O olhar vivo e o meio sorriso do carpinteiro Joanito Lopes não escondem uma certa apreensão com o futuro. Ele completou 60 anos, ainda não se aposentou, e há mais de 12 meses está a procura de um emprego com carteira assinada. Durante quase 10 anos, Joanito trabalhou na construção civil em países europeus e tem experiência em muitas funções do canteiro de obras, mas, ainda assim, está difícil conseguir uma colocação.
Na faixa etária, a taxa avançou 44% no segundo trimestre, frente aos três meses imediatamente anteriores, segundo relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), passando de 3,25% para 4,75%. Para se ter ideia, ao mesmo tempo, entre os mais jovens, onde tradicionalmente está instalada o maior patamar do desemprego, a taxa piorou menos, permaneceu estável em 26% entre o primeiro e segundo trimestre de 2016. Junto com o crescimento do desemprego na família, a inflação também pesou com mais força para os mais velhos, que estão na liderança da inadimplência.
Joanito Lopes conta que foram as saudades do sol e do Brasil que o motivaram a deixar a Espanha e voltar para BH, em 2013. Mas, agora, ele já pensa em fazer o caminho de volta. No início, o trabalhador conseguiu emprego em uma construtora, mas desde o ano passado vem trabalhando por conta própria, já que o mercado desacelerou. “Lá fora, na Espanha e em Portugal, valorizam mais a experiência. Aqui no Brasil, o emprego é mais difícil para quem está mais velho. Estou pensando em voltar para a Europa, onde a situação também não está tão boa, mas existem mais oportunidades. Minha sorte é que não tenho dívidas”, avalia. Carpinteiro e pedreiro, ele vive o dilema de quem ainda não se aposentou e precisa enfrentar o sumiço das oportunidades no mercado de trabalho.
MAIS BARATOS A coordenadora da Central de Captação de Vagas do Sistema Nacional de Emprego (Sine/MG) da Região Metropolitana, Viviane Alves, ressalta que o sistema não capta as oportunidades de emprego por faixa etária. Mas segundo ela, é possível perceber que está havendo uma substituição nas empresas dos salários mais altos pelos mais baixos, o que ajuda a explicar o crescimento do desemprego entre as faixas etárias mais experientes, agravado por uma queda na oferta de vagas. Entre janeiro e julho, na comparação com o ano passado, a redução no Sine metropolitano foi de 25%.
Alzira Ambrósio tem 66 anos e há dois anos tenta se recolocar no mercado como cuidadora de idosos. Ela conta que tem quase 20 anos de experiência e referências na carteira. “Não tenho cursos, mas tenho a experiência da prática.” Para ela, o mercado de trabalho encolheu muito, o que gera desânimo. “Antes, logo que saia de um emprego em uma ou duas semanas já estava trabalhando de novo.” Alzira conta que as despesas também apertaram muito, porque os dois netos criados por ela, de 21 e 18 anos, também estão desempregados. “A despesa mais pesada tem sido a da alimentação, que encareceu demais. Por isso, preciso voltar a trabalhar.”
A percepção de Alzira está de acordo com os índices que medem o custo de vida. A inflação da terceira idade (IPC-3I) apurada pela Fundação Getulio Vargas (FGV), mostra que em Belo Horizonte o índice acumulou variação de 1,42% no segundo trimestre, enquanto a inflação do conjunto da população fechou o período em 1,20%. No ano, o custo de vida do idoso também cresceu mais (4,71%) que o conjunto da população (4,47%). Medicamentos, alimentos e vestuário estão entre os principais custos.
Mozart da Silva, de 65, está reunindo documentos para dar entrada em seu seguro desemprego. Vigia de uma escola, ele foi dispensado na última semana, depois de 17 anos de trabalho. “Não entendi muito bem o motivo, mas acho que tem a ver com essa crise”, comenta. Ele considera que não vai ser muito fácil conseguir um novo trabalho. “O mercado está bem complicado, mas eu quero voltar para a ativa”, planeja.
DISPARADA Segundo o levantamento do Ipea, a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na comparação do segundo trimestre deste ano, com os últimos três meses de 2014 – período antes do início da deterioração do mercado de trabalho – o desemprego mostra um avanço de 132% entre os mais velhos.
Hegel Botinha, diretor do Grupo Selpe, especializado recrutamento, seleção, treinamentos, do nível operacional até executivos para média e alta gerência, diz que de um modo geral, os mais velhos contam com a experiência, mas também disputam postos de trabalho com os mais jovens, que podem ter uma remuneração menor e têm a bagagem tecnológica.
O tempo de procura por emprego também cresceu. Entre 2013 a 2014, no Sine metropolitano, o tempo variava entre três e seis meses, prazo que agora pode chegar a um ano e três meses. “Os salários também estão bem próximos ao piso das categorias”, comenta a especialista. A boa notícia é que em setembro a oferta avançou 30% frente ao mês de agosto, o que pode sinalizar alguma recuperação do mercado de trabalho no fim do ano.
Com a corda no pescoço
Equilibrar as contas é outro desafio para os maiores de 60 anos, que enfrentam o fechamento de vagas no mercado de trabalho e ainda acumula a função de chefe da família. Segundo dados do Serviço de Proteção ao Crédito da Câmara dos Dirigentes Lojistas (SPC/CDL-BH), as dívidas em atraso atingiram em agosto seu maior nível desde 2013. O indicador cresceu 4,11% na comparação com o mesmo período de 2015, mas entre os maiores de 65 anos disparou para 28,17%.
Administrar as contas é o desafio de Milton Geraldo da Silva, de 57 anos. Há um ano e dois meses ele está desempregado buscando uma vaga de carteira assinada como soldador, mas considera que as oportunidades ficaram mais difíceis para sua faixa etária. São muitos “nãos” desde o último emprego. Milton diz que pode trabalhar também como armador, frentista, vigia, auxiliar de serviços gerais e está disposto a assumir as funções pelo piso salarial da atividade. Há três anos e três meses da aposentadoria, o mercado de trabalho se tornou um desafio difícil de vencer para soldador. Enquanto torce pelo reaquecimento da economia, ele faz bicos e ajuda a mulher em um carrinho de cachorro quente. “Não está fácil, espero que as coisas melhorem. Estou disposto a assumir qualquer função que me apareça.”
A carta de conjuntura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) acende todos os alertas para a deterioração do mercado de trabalho brasileiro, entre eles a corrosão da renda. A redução nos salários reais foi pior em setores que exigem menor qualificação, sendo a queda dos rendimentos mais forte entre os que recebem menos que o salário mínimo – cerca de 9% nos últimos 12 meses. Apenas o trabalhador que ganha exatamente o salário mínimo não apresentou perda real de rendimento.
Tudo pior
44%
foi o crescimento do desemprego entre os maiores de 59 anos no segundo trimestre; 26% foi a variação do desemprego entre os mais jovens
4,71%
é a inflação acumulada no ano para os maiores de 60 anos; 4,47% é o custo de vida para o conjunto da população de Belo Horizonte
28%
é a inadimplência entre os maiores de 65 anos; 4,11% é a taxa geral para Belo Horizonte