Amir El-Kouba, professor de gestão de pessoas em MBAs da Fundação Getulio Vargas/Faculdade IBS e consultor empresarial, afirma que se tem algo de positivo em toda essa crise é que “foi feita uma releitura do mundo do trabalho por parte do profissional à revelia da nossa legislação trabalhista. Formaram-se MEIs (microempreendedor individual), profissionais se associando a outros profissionais para prestar serviço, contratos temporários, consultores, técnicos associados, enfim, uma nova reconfiguração”.
O alerta de Amir El-Kouba é que esses novos modelos de trabalho e de renda não são de ordem situacional, mas uma tendência para a cultura brasileira. “O Brasil sempre foi um país empreendedor, com uma legislação que impede maior salto, o que precisa mudar para a evolução ocorrer”, diz. Um otimista, o professor enfatiza que o bom nesta crise é que todas essas questões e temas são analisados de formas mais sérias e menos emocional”.Amir El-Kouba avisa que as tendências vieram para ficar. “As transformações da carreira individual e no mercado de trabalho, um outro modelo na relação com o trabalhador, são um caminho sem volta. É a percepção mais clara que a globalização determinou 30 anos atrás.” Outro ponto de transformação para o qual o professor chama a atenção é o encurtamento das distâncias proporcionado pela globalização (e a tecnologia), inclusive para o nível mais básico de trabalhadores.
O consultor empresarial destaca também a seriedade de reformas neste sentido, incluindo o discurso da terceirização e a negociação mais livre entre empregador e empregado. E ele ainda chama a atenção para o profissional de hoje (pelo menos uma parcela) que já resolveu reavaliar e requalificar sua carreira. “É aquele profissional que tinha experiência e linha de trabalho dentro da TI e saúde e agora resolveu fazer uma pós de gestão empresarial. Decide ampliar sua visão financeira e abre novo campo de atuação. É assim que o trabalhador do futuro tem de pensar e agir. Investir em uma área complementar, ainda que diferente da sua formação, mas que consiga uma aproximação, para potenciar o currículo. Essa é uma visão estratégica com foco na ampliação do mercado”, avisa o professor.
Portanto, ainda que a recuperação do emprego ocorra (ela virá de maneira lenta e gradual), Amir El-Kouba enfatiza que a retomada do emprego será diferente, terá uma nova redefinição. E ele aponta dois caminhos: em primeiro lugar, possibilidades maiores de cargos porque o profissional se tornou mais capacitado; e em segundo, a migração para áreas que tenham maior demanda.
EXPERIÊNCIA
Com toda essa revolução, a experiência do profissional ainda mantém grande importância? Ela basta? É a principal ferramenta para sobreviver ao cenário de transformação? Para Amir El-Kouba, logicamente que a experiência profissional continua sendo extremamente importante. Mas, isoladamente, não é mais suficiente. Agora, o profissional precisa se capacitar para ampliar sua visão tanto para dentro como para fora da empresa. “Tem de ir além da qualidade e do comprometimento com seu processo de trabalho, percebendo a interdependência entre as suas atividades e a de outros profissionais e processos dentro da organização, com efetivo impacto no negócio.”
O professor alerta que o profissional com anos de carreira precisa, também, estender sua visão para além das paredes da empresa, para um cenário externo competitivo e em constante mudança, considerando as ações da concorrência, conhecendo novas tecnologias e reconhecendo o impacto das suas ações no meio ambiente e na vida das pessoas. “Para conseguir essa nova condição, tem de transcender ao exercício profissional puro e simples. Este novo mercado exige, além da experiência profissional, uma boa capacitação e aperfeiçoamento técnico. Uma enorme competência emocional e uma visão estratégica que permita o alinhamento entre aquilo que ele faz como profissional com aquilo que ele é como ser humano.”
CARREIRAS INDEPENDENTES
Qual é o de modelo de profissional que as empresas querem com a nova reconfiguração do mercado de trabalho durante e após a crise? Muitos especialistas dizem que nada será como antes. A globalização, há décadas, o avanço da tecnologia e a recessão se impõem para mudar o status quo. Do caos que vivemos e pelo qual passamos no Brasil (e o mundo também, desde a crise de 2008) nasce uma nova força de trabalho. Para Rúbria Coutinho, consultora em recursos humanos e desenvolvimento organizacional, após o período mais crítico, muitas organizações retomarão as contratações. Aliás, já há sinais de estabilização em boa parte delas em segmentos específicos. “No entanto, muitos profissionais que buscam oportunidade de recolocação estão passando por repetidas frustrações – há um grande número de profissionais competentes à disposição para proporcionalmente poucas ofertas de vagas. Assim, estão se movimentando para criar ou participar de espaços produtivos e alternativos porque precisam e querem trabalhar”, diz.
Rúbria Coutinho acredita que uma nova força de trabalho está surgindo em função das tendências e dos desafios do mercado de trabalho atual, como as flexibilizações dos contratos trabalhistas, as terceirizações, o trabalho contingente, por projetos etc. “E também das evoluções sociais, como a relação com o consumo, os negócios sociais, os novos sistemas de criação e de distribuição de valor. Imagino profissionais mais autônomos do ponto de vista dos vínculos trabalhistas, como consultores e pequenos empresários e profissionais preparados para trabalhar em rede, de forma colaborativa, somando competências e desenvolvendo parcerias. Profissionais mais criativos, flexíveis e preparados para cenários menos estruturados e mutáveis.”
Ainda que o mercado busque um profissional multifuncional, Rúbria Coutinho diz que o especialista não perde espaço nesse novo mercado. “A competência e o conhecimento técnico consistente continuarão valorizados, é preciso ser cada vez melhor e diferenciado na área específica de atuação. O que muda e expande é o rol de competências que se somam às especialidades. Ter visão e atuação sistêmica, olhando o contexto de forma integral e capacitando-se para atividades que se complementam. Trata-se de um profissional mais completo, com uma visão generalista, mas ancorado na sua especialidade para gerar valor”, ressalta.
A verdade é que nunca é fácil para quem está no olho do furacão, que vive a transição. Dúvidas e inseguranças atingem tanto o profissional experiente quanto os jovens, que absorvem melhor as mudanças. “As novas gerações não sonham com o modelo de trabalho tradicional com estabilidade, benefícios, longas jornadas, ascensão de carreira dentro de uma única empresa, com as referências de sucesso profissional que tínhamos até então.” Para a consultora, o que vemos hoje é que boa parte dos jovens não esperam chegar ao final do curso para iniciar um projeto. São, de modo geral, superconectados, com bons conhecimentos em tecnologia, capacidade e repertório para lidar com novas soluções e até mesmo desenvolver soluções, produtos e serviços inovadores no mercado. “Tendem a ser mais flexíveis e dinâmicos, lidam com a instabilidade de forma mais natural e podem migrar de uma carreira para outra ao longo da vida em busca de experiências, novos desafios e pelo prazer. Percebo que são cada vez mais guiados por uma causa própria e não temem empreender.”
EMOCIONAIS
Porém, lembra a especialista, o empreendedorismo requer muito mais que o desejo ou o que chamamos de aptidão. “É preciso se preparar, conhecer o mercado, os concorrentes, os aspectos legais, entender da gestão financeira e comercial do negócio. Muitos negócios fecham precocemente porque não estavam suficientemente maduros e preparados para prosperar ou se sustentar”, afirma.
Rúbria Coutinho conta que, na sua experiência como consultora, tem percebido a crescente demanda pelo desenvolvimento das competências emocionais – autoconhecimento e capacidade de lidar com o outro; prontidão para a mudança e para o reposicionamento pessoal frente às transformações organizacionais e sociais; visão e atuação sistêmica – que ultrapassa a competência técnica em uma disciplina específica, somando as diferentes competências e criando novos significados.
A consultora explica que os empregadores buscam profissionais que se diferenciam. “Estão mais exigentes e acredito que essa tendência permanecerá mesmo depois da crise, quando as ofertas de vagas poderão crescer. Destaco uma formação de qualidade, incluindo pós-graduação, participação em programas de especialização e atualização, fluência em outros idiomas, capacidade de pensar digitalmente, conhecer e lidar com tecnologia no dia a dia, perfil empreendedor, que busca e adquire conhecimentos, experimenta novas práticas e é capaz de se adaptar aos diferentes movimentos e mudanças.”
Atitude para se reinventar:
1) Seja condutor da carreira para sempre, você é o responsável
2) Invista em novos conhecimentos, habilidades e experiências, diferentes contextos de trabalho e culturas
3) Aprenda e desenvolva a capacidade de empreender
4) Aprenda a trabalhar em rede e em equipe, somar competências
5) Estabeleça novos e mais flexíveis vínculos de trabalho, formas de remuneração e recompensa
6)O futuro é das carreiras e dos profissionais que se adaptam a negócios e ambientes menos estruturados e imprevisíveis, que não tenham medo de se lançar a novos desafios em contextos ainda desconhecidos
7) Saiba que o modelo tradicional de trabalho não desaparecerá, mas há uma tendência de crescimento de novos modelos, associados à criação e oferta de novos produtos e serviços e às transformações sociais
Formação é adendo!
Como será o mercado de trabalho do futuro? Não é matemática exata, mas já é possível prever novas demandas profissionais e qual rumo elas tomam, ainda que as transformações sejam inúmeras, distintas e ocorram em velocidade assustadora. “Não há uma resposta, só o futuro dirá, mas a dinâmica do mercado muda rápido e há profissões que podem não existir daqui a um tempo. Assim, a formação passa a ser um adendo da carreira profissional. É o engenheiro que abre um carrinho de brigadeiro ou muda para a área de finanças. O certo é que o redirecionamento já ocorre (e será cada vez mais comum) com frequência”, analisa Bruno da Matta Machado, sócio-diretor e headhunter da Upside Group.
O Brasil é apontado como um dos países mais empreendedores do mundo, ainda que tenha muitos problemas e barreiras quanto à consolidação das milhares de iniciativas de novas empresas. Por outro lado, o empreendedor corporativo é um perfil cada vez mais procurado pelos gestores. “É o profissional bem-visto, o perfil desejado. No entanto, muitos profissionais acham que não se encaixam porque pensam que para empreender precisam abrir uma empresa. Mas ele pode ser um empreendedor dentro da empresa. Esse será o colaborador que traz como características a criatividade, é proativo, corre riscos, enfrenta o escuro, busca coisas novas e, por tudo isso, acaba sendo um curinga”, explica o headhunter.
Para Bruno da Matta Machado, não adianta mais o profissional focar em ser um especialista. Ele tem de se preocupar em ser alguém que possa ser reposicionado com o negócio. O diferencial é o colaborador com capacidade de adaptação, assim como as empresas. Por isso, o especialista recomenda que cada um busque conceitos que vão além da técnica. E se preocupem em desenvolver a comunicação, o relacionamento, a criatividade, já que assim chamarão mais atenção.
TEMPOS LÍQUIDOS
Bruno da Matta Machado cita o livro Tempos líquidos, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, para lembrar da “correlação entre relacionamentos e mercado de trabalho. Vivemos em um solo instável e precisamos ser protagonistas porque a imprevisibilidade é muito grande. O que muda toda a dinâmica do mercado de trabalho daqui pra frente. O profissional precisa enxergar esse cenário”.
O sócio-diretor da Upside Group, inclusive, acredita que grande parte dos jovens já visualizou essa transformação. Tanto é que “eles não têm mais a busca pelo emprego instável e pela solidez profissional muito grande. O que imaginamos do futuro. E como é discutido no novo livro do sociólogo Sérgio Abranches, A era do imprevisto – A grande transição do século 21, vivemos a era do imprevisto”.
Mas não se assuste: pode ser uma fase apreensiva, mas é também de otimismo. A atitude, conforme Bruno da Matta Machado, “é descobrir ideias positivas e olhar com bons olhos a ruptura de modelos engessados. E encarar todas as mudanças pelas quais estamos passando nas relações trabalhistas, como a terceirização, até o mercado se consolidar”.
PALAVRA DE ESPECIALISTA:
Darwin tinha razão?
“A tecnologia tem modificado drasticamente o mercado de trabalho. Segundo relatório publicado pelo Fórum Econômico Mundial, a economia mundial sentirá os efeitos da chamada “Quarta Revolução Industrial”, que promete ser muito mais rápida, abrangente e impactante que as anteriores. São muitas as novidades: computação em nuvem, internet das coisas, big data, robótica, impressão em 3D... O Fórum projeta que, até 2020, essas tecnologias vão eliminar 5,1 milhões de vagas em 15 países e regiões que respondem por dois terços da força mundial de trabalho, incluindo o Brasil.
O mercado de trabalho atual exige características comportamentais para que os profissionais se adaptem à nova realidade: conhecimento do negócio, flexibilidade, saber trabalhar em equipe. Também é necessário ter uma visão geral de tudo que o cerca. Além disso, é fundamental estar inteirado da tecnologia. Todas essas mudanças devem ser absorvidas por todos que almejam obter sucesso no novo cenário. Bem-vindo, não mais à era de mudança, mas à mudança de era, talvez Darwin já soubesse de tudo isso lá atrás, quando disse que as espécies vivas que sobrevivem não são as mais fortes nem as mais inteligentes; são aquelas que conseguem se adaptar e se ajustar às contínuas demandas e desafios do meio ambiente.”