Brasília – Em uma sociedade onde as cadeias produtivas tradicionais estão se deteriorando diante das inovações tecnológicas da era digital e na qual as pessoas buscam qualidade de vida e a realização de sonhos, a economia criativa e colaborativa se consolida como uma opção segura para enfrentar os novos tempos. Não importa se o compartilhamento parte da união de talentos com foco em um mesmo setor ou de um ambiente capaz de abrigar diversas manifestações criativas, ou, ainda, da colaboração espontânea para o financiamento de ideias, o fato é que todos os caminhos levam ao coletivo para driblar o aumento do desemprego e o desmonte do modelo convencional de trabalho.
Não à toa, o mercado da indústria criativa cresceu 90% entre 2004 e 2013, com quase 1 milhão de profissionais formais, de acordo com dados do Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). Apesar disso, no país, o conceito de economia criativa ainda está sendo formado e representa uma mudança radical da cultura industrial fordista, explica a ex-secretária de Economia Criativa do Ministério da Cultura (MinC) Claudia Leitão, professora da Universidade Federal do Ceará (UFCE). “O trabalho está se transformando. As pessoas não priorizam mais carteira assinada ou o serviço público. Estão percebendo que é possível ser feliz fazendo o que gostam, empreendendo, desenvolvendo um setor”, diz.
Num primeiro momento, o impulso parte daqueles que se aposentam e abrem negócios que foram sonhos de infância ou de funcionários que aderem a planos de demissão incentivada e investem no que os faz felizes, ou mesmo de quem perde o emprego e precisa buscar novas fontes de renda. “Agora, já é uma tendência, uma escolha de vida trabalhar com o que faz melhor, agregar valor a uma produção diferenciada. Na verdade, esses setores criativos sempre existiram – alimentos, artes, cultura, moda, design, tecnologia. Nada é novo, mas eles demonstram ao longo das crises econômicas que são mais resistentes do que os tradicionais”, aponta Claudia.
Karita explica que a diminuição de custos com a estrutura do escritório foi relevante inicialmente. O mais profícuo, no entanto, completa, é a colaboração de todos. “A gente desenvolve projetos para outras pessoas, mas quando estamos reunidos as ideias se multiplicam”, afirma.
Efeito catalisador
O conceito de coletivo não é novo, mas foi catalisado pelas tecnologias digitais, explica a professora da Fundação Getulio Vargas (FGV/SP) Ana Carla Fonseca, diretora da Garimpo de Soluções, empresa privada pioneira em economia criativa, com 13 anos de trabalho em 172 cidades de 30 países. A especialista explica que prefere o termo compartilhado a colaborativo. “Colaboração remete a sem fins lucrativos e nem sempre é o caso”, ressalta.
A economia compartilhada, acrescenta Ana Carla, se beneficia das tecnologias digitais ao aproximar oferta e demanda sem a necessidade dos usuais gargalos de distribuição, facilitando a circulação das informações, como negócios como Uber e Airbnb. “No caso da economia criativa, o estopim foram as tecnologias digitais, que elevaram a globalização e a concorrência a níveis inéditos, abrindo um novo leque de possibilidades”, conta.
A professora destaca que as marcas mais valiosas do mundo lidam com as grandes formas de expressão da criatividade humana: ciência e tecnologia (Apple, Samsung) e cultura e a capacidade de criar narrativas (Disney, Coca-Cola). “A economia criativa contempla os produtos e serviços que se baseiam no talento criativo para oferecer diferenciação e valor agregado”, ensina.
Ter uma grande ideia, no entanto, não significa conseguir viabilizá-la das formas convencionais. “O potencial desses novos setores é muito grande, mas não há financiamento tradicional para esse nicho”, alerta Claudia Leitão, da UFCE. Para suprir essa carência, surge também uma nova forma de colaboração. O chamado crowdfunding, que nada mais é do que as pessoas apostarem em projetos e o financiarem por meio de uma plataforma digital.
A angústia de ver projetos brilhantes não saírem do papel provocou o empreendedorismo social em Candice Pascoal, fundadora e presidente da Kickante, plataforma de financiamento coletivo. Operando há três anos, a empresa já catapultou mais de 25 mil campanhas e arrecadou R$ 28 milhões. “Eu tinha visto crowdfunding nos Estados Unidos e Europa e decidi trazer para o Brasil. O financiamento coletivo está apenas começando no país”, afirma.
Até hoje, mais de 700 mil brasileiros se engajaram apoiando projetos. “Isso é incrível para a cidadania do país. São milhões de pessoas que precisam e outros tantos dispostos a ajudar”, comemora Candice. O crescimento do negócio da Kickante, que triplica a cada ano, mostra que há demanda e também disposição em colaborar. “Temos pessoas que já investiram em 70, 80 projetos”, conta.
A Kickante tem dois tipos de campanhas. Na Tudo ou nada, o empreendedor só leva o valor arrecadado se alcançar sua meta, senão o dinheiro é devolvido aos colaboradores. A empresa só cobra a taxa de 12% se o objetivo for alcançado. Na campanha Flexível, é possível ficar com a arrecadação independentemente de ter atingido a meta. O que muda é a taxa da Kickante, que aumenta para 17,5% se o valor estipulado não for alcançado.
“Os projetos são na área de empreendedorismo, mas tem de tudo, os brasileiros são muito criativos. Infelizmente, não temos no país a quantidade de apoio necessário para tirar todos os projetos do papel”, assinala Candice. Uma das maiores arrecadações via Kickante foi para o projeto Rancho dos Gnomos, uma instituição pequena para abrigar animais. “Foi mais de R$ 1 milhão, 100% força do coletivo”, celebra a presidente da companhia. As categorias com maior arrecadação em 2015 foram ONGs, música, literatura e meio ambiente. Já os setores com maior número de campanhas no ano passado foram educação, pequenos negócios, saúde e bem-estar.