Brasília – No plenário 2 da Câmara dos Deputados, onde têm sido feitas as reuniões da comissão especial que discute a reforma da Previdência, cabem 150 pessoas, mas a sala sempre apresenta ocupação um pouco acima da capacidade. Em geral, são 37 integrantes titulares do colegiado, sem contar os outros 37 que os substituem. Entre os 74 membros, só há uma mulher, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Foi nessa sala que o relator da proposta, Arthur Maia (PPS-BA), questionou a regra que permite às mulheres se aposentar antes dos homens, como é feito hoje. “A mulher que é solteira, que não se casou e não tem filho, por que ela vai ter uma diferença em relação ao homem?”, indagou.
Em geral, o argumento usado pelos defensores da proposta do governo, que prevê idade mínima de 65 anos e 25 de contribuição para requerer a aposentadoria, independentemente do gênero, é de que, atualmente, não faz mais sentido fazer essa diferenciação. Principal articulador da reforma no governo, o secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, se orgulha de propor uma reforma “igual para todos”, defendendo que é esse o modelo que os outros países, em especial os da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Alemanha, Islândia e Noruega, por exemplo, adotaram idade mínima de 67 anos para os dois sexos.
“Se a proposta é machista, o mundo todo é”, declarou Caetano. A aposentada Raimunda Souza, de 72 anos, concorda com o argumento do secretário. Homens e mulheres, na opinião dela, devem ter deveres e obrigações iguais. Por isso, Raimunda é favorável à mesma regra para a aposentadoria, embora considere 65 anos muito tarde para ambos. “Eu me aposentei aos 60 e acho que essa deveria ser a idade para todo mundo. Precisamos ter tempo para descansar e aproveitar depois de tantos anos de trabalho”, argumenta.
A expectativa de vida da mulher é maior que a dos homens em sete anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O problema nessa consideração é que, ao se dedicar à mesma jornada do homem fora de casa, a mulher, a rigor, trabalha quase o dobro, quando se levam em conta os afazeres dentro de casa. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) constatou que, enquanto as mulheres gastam, em média, 26,6 horas semanais com serviços de casa, os homens gastam 10,5 horas.
Quando têm cinco ou mais filhos, elas chegam a trabalhar quase cinco horas por dia em casa, sem contar o tempo que gastam no emprego. Não é o ocorre com os homens. Eles dedicam, em média, uma hora por dia às tarefas domésticas, independentemente do tamanho da família ou de estar desempregados ou não. Quando se casam, trabalham ainda menos — e as mulheres, coincidentemente, ainda mais.
“Elas têm, culturalmente, o peso sobre si do cuidado da família. E independemente de ter filho ou não, como diz o relator, mulher tem dupla, tripla jornada”, comenta a única mulher integrante da comissão especial, deputada Jandira Feghali (PcdoB-RJ). Para ela, é essencial analisar de forma igualitária os dados da OCDE e do Brasil, e não apenas os que interessam ao governo divulgar.
“Se é para comparar com países europeus, que se observe também os outros termos. No Brasil, além das cargas horárias maiores, mulheres têm salários menores”, lembra. Segundo o censo mais recente do IBGE, feito em 2010, a renda mensal bruta das mulheres é de R$ 1.217 por mês, menos de três quartos da média entre os homens, de R$ 1.673.
DURA ROTINA
Ciente dos obstáculos a mais que enfrenta por ser mulher, a atendente de lanchonete Janete Sousa, de 40, acha que 65 anos é idade avançada para se aposentar. “Com a rotina corrida que tenho, vou chegar nessa idade bem estressada. Hoje, não consigo ter uma vida, eu sobrevivo. Durmo cinco horas por dia. Espero, na aposentadoria, ter tempo de descansar e aproveitar um pouco da vida”, desabafa. Atualmente, ela concilia dois trabalhos, sai de casa às 6h e só volta às 23h, quando ainda precisa arrumar a casa. “Chego em casa e só penso em dormir. Sempre fica uma parte malfeita em casa ou no trabalho”, admite.
O argumento de que os salários mais baixos das mulheres, em média, prejudicam a posição delas no mercado de trabalho é reforçado por um estudo do Fórum Econômico Mundial, publicado em 2015, que concluiu que o mundo só alcançará a igualdade de gênero no mercado de trabalho em 2095. O Brasil está na posição 124, entre 142 países, no ranking de igualdade de salários por gênero — em nada parecido com o grupo de países ricos que o governo insiste em comparar ao sugerir a equiparação. (Colaborou Marlla Sabino)