta, dizendo que há, sim, um grande interesse de grandes empresas multinacionais em investir no mercado nacional de forma imediata, e a não exploração do segmento significa perda de fonte geradora de arrecadação.
Nos dois projetos, tanto aquele que tramita na Câmara quanto o que está no Senado, não há uma restrição sobre estados. Porém, no início do ano, soube-se que uma das propostas estudadas pelo Ministério do Turismo era de liberar jogos de azar somente em estados mais pobres ou remotos do país, como o Acre, para desenvolver a economia e estimular o turismo nessas regiões. A pauta já virou prioridade entre os políticos e a expectativa é de que os projetos sejam votados ainda neste semestre. Na Câmara, tramita o Marco Regulatório dos Jogos no Brasil, que avalia 14 propostas sobre a legalização de bingos, cassinos, jogo do bicho, jogos pela internet e caça-níqueis em território nacional.
Sobre cassinos, de acordo com o marco, poderão funcionar, no máximo, três por estado em unidades da federação que tiverem mais de 25 milhões de habitantes. Nos estados com população inferior a 15 milhões de habitantes só poderá funcionar um. E onde o número de habitantes for de 15 milhões a 25 milhões, dois. Em Minas, há 20 milhões de habitantes. Dependendo da população, os hotéis onde funcionarão os cassinos terão de oferecer número mínimo de quartos, que varia de 100 (para estados com menos de 5 milhões de habitantes) até 1 mil (nos estados com mais de 25 milhões).
Já no Senado, o PLS 186/2016, de autoria de Ciro Nogueira (PP/PI), busca legalizar o funcionamento de cassinos, bingos, jogo do bicho e vídeo-jogos e tem a relatoria do senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE). E, de acordo com o texto, os cassinos, por exemplo, deverão funcionar junto a complexos integrados de lazer construídos especificamente para esse fim. Esses complexos deverão conter acomodações hoteleiras de alto padrão, locais para a realização de reuniões e eventos de grande porte; restaurantes e bares; e centros de compras. Entre as outras exigências, o projeto prevê que o Poder Executivo poderá credenciar até 35 cassinos em complexos integrados de lazer, observando o limite de no mínimo um e de no máximo três por estado.
SALVAÇÃO “A aprovação desses projetos ajudaria Minas economicamente. É bom para o governo e também para os empresários, pois vai gerar empregos e desenvolvimento para as cidades”, aposta o presidente da Federação das Associações Comerciais de Minas Gerais (Federaminas), Emílio Parolini, que não acredita na possibilidade de os mineiros ficarem de fora dessa história. De acordo com ele, cidades como Araxá, Caxambu e Poços de Caldas têm estrutura para desenvolver esse tipo de atividade, justamente porque, no passado, foram destinos para os amantes de cassinos.
Para a presidente da Associação Comercial de Araxá, Maria Inês Gotelip, o município tem total estrutura para voltar com essas atividades. “O Grande Hotel tinha o cassino como um grande atrativo e, durante alguns anos, havia voos para cá por causa disso. Hoje, pela Azul, só temos um voo por semana e, com a volta dos jogos, isso poderia mudar”, comenta. E ela completa: “Vamos fazer um grande investimento para receber todo o fluxo de turistas que virá e será a salvação”.
O turismo nessas cidades caiu em torno de 40%, segundo os empresários. De acordo com o presidente da Associação Comercial de Caxambu, Luidy Alfredo de Carvalho, a queda no movimento chega a 50%. “A volta dos cassinos seria muito positiva”, diz. Marco Aurélio Lage, dono do Hotel Brasil de São Lourenço e presidente do Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes do Sul de Minas, diz que os cassinos vão atrair a freguesia que viaja, atualmente, para Las Vegas e outros destinos. “Cerca de 70% dos que vão jogar em Punta Del Leste, no Uruguai, por exemplo, são brasileiros. Essas pessoas podiam deixar o dinheiro aqui em vez de gastar no exterior. Isso geraria empregos”, defende. Ele diz que, em 1946, havia sete cassinos na cidade.
Campeões ilegais
Segundo o Instituto Brasileiro Jogo Legal (IJL) o jogo legal movimenta hoje no país cerca de R$ 14 bilhões, enquanto o clandestino movimenta em torno de R$ 20 bilhões.
Rodada polêmica
A aprovação dos projetos que liberam os jogos de azar é polêmica. Em Poços de Caldas, por exemplo, que já foi chamada no passado de a Las Vegas brasileira, o apoio à liberação dos cassinos não é unanimidade entre os empresários. De acordo com o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares, há hotéis a favor e contra o retorno da atividade, tanto que preferem não comentar sobre o assunto. As divergências são baseadas no argumento de que a liberação pode ser a janela para a corrupção.
Entre os senadores contra a proposta, muitos dizem que haverá a lavagem de dinheiro e a entrada para a prática de diversos crimes, além de envolver drogas e incentivar a prostituição. O Movimento Nacional Brasil sem Azar já enviou ofício contra a condução do projeto. “O jogo é sorte para poucos e azar para muitos”, afirma o advogado do movimento, Paulo Fernandes Melo. Ele diz que a atividade não traz riqueza para quem aposta, mas, sim, para empresários. “E isso pode aumentar a corrupção, o narcotráfico e a prostituição. Será uma maneira de os políticos financiarem campanhas por meio da jogatina”, afirma.
O Ministério Público Federal também já se posicionou contra a proposta e, no início do ano, sugeriu ao Senado que promovesse uma ampla discussão do projeto antes de enviá-lo à Câmara. No entender da Procuradoria, o jogo seria prejudicial porque atrairia pessoas que não têm economias. “Essas pessoas podem pegar parte da renda que seria usada no supermercado, no cinema, em roupas e transferí-la para o jogo. Então, a tributação só muda de segmento”, escreveu o procurador da República Peterson de Paula.
Perído limitado
A história dos cassinos no Brasil é curta: vai da legalização, em 1920, até a proibição, em 1946. A proibição veio com um decreto assinado em abril de 1946 pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra (1945-1951), que disse que os jogos eram “nocivos à moral e aos bons costumes”. No auge, o país teve 70 cassinos, a maioria no Rio de Janeiro e no Sul de Minas Gerais. A proibição teve um forte efeito econômico em cidades que viviam principalmente do turismo ligado aos jogos, como Petrópolis (RJ) e Poços de Caldas (Sul de Minas). Mesmo em Belo Horizonte, vários cassinos foram fechados, a exemplo do Cassino da Pampulha, que hoje abriga o Museu da Pampulha, e outros de menor porte. Vários equipamentos foram apreendidos pela polícia, na época (foto).
Palavra de especialista
Paulo Pacheco
Professor do Ibmec/BH e doutor em Economia
Escolhas próprias
“O jogo é uma indústria rica e geradora de empregos. O impacto da economia da liberação dessa atividade seria muito positivo, porém, tudo vai depender de como o mercado será regulado. É preciso ter uma fiscalização rígida, tanto para fazer cumprir o Direito do Consumidor e quanto para garantir a receita fiscal. Não podemos matar todo o benefício que os jogos de azar podem trazer em nome de algo negativo, como o vício. Isso aí são as escolhas das pessoas e elas devem ser livres para decidir.”
Na roleta
Confira as vantagens e desvantagens da liberação do jogo no Brasil
Prós
> Ao tornar o jogo de azar legal, o governo passaria a arrecadar impostos sobre os serviços que hoje não são tributados e estão na clandestinidade. Isso ajudaria a economia brasileira neste momento. A estimativa de entidades que defendem a liberação é de uma arrecadação anual de até R$ 20 bilhões.
> O projeto prevê que, para jogo do bicho e vídeo loteria, os estabelecimentos ofereçam serviços complementares, como bares e restaurantes. Isso atrai mais público ao local, agrega valor e dá oportunidade a pequenos negócios que fazem parte da cadeia turística.
> O cassino deve priorizar a mão de obra local nas contratações. É uma atividade que gera empregos e desenvolvimento para a região onde está inserida. Além disso, o governo permitiria a formalização de diversos empregos, hoje considerados fora da lei. Essas pessoas que trabalham com os jogos teriam a profissão regulamentada.
Contras
> Com a legalização, o mercado de jogos poderá ser invadido por grandes empresas internacionais com experiência na atividade, o que pode ser um entrave para os negócios nacionais que queiram explorar os jogos.
> Existe um descrédito com relação à fiscalização das atividades legalizadas. Acredita-se que, mesmo havendo punições para quem não cumprir a lei, será difícil o controle e a fiscalização, facilitando ações ilícitas. Além disso, por fazer transações com dinheiro em espécie, os jogos poderiam ser uma janela para a lavagem de dinheiro. Também há a possibilidade de estimular o tráfico de drogas e a prostituição.
> Muitos defendem que a legalização estimula o vício e a dependência. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o jogo compulsivo uma doença. Entre os apostadores, 3% enfrentam problemas financeiros e familiares e 2% estão efetivamente doentes. Por isso, explorar essa atividade pode prejudicar a sociedade.