Uma das principais contas que pesam no bolso do consumidor todos os meses pode estar ainda mais cara sem que o consumidor perceba. É o que aponta decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) destacado na fatura só pode incidir sobre os serviços diretamente prestados, não podendo ser cobrado sobre as taxas de transmissão (TUST) e distribuição (TUSD). Com base nos valores praticados pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), a incidência do tributo pode elevar as contas em até 30%.
Só no Juizado Especial de Belo Horizonte tramitam cerca de 240 ações de ressarcimento contra o estado e já há decisão favorável. Considerando-se uma conta de R$ 200, por exemplo, o cliente pode ter direito à devolução de até R$ 60. Quando a estimativa é feita para cinco anos, período máximo em que o ressarcimento pode ser pedido, esse consumidor teria direito a R$ 3,6 mil.
Numa simulação feita na conta-modelo apresentada no site da Cemig, para gastos de consumo de R$ 32,09, o valor pago em razão do encargo de distribuição é de R$ 19,45 e da transmissão, R$ 2,87. Somadas a taxa de iluminação pública e a bandeira tarifária, a conta alcança R$ 113,74.
A decisão do STJ abrange não só Minas Gerais, mas todos os estados e companhias energéticas que pratiquem a tributação. A Justiça vem concedendo decisões favoráveis aos consumidores em estados como Rio de Janeiro e São Paulo. Em recurso de um shopping de Santa Catrina apresentado na corte contra aquele estado, o ministro-relator Humberto Martins usou de jurisprudências, citando irregularidade na cobrança do ICMS sobre TUSD e TUST conforme súmula do tribunal.
“É firme a Jurisprudência desta Corte de Justiça no sentido de que não incide ICMS sobre as tarifas de uso do sistema de distribuição de energia elétrica, já que o fato gerador do imposto é a saída da mercadoria, ou seja, no momento em que a energia elétrica é efetivamente consumida pelo contribuinte, circunstância não consolidada na fase de distribuição e transmissão”.
De acordo, também, com a súmula 391 do STJ, “o ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada”. Em Belo Horizonte, uma decisão liminar de janeiro deste ano determinou à Cemig “a suspensão da cobrança de ICMS incidente sobre as tarifas de uso e distribuição e transmissão destacadas nas faturas de energia elétrica”.
O ressarcimento dos valores cobrados indevidamente só será decidido no mérito. A conta de luz do autor do processo, escritório de contabilidade, é de cerca de R$ 1,8 mil. Na decisão, o juiz Lailson Braga Baeta Neves, da 1ª Vara de Feitos Tributários do Estado da Comarca de BH, diz que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais também já tem posição contra a incidência do ICMS nas taxas. “O ICMS suportado pelo consumidor em razão do consumo de energia elétrica não pode ter outra base de cálculo que não o valor cobrado pelo efetivo consumo de energia”, registrou.
RESSARCIMENTO Segundo o advogado tributarista e do consumidor Gustavo Leão de Carvalho Cândido, todos os clientes podem requerer a suspensão do pagamento e a devolução dos valores pagos indevidamente pelos últimos cinco anos. “O regulamento prevê a cobrança do ICMS somente sobre os serviços, então, não deveria incidir sobre as taxas, mas feito há muitos anos. Muitas vezes esses valores ultrapassam o da própria energia consumida e isso onera demais. No caso de pessoas físicas, a conta pode ficar até 30% mais cara”, explica.
De acordo com o advogado, até então, havia várias decisões de tribunais estaduais sobre o assunto mas, com o posicionamento do STJ, a situação fica ainda mais clara. Segundo o advogado tributarista, só em Minas Gerais cerca de 8 milhões de consumidores podem ter sido lesados. “A gente vem buscando orientar os consumidores para que entrem na Justiça para requerer seu direito.” De um modo geral, os consumidores podem procurar o Juizado Especial, que atende causas de até 40 salários-mínimos, para entrar com a ação. Neste caso, podem optar por ingressar sozinhos ou com o auxílio de um profissional especializado.
Posições ainda divergentes
Em nota, a Cemig informou que atua na cobrança e arrecadação do ICMS devido nas operações de energia elétrica, obedecendo a legislação tributária estadual. “As ações judiciais que questionam a incidência de ICMS sobre a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição(TUSD) e da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) estão sendo movidas pelos clientes contra o Estado. Neste caso, a Cemig se limita ao cumprimento de liminares de suspensão da cobrança assim como das decisões definitivas”, informou.
O governo de Minas, por meio da Advocacia Geral do Estado (AGE), informou que o consumidor “não está pagando imposto a mais do que deveria” já que “os custos da energia elétrica são compostos pelos custos de geração, distribuição e transmissão”. Segundo o governo, o ICMS incide sobre o custo final da mercadoria conforme determina a Constituição. “A legislação federal (Lei Kandir, Lei Complementar nº 87/1996) e a legislação do Estado de Minas Gerais sobre o ICMS estão sendo corretamente aplicadas, a fim de manter na base de cálculo do ICMS sobre energia elétrica os valores correspondentes aos custos de transmissão (TUST) e distribuição (TUSD) dessa mercadoria”, informa.
A AGE diz ainda que parte dos casos julgados no STJ se tratam de consumidores livres, que podem comprar energia de qualquer concessionária. “O julgado não se aplica aos chamados ‘consumidores cativos’, aqueles que só podem comprar a energia elétrica de uma concessionária. Em Minas, esses consumidores somam 8 milhões de pessoas, que só podem adquirir da Cemig e estão pagando a conta de energia corretamente calculada”, diz a nota. A AGE criticou o que chama de “alvoroço” de alguns profissionais que prometem diminuir a conta de luz e disse que o Judiciário vem marcando a diferença entre consumidores livros e cativos.
Na última terça-feira, a Primeira Turma do STF decidiu favoravelmente à cobrança da taxa de distribuição (TUSD) para grandes consumidores – aqueles que compram energia elétrica diretamente das geradoras – usando argumento semelhante ao apresentado pelo governo de Minas. Na decisão, em uma ação contra o Rio Grande do Sul, o ministro-relator do caso, Gurgel de Faria, entendeu que não há como separar as etapas e rechaçou a tese de que o ICMS não seria devido sobre a TUSD porque a geração seria apenas uma atividade-meio, incapaz de ser fato gerador para incidência do tributo.
“Essa realidade física revela, então, que a geração, a transmissão e a distribuição formam o conjunto dos elementos essenciais que compõem o aspecto material do fato gerador, integrando o preço total da operação mercantil, não podendo qualquer um deles ser descolado da sua base de cálculo”, diz o texto. Na decisão, o ministro considerou ainda o impacto financeiro que a cobrança sem as taxas geraria para os cofres dos estados, dizendo que só no Rio Grande do Sul seriam R$ 14 bilhões de receita a menos por ano. (JC)
Entenda o caso
. Por determinação legal, o ICMS incide sobre o consumo de energia elétrica ao percentual de 18%. A base de cálculo para a tributação é a Tarifa de Energia Consumida (TE).
. No entanto, os governos estaduais buscam aumentar a arrecadação, incluindo na base de cálculo do ICMS o valor das tarifas de Uso dos Sistemas Elétricos de Distribuição (TUSD) e de Uso dos Sistemas Elétricos de Transmissão (TUST).
. É assim que eles cobram o imposto sobre o valor total da conta. A Lei Kandir (87/1996), que trata das operações e prestações de serviços sobre as quais o imposto deverá incidir, não prevê a incidência no uso dos sistemas de distribuição e transmissão de energia elétrica.
Só no Juizado Especial de Belo Horizonte tramitam cerca de 240 ações de ressarcimento contra o estado e já há decisão favorável. Considerando-se uma conta de R$ 200, por exemplo, o cliente pode ter direito à devolução de até R$ 60. Quando a estimativa é feita para cinco anos, período máximo em que o ressarcimento pode ser pedido, esse consumidor teria direito a R$ 3,6 mil.
Numa simulação feita na conta-modelo apresentada no site da Cemig, para gastos de consumo de R$ 32,09, o valor pago em razão do encargo de distribuição é de R$ 19,45 e da transmissão, R$ 2,87. Somadas a taxa de iluminação pública e a bandeira tarifária, a conta alcança R$ 113,74.
A decisão do STJ abrange não só Minas Gerais, mas todos os estados e companhias energéticas que pratiquem a tributação. A Justiça vem concedendo decisões favoráveis aos consumidores em estados como Rio de Janeiro e São Paulo. Em recurso de um shopping de Santa Catrina apresentado na corte contra aquele estado, o ministro-relator Humberto Martins usou de jurisprudências, citando irregularidade na cobrança do ICMS sobre TUSD e TUST conforme súmula do tribunal.
“É firme a Jurisprudência desta Corte de Justiça no sentido de que não incide ICMS sobre as tarifas de uso do sistema de distribuição de energia elétrica, já que o fato gerador do imposto é a saída da mercadoria, ou seja, no momento em que a energia elétrica é efetivamente consumida pelo contribuinte, circunstância não consolidada na fase de distribuição e transmissão”.
De acordo, também, com a súmula 391 do STJ, “o ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada”. Em Belo Horizonte, uma decisão liminar de janeiro deste ano determinou à Cemig “a suspensão da cobrança de ICMS incidente sobre as tarifas de uso e distribuição e transmissão destacadas nas faturas de energia elétrica”.
O ressarcimento dos valores cobrados indevidamente só será decidido no mérito. A conta de luz do autor do processo, escritório de contabilidade, é de cerca de R$ 1,8 mil. Na decisão, o juiz Lailson Braga Baeta Neves, da 1ª Vara de Feitos Tributários do Estado da Comarca de BH, diz que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais também já tem posição contra a incidência do ICMS nas taxas. “O ICMS suportado pelo consumidor em razão do consumo de energia elétrica não pode ter outra base de cálculo que não o valor cobrado pelo efetivo consumo de energia”, registrou.
RESSARCIMENTO Segundo o advogado tributarista e do consumidor Gustavo Leão de Carvalho Cândido, todos os clientes podem requerer a suspensão do pagamento e a devolução dos valores pagos indevidamente pelos últimos cinco anos. “O regulamento prevê a cobrança do ICMS somente sobre os serviços, então, não deveria incidir sobre as taxas, mas feito há muitos anos. Muitas vezes esses valores ultrapassam o da própria energia consumida e isso onera demais. No caso de pessoas físicas, a conta pode ficar até 30% mais cara”, explica.
De acordo com o advogado, até então, havia várias decisões de tribunais estaduais sobre o assunto mas, com o posicionamento do STJ, a situação fica ainda mais clara. Segundo o advogado tributarista, só em Minas Gerais cerca de 8 milhões de consumidores podem ter sido lesados. “A gente vem buscando orientar os consumidores para que entrem na Justiça para requerer seu direito.” De um modo geral, os consumidores podem procurar o Juizado Especial, que atende causas de até 40 salários-mínimos, para entrar com a ação. Neste caso, podem optar por ingressar sozinhos ou com o auxílio de um profissional especializado.
Posições ainda divergentes
Em nota, a Cemig informou que atua na cobrança e arrecadação do ICMS devido nas operações de energia elétrica, obedecendo a legislação tributária estadual. “As ações judiciais que questionam a incidência de ICMS sobre a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição(TUSD) e da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) estão sendo movidas pelos clientes contra o Estado. Neste caso, a Cemig se limita ao cumprimento de liminares de suspensão da cobrança assim como das decisões definitivas”, informou.
O governo de Minas, por meio da Advocacia Geral do Estado (AGE), informou que o consumidor “não está pagando imposto a mais do que deveria” já que “os custos da energia elétrica são compostos pelos custos de geração, distribuição e transmissão”. Segundo o governo, o ICMS incide sobre o custo final da mercadoria conforme determina a Constituição. “A legislação federal (Lei Kandir, Lei Complementar nº 87/1996) e a legislação do Estado de Minas Gerais sobre o ICMS estão sendo corretamente aplicadas, a fim de manter na base de cálculo do ICMS sobre energia elétrica os valores correspondentes aos custos de transmissão (TUST) e distribuição (TUSD) dessa mercadoria”, informa.
A AGE diz ainda que parte dos casos julgados no STJ se tratam de consumidores livres, que podem comprar energia de qualquer concessionária. “O julgado não se aplica aos chamados ‘consumidores cativos’, aqueles que só podem comprar a energia elétrica de uma concessionária. Em Minas, esses consumidores somam 8 milhões de pessoas, que só podem adquirir da Cemig e estão pagando a conta de energia corretamente calculada”, diz a nota. A AGE criticou o que chama de “alvoroço” de alguns profissionais que prometem diminuir a conta de luz e disse que o Judiciário vem marcando a diferença entre consumidores livros e cativos.
Na última terça-feira, a Primeira Turma do STF decidiu favoravelmente à cobrança da taxa de distribuição (TUSD) para grandes consumidores – aqueles que compram energia elétrica diretamente das geradoras – usando argumento semelhante ao apresentado pelo governo de Minas. Na decisão, em uma ação contra o Rio Grande do Sul, o ministro-relator do caso, Gurgel de Faria, entendeu que não há como separar as etapas e rechaçou a tese de que o ICMS não seria devido sobre a TUSD porque a geração seria apenas uma atividade-meio, incapaz de ser fato gerador para incidência do tributo.
“Essa realidade física revela, então, que a geração, a transmissão e a distribuição formam o conjunto dos elementos essenciais que compõem o aspecto material do fato gerador, integrando o preço total da operação mercantil, não podendo qualquer um deles ser descolado da sua base de cálculo”, diz o texto. Na decisão, o ministro considerou ainda o impacto financeiro que a cobrança sem as taxas geraria para os cofres dos estados, dizendo que só no Rio Grande do Sul seriam R$ 14 bilhões de receita a menos por ano. (JC)
Entenda o caso
. Por determinação legal, o ICMS incide sobre o consumo de energia elétrica ao percentual de 18%. A base de cálculo para a tributação é a Tarifa de Energia Consumida (TE).
. No entanto, os governos estaduais buscam aumentar a arrecadação, incluindo na base de cálculo do ICMS o valor das tarifas de Uso dos Sistemas Elétricos de Distribuição (TUSD) e de Uso dos Sistemas Elétricos de Transmissão (TUST).
. É assim que eles cobram o imposto sobre o valor total da conta. A Lei Kandir (87/1996), que trata das operações e prestações de serviços sobre as quais o imposto deverá incidir, não prevê a incidência no uso dos sistemas de distribuição e transmissão de energia elétrica.