Brasília – Alvo de todas as discussões, críticas e comentários sobre a reforma que deve mudar as regras para a aposentadoria de sete em cada 10 brasileiros, o secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, detalha os pontos fundamentais da proposta anunciada no início do mês. Ele reforça que o déficit na Previdência é elevado e crescente e avisa que a idade mínima de 65 anos é “a mudança mais relevante” da reforma. Em pouco mais de duas décadas de experiência profissional com o tema, Caetano conta que participou de várias discussões nos governos Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Ele torce para que a proposta enviada ao Congresso Nacional seja aprovada até o meio do ano que vem. De preferência, sem muitas modificações, porque é preciso manter a essência do projeto. “Se começar a mudar muito, perde consistência”, afirma. Só assim, afirma, será possível garantir a estabilidade das despesas públicas com a Previdência. Longe da pretensão de acabar com o rombo previdenciário, o objetivo da reforma é “conseguir estabilizar um pouco o nível da despesa” entre 8% e 9% do Produto Interno Bruto (PIB). E o déficit ficaria entre 1,5% a 2% do PIB com a aprovação da reforma. Pronto para defender, sem fugir da raia, as questões responsáveis por essa economia, mas que causaram alvoroço ao serem anunciadas, o lema do homem por trás da Previdência é que ele não busca popularidade, mas a credibilidade. Na visão de Caetano, mais importante do que ser admirado é ter a confiança dos brasileiros em relação à necessidade do projeto que está sendo proposto. “Se não fizermos a reforma agora, uma mais dura será sugerida mais para a frente. Não tem mais como fugir”, garante ele, que reconhece que também será afetado pela reforma. Confira os principais trechos da entrevista exclusiva concedida pelo secretário:
Você está no olho de um furacão. Está preparado para isso?
Eu me sinto bem. Eu acho que é um desafio interessante. Quando fui convidado, claro que sabia que era para chefiar uma equipe que ia reformar a Previdência e a gente já havia passado, nesses anos, por várias reformas, que foram importantes, mas não foram suficientes.
A reforma tem sido criticada, segundo especialistas, por penalizar os mais pobres. Isso de fato ocorre?
Quando vai se propor qualquer reforma, vai ter muita crítica. Pega um exemplo. Quando eu era mais jovem, não precisava usar cinto de segurança no banco da frente. E eu me lembro que foi uma discussão enorme, que, de repente, botar o cinto poderia até prejudicar a pessoa, ela ficar presa, enfim. Se para uma coisa mais simples como essa já houve discussão enorme, imagine quando vai fazer uma proposta da Previdência. Estamos propondo uma reforma que procura o máximo possível harmonizar as regras, unificar as regras, não só de servidores, entre homens e mulheres e alguns grupos. O espírito geral da reforma é esse. E o que acontece é que justamente essas pessoas mais pobres se aposentam hoje aos 65 anos de idade. É uma idade que já existe, para aposentadorias. Tudo bem que não vale para mulheres, mas para os homens já é 65 anos de idade. E também outro fator é que a gente manteve o piso da aposentadoria no salário mínimo. Então, não me parece razoável esse tipo de consideração de que se penaliza os mais pobres.
Mas ele vai ter que contribuir por mais tempo...
Mas, veja, a gente está unificando. Tem dois benefícios programados. Tem aposentadoria por idade e tem aposentadoria por tempo de contribuição. E a gente está juntando tudo em um benefício só, que seria uma nova aposentadoria por idade. Se for ver, em relação à aposentadoria por tempo de contribuição, que são 35 anos para homem e 30 para mulher, mas sem o limite de idade, isso está deixando de existir e entra para o limite de 25 anos de tempo de contribuição. Se for imaginar, 65 anos de idade, a pessoa começa a trabalhar ali na faixa dos 20 e alguma coisa, a gente está imaginando que é metade do tempo de vida laboral da pessoa com uma regra permanente que ela precisaria contribuir para ter direito ao benefício. Não me parece uma coisa absurda propor 25 anos de tempo de contribuição.
Mas aí penaliza quem começou a trabalhar mais cedo...
A fórmula de cálculo do benefício faz esse ajuste. A gente tá propondo a fórmula de cálculo que é aquele 51% mais um ponto percentual. Se a pessoa contribuiu por período maior, vai ter benefício maior. Se ficou entrando e saindo do mercado de trabalho, coloca mais ou menos metade do tempo, contribuindo dos 18 aos 65, ela vai ter um benefício ajustável a isso. De todo jeito, esses ajustes, de ficar maior ou menor, a gente está tendo o piso de salário mínimo. Então, as pessoas que estão com nível salarial mais baixo ficam no salário mínimo. Estou falando no referente às aposentadorias, não às pensões.
Isso não foi discutido?
Bem, o que acontece é que a aposentadoria tem um caráter de reposição de renda. Então, a gente interpreta isso como algo que deve permanecer. A pensão não. Ela serve mais como seguro, mas a aposentadoria tem caráter de reposição de renda.
Quando você anunciou a proposta, falou em economia de R$ 675 bilhões apenas no INSS...
Isso no fundo tem que tomar cuidado. Isso é o total que vai se acumular em 10 anos de reforma.
Vocês fizeram projeções para fluxo de caixa disso?
Sim. Isso, no fundo, é um resultado de fluxo, não resultado da soma. A soma é resultado dos fluxos, tem projeção de fluxos. No início, a reforma tem impacto que não é tão forte. Então, o primeiro ano, 2018, R$ 5 bilhões de redução de gastos e o valor vai aumentando ao longo do tempo. A mudança da fórmula de cálculo do benefício vai ter efeito mais lá para a frente. No início, não. Porque, se você for comparar a forma de cálculo de benefício que existe hoje com o que nós estamos propondo, o que acontece é que hoje as pessoas se aposentando pelo fator previdenciário ou pela 85/95, que vai subindo para 90/100. Então, se você for ver, alguém que ia se aposentar com 35 anos de contribuição vai ter, na nossa proposta, uma reposição de 86%, enquanto, se pegar pelo fator previdenciário, essas pessoas teriam reposição na faixa de 70%. Então, estarão se aposentando com benefício até maior.
E os servidores? As regras são mais duras para o trabalhador da iniciativa privada?
Eu não sei de onde tiraram isso. É o seguinte: a gente tem um regime diferenciado. Tem diferenças entre servidor e não servidor, tem diferença de homem e mulher, entre outras. Então, estou usando pontos de partida completamente distintos. Não posso jogar todo mundo na mesma regra de transição. Por exemplo, se eu pegar a regra atual do jeito que está, sem mudanças, eu tenho ainda direito a paridade integralidade, porque ingressei no serviço público antes de 1998. Pelas regras atuais, mantenho isso. Mas perco quando faço as novas regras, porque tenho menos de 50 anos. Entro na regra permanente. As pessoas não veem isso. Como você tem vários pontos de partida distintos, não vai conseguir fazer uma regra de transição igual para todo mundo.
Então mesmo quem ingressou antes de 1998 e tem menos de 50 anos, no caso de homens, e 45, mulheres, vai perder?
Sim, entra na regra nova. As regras de transição existem só para quem está com 50 ou mais, 45 ou mais.
Existe déficit na Previdência?
Tem um déficit da Previdência Social e tem um da seguridade social. Esses números que a gente está divulgando, que no ano passado bateu na faixa de R$ 86 bilhões, este ano deve ficar na faixa de R$ 150 bi e ano que vem na de R$ 180 bi, esses números se referem especificamente ao déficit do RGPS (Regime Próprio de Previdência Social). O que a gente está considerando nesse déficit? O que as pessoas recolhem ao INSS. Além dessa contribuição, tem a contrapartida do seu patrão. Pegando o déficit do INSS, estou considerando isso, o que arrecadou e o que gastou. E outro conceito que existe é do orçamento da seguridade social. Aí entra também saúde e assistência social, por exemplo, o BPC (Benefício de Prestação Continuada) da Loas (Lei Orgânica de Assistência Social). Todo o gasto com saúde, Bolsa Família, abono salarial está no orçamento da seguridade, não da Previdência. Claro que quando considera o orçamento da seguridade social, quando pega o lado da receita, não pega somente a receita do INSS. O Ministério do Planejamento disse que tem déficit de R$ 243 bilhões acumulado até outubro. Esse é o número oficial.
Com essa reforma, o déficit acaba?
Não, não acaba. O que a gente consegue fazer é estabilizar um pouco o nível da despesa. Estabilizaria na faixa de 8% do PIB. Se a despesa se estabilizar, o déficit também se estabilizaria na faixa de 1,5% a 2% do PIB, por aí.