Em 2009, eram algumas centenas de amigos fantasiados cantando marchinhas nas ruas de Belo Horizonte. Oito anos depois, o carnaval moleque e despretensioso da capital mineira toma proporções de um negócio milionário. Além dos blocos de rua, que são reconhecidamente as estrelas da festa, a folia belo-horizontina atrai patrocínio de multinacionais, conta com eventos privados durante os dias de folia e a apresentação de artistas de renome nacional, que, em outros carnavais, eram vistos apenas no eixo Rio-Bahia. Entre recursos públicos e privados, o investimento na festa momesca em BH ultrapassa R$ 11 milhões.
Se algum tempo atrás a capital ficava às moscas durante o carnaval, agora, o folião tem, além da programação de rua gratuita, um cardápio efervescente de eventos fechados e pagos. Há ingressos que chegam a custar R$ 180. “O carnaval está demandando outras opções de quem não quer ir para a rua. Esses shows chegam para somar”, comenta a diretora artística do Festival Carnavália, Carol de Amar. O evento, que ocorre de sábado a terça-feira no Parque das Mangabeiras, vai contar com shows de Nando Reis, Os Paralamas do Sucesso e Karol Conka, entre outros.
“Seria uma loucura trazer essas atrações num outro momento”, comenta Carol, ao explicar que a proposta é mesclar atrações que fujam também do esperado para o carnaval. A expectativa de público é de 6 mil pessoas por dia e o investimento alcança R$ 1,5 milhão, sendo R$ 600 mil em cachês. As bandas dos blocos de rua de BH são presença obrigatória, segundo ela. “A essência do carnaval são eles”, destaca. A diretora artística ressalta que parte significativa dos ingressos, encontrados a partir de R$ 60, tem sido vendida para foliões de São Paulo.
No Mirante Olhos D'Água, Zona Sul da capital, haverá eventos em cinco dias, com atrações a exemplo de Wesley Safadão e Tuca Fernandes, ex-vocalista do Jammil e Uma Noites. “A gente sabe que a prefeitura não consegue oferecer a estrutura que deveria ter na rua para um evento gratuito, então abriu a demanda para eventos com mais segurança. E conseguimos trabalhar com grandes atrações”, reforça o produtor da Box Entretenimento, Eduardo Brandão, que está preparando seis eventos durante o carnaval de BH.
“Quando ligávamos cotando um artista, conseguia até mais barato. Entenderam que BH entrou na rota”, reforça Brandão, que produz eventos durante o carnaval pelo quarto ano. Os cachês pagos para as atrações somam R$ 2,5 milhões. O investimento total ultrapassa os R$ 4 milhões e o público estimado chega a 40 mil pessoas. O crescimento da folia deu maior peso para a negociação com fábricas de bebidas que patrocinam o evento. “A negociação é maior que o dobro do último ano”, afirma, sem revelar cifras.
Da rua para os palcos, blocos de carnaval de BH se profissionalizam e entram no mercado do carnaval por meio da formação de bandas. Uma das mais demandadas nesse período é a Banda Brilha, braço comercial do Bloco Então, Brilha. Durante o período de pré-carnaval e no carnaval, a formação de 13 músicos fará oito apresentações em eventos fechados. “Os músicos são profissionais que vivem de música e participam do bloco, fomentando a qualidade musical e artística. A banda é o espaço em que existe uma relação mais próxima com o capital”, destaca Di Souza, músico da Banda Brilha e maestro do bloco.
O Então, Brilha é um dos mais procurados blocos de BH e desfila no sábado de carnaval, com mais de 250 ritmistas. “É quando não existe uma dominação do capital. Há a construção coletiva de muitas pessoas somando nessa festa”, reforça. Apesar do sucesso da banda, segundo Di Souza, ainda não dá para se sustentar somente com ela. “Recebemos dignamente pelo trabalho, mas estamos longe de viver dele”, ressalta o músico, que prefere não revelar o cachê cobrado.
Forma de patrocínio alimenta polêmica
O crescimento do carnaval de Belo Horizonte chama a atenção da iniciativa privada e atrai o patrocínio de multinacionais. A gigante AmBev, fabricante e distribuidora de bebidas, investe pelo quarto ano na festa momesca de rua em BH e apoia 20 eventos que ocorrerão na cidade durante o carnaval. O valor exato não é revelado, mas pode ter chegado a quase R$ 2,5 milhões. O formato do patrocínio, entretanto, ainda é alvo de críticas por parte dos blocos de rua. Uma das questões mais polêmicas gira em torno da exclusividade da venda de bebidas da marca patrocinadora, além da associação dela à imagem dos blocos de rua. O assunto foi alvo de manifesto dos blocos de rua, que cobram maior participação nas definições sobre investimentos privados na festa popular.
“A festa vai ganhando uma dimensão, uma responsabilidade muito grande. Sou a favor do investimento público no carnaval, por cumprir uma função social importante, entendendo como investimento em cultura”, observa o antropólogo e folião Rafael Barros, integrante do Filhos de Tcha Tcha. Ele afirma que, uma vez que o poder público decide aceitar patrocínio, é preciso discutir esses termos com a população. “Esse investimento deveria potencializar os ganhos para a cidade e para a festa. Afinal, a empresa está explorando a imagem do carnaval e dos blocos durante um mês”, afirma.
O gerente de marketing regional da AmBev em Minas Gerais, Maurício Landi, ressalta que a empresa tem mantido contato próximo com blocos e preza pela característica da festa popular em BH. “Uma das nossas frentes é fomentar a cena local. Reconhecemos como importante essa característica democrática e heterogênea do carnaval de BH”, afirma. Sobre a exclusividade da venda de bebidas da marca, ele afirma que se trata de item previsto no edital e, como investidora não haveria o interesse da empresa de ver marcas concorrentes sendo vendidas pelos ambulantes. “O folião pode comprar a marca que ele quiser nos bares, no supermercado, levar de casa”, diz.