Brasília – Ir ao cinema ou levar a família para comer uma pizza no fim de semana se tornou um luxo para o motorista Alberto Bastos, de 51 anos. Casado e pai de uma filha, ele abriu mão do lazer para colocar comida em casa. As compras mensais no supermercado e na feira que custavam, em média, R$ 530 durante o ano passado dispararam para R$ 650 em 2016. Uma alta de 22,6%. Com isso, Bastos precisou colocar as despesas na ponta do lápis e teve de cortar o que não era extremamente essencial. “Tudo está mais caro. O único jeito de economizar é deixar de sair com tanta frequência”, lamenta.
Assim como Bastos, milhões de brasileiros têm sofrido com a escalada nos preços de produtos e serviços em meio a mais longa recessão da história do país. Para piorar a situação, os reajustes salariais são cada vez mais magros e a renda dos trabalhadores tem encolhido. E o que parece uma contradição, já que a teoria econômica ensina que em períodos de queda do Produto Interno Bruto (PIB) a carestia tende a dar trégua, virou uma realidade no Brasil. Mesmo com a redução do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ao longo do ano, o ritmo está aquém do necessário para dar um alívio no bolso da população e para acelerar o processo de corte da taxa básica de juros(Selic).
A situação fica mais dramática com o aumento dos riscos para a queda da inflação. Na última ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), realizada em 18 e 19 de outubro, o Banco Central (BC) apontou uma série de fatores condicionantes para preços administrados que, em tese, poderiam favorecer o combate à carestia. O primeiro foi a mudança na política de preços de combustíveis. Em seguida, o BC citou evidências que mostram a possibilidade de redução de tarifas de energia elétrica mais fortes que o esperado em algumas regiões. E a perspectiva de adiamento de reajustes de preços do transporte urbano em algumas cidades.
O único risco apontado pela autoridade monetária foi o de reajustes acima do esperado nos custos da energia elétrica ao longo de 2017, em decorrência, entre outros fatores, de mudança na bandeira tarifária. De lá para cá, a situação só piorou. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) alterou o regime de verde para amarelo em novembro diante da seca no Nordeste, o que encarecerá o custo da eletricidade já este ano. Além disso, a mudança na política de subsídios da Petrobras às distribuídas de gás pode elevar o preço do botijão.
PESOS NACIONAIS No caso do transporte público, o governo do estado do Rio de Janeiro anunciou que o valor da tarifa será reajustado de R$ 6,50 para R$ 7,50 a partir de 1º de janeiro de 2017. Outra medida será limitar o benefício concedido ao usuário a R$ 150 por mês. Se o passageiro gastar acima desse valor, ele ou o empregador terá de arcar com a diferença. A mudança pode ser feita por decreto, mas a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) precisa autorizar o governo a editá-lo. Para o governo, a economia de será de R$ 256 milhões ao ano.
Outra pressão inflacionária que deve tirar o sono do BC é a elevação da alíquota de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para vários setores no Rio. Um projeto de lei será enviado para a Alerj prevendo que, em residências com consumo de energia superior a 300 quilowatts, o percentual do imposto passará de 25% para 27%. Moradias com dois aparelhos de ar-condicionado, geladeira, micro-ondas e máquina de lavar se enquadram nesse perfil. A cerveja terá 18% de imposto e o fumo, 27%. A medida afetará ainda gasolina, refrigerantes e telefone.
Outro risco ao processo de queda da inflação é a possibilidade de o prefeito eleito de São Paulo, João Dória (PSDB), não conseguir cumprir a promessa de congelar as tarifas de ônibus. Dória espera receber R$ 500 milhões do governo federal para manter os preços, mas o Planalto não está disposto a arcar com mais essa despesa em meio à crise nas contas públicas. A proposta gerou mal-estar no governo do Estado de São Paulo, já que executivos do metrô destacaram que precisam de reajuste em 2017. Além disso, ressaltaram que a medida sempre foi tomada em conjunto com o governo estadual.
Risco para o próximo ano
A economista-chefe da Rosenberg Associados, Thaís Marzola Zara, avalia que a mediana das expectativas de inflação para 2016 cedeu bastante nas últimas semanas até chegar a 6,88%. Entretanto, ela ressalta que a maioria das projeções dos analistas não contava com a elevação da bandeira tarifária da energia elétrica de verde para amarela. Nas contas dela, essa medida adiciona 0,11 ponto percentual à inflação de novembro e deverá impactar as estimativas do mercado. “Tudo isso são riscos à inflação do ano que vem, e o Banco Central precisa monitorar com cuidado os preços sensíveis à atividade econômica. Teremos surpresas pelo caminho”, alerta.
O pior dos riscos, destaca Thaís Marzola, é outros estados decidirem adotar pacotes semelhantes ao anunciado pelo governo do Rio de Janeiro e aumentar alíquotas de ICMS para enfrentar a queda na arrecadação e o crescimento do déficit orçamentário. Também há preocupação quanto aos municípios, que dependem cada vez mais de repasses dos estados e da União para fechar as contas e podem elevar impostos. Entre 2012 e 2015, o superávit primário das 146 cidades com mais de 200 mil habitantes caiu de R$ 18,9 bilhões para R$ 2,9 bilhões, conforme dados do Tesouro Nacional. Além disso, 11 capitais ultrapassaram o limite de gastos com pessoal previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 60% da receita corrente líquida. Essa situação tende a piorar nos próximos anos e a obrigar prefeitos a aumentar impostos, o que terá impacto direto ou indireto sobre a inflação.
Outra pressão ao IPCA, destaca o economista Sílvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, é o ritmo de queda da inflação de serviços. Ele afirma que esse grupo tem mostrado resiliência, mesmo com a forte retração da economia brasileira. Campos Neto ressalta que a inércia inflacionária no país também é enorme, já que os reajustes nos preços de produtos, serviços e contratos levam em consideração a inflação passada. “Esperamos que o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) suba 7% neste ano e 5% em 2017. Mas isso pode mudar se os riscos se transformarem em realidade”, diz.
Se os preços de serviços se mantiverem, o processo de queda dos juros pode ser ameaçado, avalia o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central. Ele comenta que, além desse desequilíbrio, a autoridade monetária deve acompanhar com lupa os efeitos secundários da alta de preços para evitar uma disseminação da carestia. “Seria bastante preocupante se tivéssemos um sinal de que os serviços não estão caindo. Mas ainda é cedo para isso e são necessárias mais evidências”, ressalva.
Dono de uma pastelaria, o comerciante Sidney Martins tem sentido no bolso o reajuste nos preços dos produtos que precisa comprar para fazer o pastel. A especialidade da casa mais um suco custava R$ 3,50 há dois anos e em 2016 já está e R$ 5. “É automático: eles aumentam lá e gente tem que aumentar aqui, senão o lucro vai por água abaixo”, conta. Apesar de a venda de alimentos não sofrer tanto com a crise quanto outros setores, Martins comenta que o faturamento caiu. “Não é apenas o preço alto que prejudica. A maioria das pessoas que costumava comprar aqui está desempregada”, lamenta.