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Não, não teve papelão – ao menos não literalmente. No cerne da polêmica reação à Operação Carne Fraca, que desmantelou esquema fraudulento entre fiscais e frigoríficos, o uso de papelão em meio à carne moída não aparece na decisão do juiz Marcos Josegrei da Silva, da 14a Vara Federal de Curitiba, que autoriza o cumprimento dos mandados de prisão e busca e apreensão.
O Estado de Minas obteve o relatório de 356 páginas, em que não há qualquer menção àquela irregularidade. Sobram, em contrapartida, indícios graves sobre as práticas criminosas.
Enriquecimento ilícito de fiscais, com pagamento de propina em forma de dinheiro, apartamentos, propriedade rural e até mesmo carros de luxo estão entre as denúncias.
Detalhes sobre a maquiagem de carnes vencidas e práticas proibidas para aumento do lucro também estão descritos. As investigações colocaram em xeque o sistema de fiscalização sob o comando de Daniel Gonçalves Filho e Maria do Rocio Nascimento, considerados chefes do esquema fraudulento.
Veja as principais partes do despacho do juiz Marcos Josegrei da Silva
Produto ou embalagem?
O áudio da conversa entre o gerente de produção do frigorífico BRF, Luiz Fossati, e um funcionário, divulgada pela Polícia Federal e rebatida pela empresa, não é mencionada no despacho do juiz. Daí pode-se concluir que ela até fez parte da investigação preliminar, mas não ajudou a fundamentar as prisões. A BRF, empresa mencionada, se defende dizendo que trata-se, na verdade de uma conversa sobre a embalagem do produto, não sobre o conteúdo.
Para fugir da fiscalização
No relatório o juiz aponta que para tentar burlar possível fiscalização eram adotadas algumas estratégias, como trabalhar em horários alternativos, durante a noite. Há, por exemplo, a utilização da carne de cabeça na fabricação de linguiça, prática vedada. Presunto considerado “mais ou menos putrefato” foi normalmente usado, já que foi considerado sem cheiro ruim, o que poderia inviabilizar seu aproveitamento. “Outras substâncias”, como relatado pelo juiz, também foram utilizados na fabricação dos produtos.
Água no frango
Outro aspecto destacado pelo juiz é a reembalagem de produtos inadequados para o consumo feita por funcionários da BRF S.A. Um dos fiscais teria descoberto a venda irregular dos produtos no frigorífico. Entre as não conformidades apontadas por ele está também a absorção de água em frangos em índices acima dos permitidos. Por ter sido descoberta, a empresa estaria “articulando a remoção da fiscalização” junto à Superintendência do Ministério da Agricultura do fiscal Antônio Carlos Prestes, que teria descoberto o esquema.
Propina, carnes e luxo
Quanto ao esquema de pagamento de propinas para facilitar eventuais problemas na fiscalização ou mesmo evitar que elas fossem realizadas, os donos dos frigoríficos pagam a propina em dinheiro, carros de luxo e até em carne. Os chefes do esquema Daniel Gonçalves Filho e Maria do Rocio Nascimento aparecem em conversas negociando até “asinhas”.
Enriquecimento suspeito
Em outro trecho da decisão, o juiz afirma que a quantidade de dinheiro e bens acumulados no período por Daniel deixam claro que ele recebia propina, já que bens superavam a expectativa de renda da família. “Tal fato, aliado à grande quantidade de dinheiro em espécie declarada por Daniel e seus familiares, bem como o indício da compra de carros de luxo em dinheiro,transparecem a ilicitude das quantias por ele recebidas”.
Salmonela na mortadela
O próprio juiz se espanta com a naturalidade com que os envolvidos no esquema tratam da utilização de carne contaminada na produção dos derivados. Em um trecho o juiz afirma que “chega a causar náuseas” a forma como é definida a utilização de carne de peru com salmonela para fazer mortadela. Os fiscais Carlos Cesar e Carlos Augusto Goetzke aparecem em diálogos dizendo que precisariam ir até o frigorífico Santos para liberar a carga de 18 toneladas de carne, mesmo sabendo que elas estavam contaminadas. O produto seria, por fim, usado para ser misturado e usado para o embutido.
Dedos no pacote
Para nomear as propinas, por vezes, os investigados usavam de apelidos para disfarçar o trato das irregularidades. Maria do Rocio usa o termo “dedos” para se referir à quantia em dinheiro vivo que receberia para fazer liberações. Em uma das conversas interceptadas, Flávio Cassou afirma a Maria que os “dedos” eram para uma terça-feira, mas ele teria conseguido adiantar e os colocariam dentro de um pacote a ser entregue na casa dela.
Diálogo
No trecho abaixo, Maria conversa com Roberto Mulbert do Frigorífico Big Frango sobre a utilização de embalagens antigas. No trecho ela afirma que é possível a prática e recebe como pagamento o corte de frango. O que chama atenção que, mesmo sabendo das irregularidades, ela aceita receber dos produtos como forma de “pagamento”.
ROBERTO: Tem muita sobra de embalagem. Eu tenho 730 mil reais de embalagem. Eu consigo, minha pergunta é essa, por isso que eu liguei para a senhora, eu consigo prorrogar o prazo de uso dessas embalagens?
MARIA: Quando é que elas vencem?
ROBERTO: Elas vão vencer na próxima segunda-feira.
MARIA: Refaz! Refaz e explica o por quê. Justifica porque o senhor está solicitando, o (ininteligível) mercado ou alguma coisa. Entendeu? Que eu passo pro setor verificar isso para nós. Que você já tem aprovação e eu não vejo problema nenhum em aumentar teu período, né?(…)A partir de 3’53’’
ROBERTO: Recebeu as asinhas aí? (Ininteligível)
MARIA: Sim (risos) Tá bom. Mas então pode mandar que eu mando, tá bom?
ROBERTO: obrigado pela atenção
MARIA: Por nada. Não tem de quê”
Empresas mais citadas na investigação
61 páginas
BRF S. A
(Mineiro - GO)
interditado
41 páginas
Peccin Agro Industrial
(Jaraguá do Sul - SC e Curitiba - PR)
interditado
32 páginas
Seara Alimentos
(Lapa -PR)
11 páginas
Frigomax frigorífico e comércio e carnes Ltda
(Arapongas - PR)
7 páginas
JBS