Brasília – A crise política deslanchada pela delação premiada dos donos da JBS não só provocou a piora do á cenário de recuperação da economia, como também deverá adiar a esperada redução da meta de inflação dos atuais 4,5% para 4% ao ano a partir de 2019. A intenção era de que o índice mais baixo fosse alcançado neste ano, projeto já descartado pelo ex-diretor do Banco Central e chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituo Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), José Júlio Senna.
A margem de tolerância para a inflação deste ano e para 2018 é de 1,5 ponto percentual para a cima ou para baixo, tomando em consideração o teto de 6% e o piso de 3%. O objetivo do Brasil para o custo de vida está acima da média do mundo emergente que adota o regime de metas, de 2% a 3% anuais, segundo Senna. Países vizinhos, como Chile e Peru, têm meta de 3% ao ano. As incertezas são grandes, principalmente, em relação ao avanço das reformas, que devem comprometer qualquer melhora na área fiscal do governo para o futuro. Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida por Senna ao Estado de Minas.
MAIS RISCOS
Esse assunto agora vai morrer. Ele não poderá entrar na pauta do CMN. Muitos fatores que ajudaram a sinalizar que seria possível uma redução agora podem atrapalhar. Um ponto relevante que deverá ser levado em conta para o adiamento dessa decisão é a crise política. Ela mexeu com o risco do país, do câmbio e da atividade econômica, que deve piorar nos próximos meses, apesar de a equipe do Ibre ter mantido (na semana passada) em 0,4% a expectativa de crescimento neste ano, com viés de baixa em virtude do o aumento da crise política. O problema é que as perspectivas para as reformas são incertas. O concreto hoje é que a economia deve ficar pior é que a queda dos juros vai sofrer atrasos.
JUROS LENTOS
O mercado, por enquanto, está tratando com muita tranquilidade o quadro político e partindo do pressuposto que haverá troca de governo e que o substituto do presidente Michel Temer dará continuidade à agenda das reformas. Sendo assim, o dólar estava relativamente tranquilo (na sexta-feira, fechou em R$ 3,27), mas os juros devem cair de forma mais lenta. Nesta semana, o Copom (Comitê de Política Monetária), no espírito de não provocar volatilidade, vai optar por reduzir a Selic (taxa básica da economia) em 100 pontos-base, como tinha se comprometido no leque de opções de 100 até 125 pontos de corte no comunicado da última reunião e reiterou isso no recente encontro com técnicos do FMI (Fundo Monetário Internacional).
REFORMAS
O que é concreto hoje é que a economia deve ficar pior, mas os juros não devem cair muito ao longo do ano porque o BC vai olhar para a piora das condições fiscais. Antes da delação e do áudio da JBS, o mercado apostava em que as taxas de juros cairiam mais em termos reais porque se apostava na aprovação das reformas. Mas, agora, há mais duvidas sobre o andamento dessa agenda no Congresso Nacional, e existe a dúvida maior sobre o equilíbrio das contas públicas. Essa dúvida eleva o risco do país, e isso começa a ser antecipado pelas agências de classificação de risco (a Moody's rebaixou a perspectiva da nota dos títulos brasileiros na última sexta-feira de 'estável' para 'negativa'). Quem esperava que a Selic ficasse entre 7,5% e 8% anuais em dezembro, já está elevando as projeções para algo em torno de 9% a 9,5%, em termos nominais.
RECESSÃO
Não. Nem tecnicamente nem sem ser tecnicamente. Os sinais são muito claros de que a economia brasileira tem andado para trás. O monitor do PIB (Produto Interno Bruto, a soma da produção de bens e serviços do país) do Ibre mostrava claramente uma recuperação muito boa em relação ao consumo das famílias e investimentos. Eles estavam ficando menos negativos, mas essa tendência dá sinais de inversão novamente diante das incertezas. Mas há outro dado que complica as projeções que foi a mudança de metodologia feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que alterou variáveis chaves da pesquisa do PIB, como comércio e serviços. Hoje está mais difícil fazer previsões.