Depois de sacrificar o orçamento familiar nos últimos anos e forçar mudanças de hábito do brasileiro disposto a evitar o endividamento, a conta de luz está, de novo, no centro de uma polêmica que pode aliviar os gastos com o insumo no país. Tramitam no Senado e na Câmara dos Deputados dois projetos de lei que propõem o acesso do consumidor residencial ao mercado livre de energia elétrica, aquele em que as empresas de grande e médio porte escolhem o seu fornecedor de energia. A ideia é dar às famílias livre arbítrio para contratar o serviço da concessionária, da mesma forma que, atualmente, elas escolhem a operadora de telefone celular. As estimativas são de que, assim, seria possível economizar cerca de 20% na conta de luz.
No Senado, o projeto 232, de autoria do senador Cássio Cunha Lima (PSDB/PB), está na Comissão de Assuntos Econômicos, desde julho. Na Câmara dos Deputados, o PL 1.917 de 2015, já aprovada na Comissão de Defesa do Consumidor, a matéria vem sendo analisada nas comissões de Minas e Energia; de Finanças e Tributação; Constituição e Justiça e de Cidadania. O projeto é de autoria dos deputados Marcelo Squassoni (PRB/SP), Antônio Carlos Mendes Thame (PV/SP), Rodrigo de Castro (PSDB/MG), Augusto Carvalho (SD/DF), Odorico Monteiro (PROS/CE) e Pedro Vilela (PSDB/AL).
Os dois projetos asseguram a portabilidade da conta de luz como principal objetivo. A proposta é defendida pela Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) que lançou a campanha “Quero energia livre”, convocando a população para lutar pela portabilidade na conta de luz, por meio de um abaixo-assinado como instrumento de pressão sobre os parlamentares.
O presidente-executivo da Abraceel, Reginaldo Medeiros, afirma que esse mercado já existe há 12 anos para os grandes consumidores, incluindo fábricas, shoppings centers e outros empreendimentos com contas acima de R$ 80 mil mensais. “Há, atualmente, dois mercados para as empresas: um para as que consomem carga de 500 quilowatts (kW) de energia renovável ou 3.000 kW, de qualquer fonte. Na faixa de 500 KW, somente energia renovável pode ser adquirida por empresas que têm, geralmente, gasto acima de R$ 80 mil. Os que consomem 3 000 KW, com despesas superiores R$ 300 mil, podem comprar de qualquer fornecedor. Esses grupos consomem 25% de toda energia do país”, esclarece Medeiros. No Brasil, há cerca de 10 mil empresas nessa faixa de consumo.
O consumidor residencial, no entanto, fica preso à distribuidora de energia que atende o estado; no caso de Minas, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Com base nos novos projetos de lei, explica Medeiros, o consumidor poderá comprar a energia da concessionária que desejar. “Hoje, a pessoa paga R$ 100 à distribuidora pelos serviços, sendo que R$ 20 são destinados à distribuição e R$ 80 à geradora de energia. A Cemig, por exemplo, compra essa energia de um gerador e distribui ao cliente”, diz.
A intenção, segundo Medeiros, é implantar o mercado livre no segmento residencial, possibilitando que qualquer consumidor brasileiro possa escolher qual distribuidora vai querer em sua casa. Com uma concorrência maior, o preço da conta, de acordo com Medeiros, pode diminuir para o consumidor final. “Se ele escolhe determinado fornecedor, os R$ 20 que ele pagava à Cemig, por exemplo, vão ser repassados à companhia pelo novo fornecedor, ou seja, a Cemig continua recebendo. Porém, o valor de R$ 80 será negociado entre o cliente e a empresa escolhida”, comenta.
“É como o Uber, que chegou ao país e forçou os taxistas a melhorar seus preços e atendimentos”, compara o presidente da Abraceel. O mercado livre de energia elétrica existe no Brasil há 12 anos para o meio empresarial e, segundo pesquisa da Abraceel, as grandes e médias empresas compram energia 18% mais barata do que aquela que comprariam se estivessem em um mercado cativo. “Está na hora de abrir esse mercado a todos os brasileiros”, defende.
CONCORRÊNCIA
Ainda segundo a Abraceel, o mercado livre de energia elétrica, em vigência na maior parte dos Estados Unidos e em toda a Europa, permitiria redução média de custos da ordem de 19,61% para os belo-horizontinos. “Além do preço, com a concorrência, melhora a qualidade do atendimento”, afirma Medeiros. Com essa abertura, o processo de assistência técnica relativo ao fornecimento de energia elétrica continuaria sendo da estatal de cada estado. “Assim, se houver um vendaval em Minas e a luz acabar, caberia à Cemig, por exemplo, reestabelecê-la, independentemente se o consumidor é, ou não, seu cliente. O atendimento técnico continua sendo da Cemig, mas o comercial é da empresa que a pessoa escolheu. Assim, a energia é a mesma para todos, o que vai mudar é preço, além da qualidade do atendimento”, esclarece.
Em caso, por exemplo, de existirem problemas climáticos, como ocorreu em 2015, e forçou o aumento da conta de luz dos brasileiros, Medeiros lembra que há um contrato do consumidor com o fornecedor escolhido e negociações podem ser feitas. “Se você compra a energia a R$ 100 e o país explode com a falta de energia, esse fornecedor pode lhe oferecer benefícios para que você reduza sua conta, como por exemplo, pagar R$ 60, ao reduzir o consumo. E ele vende o excedente a outros”, exemplifica.
Indenização à Cemig
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) vai propor indenização de R$ 892 milhões à Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) por investimentos realizados em linhas de transmissão construídas antes do ano 2000. A diretoria vai analisar o caso amanhã, durante reunião pública. O valor tem como base a data de 31 de dezembro de 2012, ano em que o governo publicou a Medida Provisória 579, que prorrogou as concessões de geradoras e transmissoras em troca de uma redução de 20% nas tarifas. A empresa pede R$ 1,209 bilhão.