A travessia no deserto da crise, que fez sucumbir pequenas empresas, agora leva grandes marcas do Barro Preto, polo de moda instalado na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, a se reestruturar. Redes de lojas reduzem o número de unidades, trocam de endereço atrás de aluguéis mais baratos e imóveis menores e buscam numa estrutura enxuta combustível para se reinventar. Desde janeiro, o Barro Preto vem assistindo a uma dança das cadeiras de estabelecimentos tradicionais, com a mudança de ponto de várias delas, a exemplo da Parthenon, Lay Jeans e Lojas Gaby. Quem resistiu à turbulência dos últimos dois anos se une em torno do movimento “Eu amo o Barro Preto”, criado para fortalecer a região.
Não há estatística atualizada sobre o número de empresas estabelecidas no bairro. “O último levantamento, de 2008, apontou 3,5 mil lojas e 800 confecções”, conta o presidente da Associação Comercial do Barro Preto, Ricardo Lara Campos. No próximo mês, em conjunto com o Centro Universitário Una, a entidade fará o censo do Barro Preto. No quadrilátero considerado a zona quente do Barro Preto, formado pela Avenida Augusto de Lima e ruas Mato Grosso, Araguari e Guajajaras, o Estado de Minas constatou o fechamento de 35 lojas.
Lado a lado dos imóveis fechados, as empresas que resistem apostam na reformulação do negócio, atrás de público estimado de 450 mil pessoas que passam todos os dias na região. “O que aconteceu no Barro Preto ocorre no Brasil inteiro. Empresas de 20 anos estão fechando. De uma loja de 1 mil metros passa-se para 200 metros. É uma readequação à nova realidade”, afirma o proprietário da Lay Jeans, José Paulino Pires, vice-presidente da associação comercial.
Há 34 anos no polo de moda, a Lay Jeans, confecção instalada na Rua Araguari, mudou-se neste ano para imóvel menor na mesma rua. O valor do aluguel caiu pela metade e o número de funcionários passou de 220 para cerca de 60. A nova realidade no Barro Preto, de acordo com Pires, tem reforçado o perfil atacadista da região. “Isso uniu os lojistas do atacado”, diz.
Também veterana no bairro, as lojas Gaby passaram de oito para duas unidades. A última delas foi fechada na semana passada. O faturamento da rede encolheu mais de R$ 2 milhões desde o início da crise. Alguns dos imóveis eram ofertados por aluguéis de R$ 20 mil por mês. “Foi necessário diminuir, porque não conseguimos negociar com alguns proprietários. Para sobreviver a essa crise, estamos enxugando a máquina, colocamos mais mercadorias para nossos clientes”, afirma um das sócias da rede, Ivânia Braga, reforçando que o cliente ficou mais exigente.
Com 29 anos de atuação no Barro Preto, a Parthenon Jeans trocou de endereço na Avenida Augusto de Lima por imóvel na Rua Araguari. “A diferença no preço do aluguel, de R$ 15 mil para R$ 10 mil, foi crucial. A gente fez uma reestruturação, melhorando também o design da loja e modernizamos produtos”, afirma o gerente comercial da marca, Samuel Duarte. A empresa também reduziu em 25% o número de funcionários. “O mercado enxugou. Quem brincava de vender roupa não faz isso mais. Quem é forte e tem nome sobrevive”, diz.
MARKETING COLETIVO
Para driblar a crise, uma rede de lojistas se uniu em torno do movimento “Eu amo o Barro Preto”. A iniciativa visa promover o comércio e, em maio, vai organizar a segunda edição do “Fashion Day”, um desfile a céu aberto na Rua Mato Grosso. O presidente da associação local dos lojistas trata com otimismo o futuro do Barro Preto e considera que a queda no valor dos aluguéis está atraindo novos comerciantes. “Está melhor alugar no Barro Preto”, diz Ricardo Campos. Coordenador do conselho da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL-BH) no bairro, Fausto Izac considera que o comércio está se reinventando. “Quem segurou a despeito da crise até agora pelo menos está com uma expectativa de melhora”, ressalta.
Aluguel a preço para estacionar
Estacionar o carro nas ruas do Barro Preto custa quase o mesmo que alugar uma loja numa das galerias do polo da moda da Região Centro-Sul da capital. A crise levou os inquilinos embora e, para não ficar com imóveis vazios, proprietários aceitam receber aluguéis a partir de R$ 300. O preço se equipara aos R$ 270 cobrados pelas empresas operadoras de estacionamentos por uma vaga de mensalista. Com lojas fechadas há mais de um ano, a realidade está presente em galerias e prédios comerciais da região, que chegaram a reduzir o preço do aluguel em mais de 80%. Segundo a Câmara do Mercado Imobiliário de Minas Gerais (CMI/Secovi), os aluguéis de salas e lojas no bairro diminuíram, em média, 10% na comparação com os preços encontrados no ano passado.
A redução do valor do aluguel foi o que deu sobrevida à Puek Etiquetas no comércio. Há oito anos na galeria Moda Mall, no Barro Preto, a empresa teria fechado as portas no fim do ano, se não tivesse encontrado outro imóvel no mesmo prédio oferecido pela metade do valor de aluguel. “Pagávamos R$ 750, fora o condomínio. Com a crise que veio, tentamos reduzir gastos e não estávamos conseguindo pagar. Pensamos em fechar e soubemos desse aluguel de R$ 300. Por enquanto está indo”, afirma a gerente da loja, Sabrina Gomes.
Proprietários têm preferido manter o imóvel aberto, com inquilino arcando com despesas de IPTU e condomínio, a bancar gastos fixos da loja fechada. A saída de lojistas do segmento da moda tem mudado também o perfil das galerias. “A maioria das lojas aqui são escritórios de advocacia, e olha que aqui era o Barro Preto da moda”, comenta Sabrina. A presença dos escritórios está relacionada à proximidade com o Fórum Lafayette, situado no bairro.
De volta a BH depois de uma temporada em Portugal e no Acre, a estilista Heliene Melo aproveitou a baixa para instalar seu ateliê de costura em uma das galerias do Barro Preto, a Barro Preto City Shopping. “Esta loja já esteve avaliada em R$ 2 mil. Como estava fechada há muito tempo, estou pagando R$ 400”, afirma Heliene, animada com os negócios. “Para mim, não tem crise. Onde estou flui”, comenta.
“Houve queda no valor (dos aluguéis) de cerca de 10%. Chegou num patamar de acomodação e não vemos mais perspectivas de queda”, afirma o vice-presidente das administradoras de imóveis da CMI/Secovi, Leirson Cunha. Ele reforça que proprietários estão dividindo a área dos imóveis para reduzir o preço do aluguel e conseguir novos inquilinos. “São situações em que eles conseguem dar maior rentabilidade para o proprietário”, explica. (FA)