Mais de 32 milhões de brasileiros não contam com qualquer garantia da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e, mesmo se aprovada a polêmica reforma trabalhista que tramita a toque de caixa na Câmara dos Deputados, continuarão fora do guarda-chuva dos direitos de proteção social no país. São os trabalhadores sem carteira assinada ou que atuam por conta própria, uma legião que representa 36% do total de 89,3 milhões de trabalhadores ocupados no Brasil.
Sem carteira e sem garantias
Longe de ser um projeto de ampla reforma das relações de trabalho no Brasil, que deveria incluir os já esquecidos do mercado formal, as mudanças que o Congresso vai apreciar criam grande flexibilização e permitem que a negociação se sobreponha ao legislado. Assim, além de a proposta não ter envolvido todos os trabalhadores, ainda torna mais distante o sonho dos desprotegidos, – os sem registro e aqueles que trabalham por conta própria – de ter um dia as garantias dos direitos trabalhistas.
O presidente da Associação Mineira dos Advogados Trabalhistas (Amat), Marco Antônio Freitas, considera que as regras que regem o trabalho por conta própria são “tema pendente”. “O autônomo não tem direito a férias, não tem Fundo de Garantia e multa de 40% quando demitido. Entendo que ele teria que ganhar a mais para ser recompensado. Só que isso não tem ocorrido. O autônomo se sujeita a ganhar qualquer valor para não ficar sem trabalho”, afirma.
Na avaliação dele, a reforma trabalhista em tramitação favorece o maior número de autônomos. “A reforma do governo quer a terceirização. Também querem acabar com a hora de almoço, flexibilizando-a para 30 minutos”, cita Freitas. Entre os principais pontos da reforma estão a flexibilização da jornada, fragmentação de férias, remuneração por produtividade e banco de horas. O projeto também regula a questão do trabalho em casa (o chamado home office na expressão em inglês), entre outros pontos.
Não são mais do que 15 os dias em que a cabeleireira e maquiadora Angélica Ramalho, que trabalha como autônoma num salão no Centro de BH, goza de férias. Os vencimentos dela são baseados na produção diária e é por isso que ela não pode parar de trabalhar. A atividade sem vínculo é praxe na área”, afirma Angélica, que se tornou uma microempreendedora individual (o sistema conhecido como MEI). “Isso dá mais segurança para o dono do salão”, diz. Ela acredita que a carga tributária que recai sobre seu trabalho é excessiva. “Não tenho retorno do quanto pago de imposto”, reclama.
Críticas
O desembargador Milton Vasques Thibau de Almeida, do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, critica como a reforma trabalhista vem sendo conduzida. “O que é essencial não está na reforma. Ela é pequena e pontual. O foco principal é atingir a Justiça do Trabalho e legalizar as fraudes mais comuns. Pelo texto, o acordo coletivo prevaleceria sobre a legislação”, afirma.
Segundo Miton Thibau, em tese, trabalhadores autônomos deveriam ser melhor remunerados do que aqueles com vínculo empregatício formal. “Para abrir uma empresa, existem ‘n’ tributos que incidem sobre a atividade empresarial. Hoje em dia, existe o fenômeno da ‘pejotização’, em que o empregador demite o funcionário e o recontrata como pessoa jurídica”, afirma.
Ele esclarece que a CLT não se aplica ao autônomo pelo fato de ele não ser reconhecido como empregado. “O autônomo só pode ser reconhecido como empregado em situações fraudulentas”, esclarece. O desembargador reforça que a Emenda Constitucional 45, de 2004, ao tratar sobre “relações de trabalho”, em substituição ao termo “relação entre trabalhadores e empregados”, conferiu à Justiça do Trabalho a possibilidade de atuar nesses casos, mesmo sem uma legislação formal. “Essa questão é um pouco vaga”, reforça.
Do grupo de 89,3 milhões de brasileiros que estavam ocupados no trimestre de dezembro de 2016 a fevereiro de 2017, de acordo com a Pnad Contínua do IBGE, fazem parte também 10,8 milhões de empregados no setor público, incluindo estatutários e militares; 6 milhões de trabalhadores domésticos; 4,126 milhões de empregadores e 2,196 milhões de trabalhadores auxiliares familiares. Este último universo trabalha sem remuneração durante pelo menos uma hora na semana, em ajuda a parentes na condição de empregadores ou não.
Rolo compressor
Há 15 anos, o caminhoneiro Maurício Damas leva a vida na boleia do caminhão próprio. Para ele, não existe fim de semana, feriado e a jornada alcança 12 a 13 horas por dia. “Pintou serviço, tem que fazer. Não tem descanso, não tem horário de almoço”, afirma.
Aos 60 anos, ele agradece por ter conseguido se aposentar, já que contribuiu para a Previdência Social sobre um salário mínimo. “Graças a Deus! Porque muitos nem conseguem”, comenta. Ainda assim, não dá para parar de trabalhar. Para Damas, quem trabalha por conta própria deveria ter mais incentivos. “O governo dá financiamento para o taxista e não dá para a gente. Tinha que ser igual”, afirma.
A personal trainer Rachel Balthazar, de 35, optou por ser autônoma e reconhece que, no caso dela, o dinheiro compensa. A profissão sem vínculo exigiu dela disciplina. “Não acho ruim ser autônoma. Tenho flexibilidade e ganho mais que o dobro se não fosse assim, mas eu tenho que fazer a minha segurança. Faço um seguro e uma previdência, além de aplicações”, conta. Ela acredita, no entanto, que o governo poderia dispensar a categoria de taxas. “Poderia nos isentar do registro de autônomos. Pagamos e não temos nenhum retorno disso”, afirma.