Brasília – O economista Ernesto Lozardo, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é categórico ao afirmar que, com a reforma da Previdência, o brasileiro vai entender o que é capitalismo de mercado. “O Brasil tem em mente a política de Estado, que o Estado favorece. Gostamos do capitalismo de Estado. Só que esse capitalismo é socialmente irresponsável”, afirma. Lozardo é um dos principais conselheiros do presidente Michel Temer. A missão do governo, segundo o especialista, é fazer as reformas de que o país precisa e usando da prudência. Ele avisa que a idade mínima para a aposentadoria proposta no projeto de reforma da Previdência “é inegociável” e destaca que se a União não resolver, de maneira adequada, a crise fiscal, não se conseguirá solução para o problema do desequilíbrio entre receitas e despesas dos estados. “A União não tem dinheiro para salvar estados e municípios. Não tem dinheiro para salvar ninguém na verdade”, afirma. O economista acredita que a taxa básica de juros (a Selic, que remunera os títulos do governo no mercado financeiro e serve de referência nas operações dos bancos e do comércio) encerrará 2017 em 9,5% ao ano, visto que o Banco Central intensificou a queda do indicador, hoje de 13% ao ano, devido à redução do risco fiscal e ao recuo da inflação. A seguir, trechos da entrevista concedida por Lozardo ao Estado de Minas.
O senhor acompanhou o programa de concessões de infraestrutura no governo Dilma e agora atua num projeto em outras bases. O que mudou?
Houve uma mudança radical. O governo está recuperando a lógica econômica do investimento. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tem participação importante na avaliação dos projetos e no financiamento, mas certamente o mercado de capitais terá sua parcela. A atual gestão traz aos investidores uma racionalidade maior, com projetos melhor elaborados, o que é fundamental para qualquer investimento. Outro ponto relevante é como atrair investimento no mercado internacional para os projetos de infraestrutura. Tudo isso está indo na direção de se ter uma orientação mais racional, tirando a responsabilidade pública do financiamento e colocando mais a responsabilidade pública na designação das prioridades.
Mas há lentidão nesse processo...
A lentidão tem uma razão própria, já que dentro de um prazo de 10, 20 ou 30 anos temos de ter a certeza de que o país é uma economia estável. Ninguém vai investir numa economia instável. O papel do governo Temer é a realização das reformas, o que é difícil, e ele assumiu com muita coragem. Isso significa ganhar sob o ponto de vista macroeconômico maior produtividade para a economia brasileira. Há dois pilares dessa produtividade: o custo do capital e o custo da produção. Temos de reduzir isso com as reformas, tanto fiscal quanto previdenciária, que são cruciais para reduzir o custo do capital. Os juros são altos por culpa do risco do setor público. O realismo econômico vem com as reformas que estão sendo propostas e isso dará ao Banco Central a certeza de que estamos saindo da dominância fiscal, afastando o risco. A razão de o BC estar agora acelerando a queda dos juros é por isso.
E a resolução da crise dos estados?
Se o Estado federal não resolver, de maneira adequada, a crise fiscal, muito menos resolverá a dos estados. A União não tem dinheiro para salvar estados e municípios. Não tem dinheiro para salvar ninguém, na verdade. Segundo, a reforma da Previdência também será demandada pelos estados. A crise nos estados reflete muito mais o gasto com pessoal, fundamentalmente é isso. Educação, professores, assistência, e também a previdência dos estados. O Ipea está envolvido em tudo o que estamos falando. Está assessorando o governo tanto na área federal, quanto na estadual. Terá que haver uma porta de saída dos estados e é nessa porta que estamos trabalhando.
A saída para a União e os estados estaria na área de Previdência ou é global?
Seria global. A porta de saída envolverá projetos de lei e forma legal de buscar uma solução. O que me deixa muito esperançoso nisso tudo é que os Estados Unidos entraram na crise financeira, que depois se tornou uma crise fiscal, em 2008 e, somente agora, estão saindo disso e voltaram a crescer de forma robusta, de 2016 para 2017. O Brasil vai voltar a crescer com essas mudanças, já a partir do ano que vem.
Para isso, será necessário reduzir os custos...
Como eu disse, se não houver reforma fiscal e previdenciária, os juros vão para o imponderável. Teremos sempre uma inflação mais alta, incontrolável, e, consequentemente, os juros serão incontroláveis. Para dar consistência e estabilidade aos juros, temos de conquistar estabilidade na inflação. O custo da produção requer outra reforma: a tributária e dos acordos trabalhistas. Seria demagogia propor reforma tributária sem ter acertado a reforma fiscal e previdenciária. Elas estão intimamente ligadas.
Mas a reforma fiscal, por enquanto, foi só a PEC do Teto, que não fica em pé sem a reforma da Previdência. E a reforma administrativa anunciada menciona economia de R$ 200 milhões, o que é pouco...
Urgente é, sim, a reforma administrativa. Existem mais de 200 mil cargos públicos. É um absurdo. O Ipea está envolvido nesse estudo. Haverá proposição para tornar o Estado mais eficiente. Mas não dá para fazer tudo ao mesmo tempo. Prefiro primeiro terminar a reforma do custo do capital, ou seja, investimento, para depois reformar o custo da produção. Feito isso, os componentes macroeconômicos serão mais estáveis e previsíveis.
Quais são?
Inflação, taxa de câmbio, taxa de juro real e a taxa de salário real. Com esses quatro componentes macroeconômicos previsíveis, estáveis, então, eu posso falar de crescimento acima de 2%, 3% ao ano seguramente. Também poderei falar da retomada de investimento em infraestrutura com uma taxa de juros muito menor, estável e previsível. Hoje não tenho ainda. Estamos numa fase de construção dessa economia mais produtiva. O Brasil não tem como crescer sem aumentar a sua produtividade. A única fonte fundamental para o Brasil voltar a crescer de forma estável é essa. Se não quadruplicarmos a taxa atual de produtividade, o Brasil não tem como crescer acima de 2,5% ao ano. Hoje, a nossa taxa de produtividade é 0,5% ao ano.
Quanto à reforma da Previdência, é perceptível no Congresso o desejo de mudar o texto, em especial, a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres. Até onde vai a disposição do governo de negociar?
Não dá para mexer na idade mínima. Essa questão demográfica brasileira é gravíssima sob a ótica da Previdência. A população idosa vai crescer a mais de 3% ao ano e a jovem ao um ritmo inferior a 1%. Haverá menos jovens entrando no mercado de trabalho e mais idosos. Essa sociedade jovem não vai conseguir sustentar a de idosos. Por isso, a idade mínima é crucial. É a maior barreira para a sustentabilidade da Previdência. Porém, o que devemos ter em mente é que, pela primeira vez, a questão da Previdência virou agenda nacional. Nunca esteve. Isso é que é importante. O Brasil tem em mente a política de Estado, que o Estado favorece. Gostamos do capitalismo Estado. Só que esse capitalismo é socialmente irresponsável. Sempre foi. A história mostra isso. Sempre quem pagou a conta foi a sociedade, com mais inflação, mais incerteza e desemprego, foi isso. Agora, a sociedade está vendo que aquele Estado não funciona e não funcionou.