Outra longa jornada começa, agora pelos trilhos, em direção ao Porto de Santos (SP), destino que vai impor mais 36 exaustivas horas até que os navios graneleiros estejam carregados e os trens prontos para o retorno. Na contramão da rotina de percalços, o Brasil festeja a produção recorde de 224,2 milhões de toneladas esperadas neste ano, desconhecendo o caminho de risco e perdas embarcado sobre uma infraestrutura deficiente.
As baixas já começaram a surgir e os prejuízos não se limitam aos efeitos da chuva e do atoleiro que os brasileiros viram pela TV na BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), dando acesso à produção de soja aos portos do Norte. A esse gargalo crítico para a distribuição e o embarque sobretudo de soja e milho produzidos nas novas fronteiras agrícolas do país, juntam-se obstáculos em série e que ganham mais projeção num ano em que o agronegócio promete salvar a economia brasileira de novo retrocesso.
Os produtores e a indústria da logística lutam para reduzir o impacto de uma cadeia de problemas, desde a baixa oferta e deterioração de armazéns, além do crédito caro para estocagem nas fazendas. As dificuldades passam, de fato, pelas estradas esburacadas ou sem manutenção adequada, mas existe ainda pouca oferta de terminais multimodais que preparam as cargas para o trem, e, por último, há um conjunto de deficiências nos portos, sem contar a escassez de recursos destinados às hidrovias.
No polo agrícola do Noroeste de Minas Gerais, a falta de investimentos no asfalto, por si, eleva em mais de 30% o custo de transporte da soja produzida em União e região ao porto seco de Pirapora, distante 450 quilômetros, reclama José Carlos Ferigolo, diretor de Agricultura do sindicato local dos produtores rurais. De Pirapora, toda a soja segue por ferrovia para ser embarcada ao exterior no Porto de Tubarão (ES). “Estamos num momento de muita cautela não só com o escoamento da produção, mas também com o volume baixo das chuvas. Como a condição do armazenamento está aquém do que precisamos, contamos é com o escoamento”, afirma.
Vem de longa data o pedido, sem sucesso, dos produtores para que o poder público invista no asfaltamento da estrada que liga Brasilândia a Buritizeiro, obras que poderiam, segundo Carlos Ferigolo, reduzir em 220 quilômetros a rota das carretas de grãos até Pirapora. O tempo de despacho da soja, ainda durante a colheita, é crucial para que os produtores evitem represamento do grão quando chegar o momento de despachar o milho das fazendas. A má qualidade do pavimento das rodovias impõe perdas estimadas em R$ 3,8 bilhões por ano ao Brasil, segundo estudo encomendado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT).
EM CIMA DO CAMINHÃO A dependência também alta do transporte rodoviário afeta os produtores de açúcar, que trabalham com números históricos de produção em Minas, estimada em cerca de 4 milhões de toneladas neste ano, de acordo com o presidente da Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (Siamig), Mário Campos. Com o início da safra em abril, as deficiências do sistema de escoamento preocupam, uma vez que o produto passará a competir com os grãos pela logística de distribuição.
Ao redor de 70% do açúcar produzido no estado é despachado por modal rodo-ferroviário ao custo de R$ 110 a R$ 120 por tonelada, em média, somente com o frete pago pelas usinas até o porto de Santos, informa Mário Campos. “A super safra vai exigir mais do sistema logístico. Assistimos a uma deterioração das estradas, à exceção de rodovias federais que foram concedidas à iniciativa privada. Algumas estradas estaduais estão ficando muito ruins e podem atrapalhar”, afirma.
Campos diz que impactos sobre a produção no polo do Triângulo Mineiro podem vir em razão das más condições da Brs 427, entre Uberaba e Conceição das Alagoas; 365, de Uberlândia ao trevo de Ituiutaba e 255, que liga Frutal a Iturama. Os problemas no asfalto se avolumam, como observa Jeferson de Gaspari, diretor administrativo e financeiro do grupo usineiro CMAA/Vale do Tijuco, se considerados a limitação da frota, caminhoneiros descapitalizados e os investimentos restritos nas ferrovias e hidrovias.
“A primeira grande dificuldade está na dependência do modal rodoviário. Cerca de 70% da nossa produção é inteiramente escoada pelas estradas a um custo relevante”, afirma. O transporte por caminhão ao longo dos 800 quilômetros que separam a usina do Porto de Santos custa ao redor de R$ 150 por tonelada. No modal misto com a ferrovia, os gastos cairiam R$ 30 a R$ 40 por tonelada de açúcar, nas estimativas de Gaspari.
CALAMIDADE Estima-se que cerca de dois terços da soja brasileira seja transportada por rodovias e 9% por meio de hidrovias, quando nos Estados Unidos, grande concorrente do Brasil no mercado internacional, esses percentuais sejam, respectivamente de 20% e 49%. Para Roberto Simões, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), as deficiências do escoamento agrícola se comparam a uma calamidade.
Simões lembra a precariedade das estradas vicinais, num cenário de penúria financeiras das prefeituras encarregadas da manutenção dessas vias. “A perda do produto agrícola no Brasil é altíssima em rodovias precárias. Aqui os modais de transporte estão muito em cima do caminhão, diferentemente dos Estados Unidos, da China e da própria Argentina”, afirma.